Evento preparatório para o Fórum Social Mundial que acontecerá em agosto, no Canadá, começa sob o signo da resistência

Por: Otavio Augusto Antunes

Fotos: David da Silva Jr. / Sérgio Silva

O Fórum Social Temático, evento preparatório para o Fórum Social Mundial que acontecerá em agosto, no Canadá, começa sob o signo da resistência.

É bem verdade que a edição de 2016 do Fórum Social Mundial será realizada em Montreal, entre os dias 9 e 14 de agosto, o primeiro no Hemisfério Norte, mas é simbólico que Porto Alegre receba uma edição temática. E o tema deste ano, Paz, Democracia, Direito dos Povos e do Planeta, trouxe a Porto Alegre milhares de homens e mulheres dos mais diversos movimentos sociais e populares, que vão debater por quatro dias a perspectiva de superação do atual modelo de desenvolvimento capitalista para um outro, que respeite as pessoas e o planeta.

A marcha de abertura do evento, que percorreu as principais ruas do centro de Porto Alegre até a Largo Zumbi do Palmares, foi marcada por um comovente ato indígena em protesto pela morte do menino Vitor,  do povo Kaingang, assassinado no último dia 30 de dezembro, na cidade de Imbituba. Outro caso de assassinato indígena motivada por ódio, acontecido em Belo Horizonte, também foi lembrado.

 

Otávio Augusto Antunes: Um outro mundo é possível e urgente

Durante a colorida marcha, várias palavras de ordem contra o capitalismo, o machismo, o uso de agrotóxicos, em defesa da reforma agrária, contra o aumento da taxa de juros no Brasil, eram ouvidas, sempre de forma desencontrada, como uma grande colcha de retalhos que molda focos diferentes na luta, mas que se encontram na certeza de que um outro mundo é possível.

Uma das poucas palavras de ordem que unificava os manifestantes era o “Fora Cunha”. Cantado a plenos pulmões sempre que aparecia aqui ou acolá. A luta pelo passe livre e contra o reajuste da tarifa do transporte coletivo também estiveram presentes no ato. Manifestantes lembravam a repressão e criminalização dos movimentos sociais.

Chegando ao Largo Zumbi dos Palmares,  o ministro  do Trabalho e da previdência Social, Miguel Rosseto, recepcionou a colorida marcha. Relembrando os sentimentos que movem milhares de pessoas em direção a um outro mundo, onde a fraternidade e solidariedade sejam mais do que ideias, e sim uma prática cotidiana das pessoas e das instituições.

Otávio Augusto Antunes: Um outro mundo é possível e urgente

A resistência de quem não aceita as desigualdades

Verão de 2001. Milhares de pessoas de todo mundo caminham em direção a Porto Alegre, movidas pela ideia de que nada deve parecer impossível de ser mudado.  Nascia assim o Fórum Social Mundial, evento altermundialista que questionava o paradigma da globalização capitalista. O evento, organizado por movimentos sociais de todos os continentes, era um contraponto ao  Fórum Econômico Mundial de Davos. Se na Suíça a elite econômica global discutiria os rumos do capitalismo global, em Porto Alegre, no verão brasileiro,  os povos discutiriam a construção de sua própria primavera.

Atualidades do Fórum e os dias de luta global

As marchas “contra a globalização capitalista”, que surgiram durantes as reuniões DO FMI e da OMC, a primeira em Colônia, na Alemanha, em 1999, e a segunda em Seattle, em 2000, acrescentaram novos elementos à luta anticapitalista pelo mundo. Novos movimentos construíram seu protagonismo,  ao lado de organizações tradicionais da esquerda mundial, em sua maioria partidos e sindicatos.

Os movimentos ambientalistas e feministas, por exemplo,  ganharam nova visibilidade e impulso organizativo. Os movimentos adeptos da “ação direta”, ou tática “black block”, como ficaram conhecidos, também se encorparam pelo mundo e foram vistos pela primeira vez no Brasil ainda em 2000, na sede da Bovespa. Hoje são vistos nas mobilizações em defesa do passe livre em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

A realização do primeiro Fórum Social Mundial no Brasil trazia em si uma grande expectativa. O mundo olhava para América Latina com esperanças redobradas. A crise vivida em grande escala pela Argentina e em menor escala pelos outros países latino americanos, entre eles o Brasil, e a vitória de Chávez, na Venezuela, colocavam no horizonte próximo a possibilidade de vitórias populares, depois de três décadas divididas entre ditaduras civis/militares e governos neoliberais.

Combate à concentração de renda

Já em 2001, uma das pautas mais importantes do Fórum Social Mundial era a escalada da concentração de renda em todo mundo. Ignacio Ramonet recuperou a ideia de James Tobin, laureado com o  Prêmio Nobel de Economia em 1981, de taxar o capital especulativo que atacava economias por todo o mundo. Tal ação ajudaria a combater as desigualdades e protegeria, em parte, economias mais vulneráveis a esses ataques.

O cenário de hoje mostra o quão certa era a previsão de que a concentração de renda aumentaria com o atual estágio do capitalismo global. A recente divulgação de que 1% da população do planeta detém 99% da riqueza global dá  a dimensão exata do acerto da pauta defendida por Ramonet e que movimentou o Fórum em 2001.

Avanço conservador

Mesmo os governos populares da América Latina do período pós FSM de 2001, que ampliaram substancialmente os direitos das populações mais pobres, garantindo mais acesso a educação, saúde e bens de consumo, mostraram limitações óbvias impostas pelo poder do grande capital e da imprensa conservadora.

Os direitos trabalhistas, conquistados a duras penas, e as mais recentes vitórias da comunidade LGBTT, da infância e juventude, das mulheres e dos trabalhadores  domésticos estão em constante ataque. Além de leis que regulam os meios de comunicação e punem os criminosos do período das ditaduras sul-americanas, como no caso específico da Argentina.

Os governos populares enfrentam dificuldades em todo continente, e buscam, entre erros e acertos, reconstruir a aliança popular que os levou às vitórias do início do Século XXI.

Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português que recebeu o título de cidadão portalegrense depois de um dos primeiros debates do Fórum, sobre A Crise de Representatividade e as Novas Formas de Participação”, lembrou, durante seu discurso,  que “ hoje há muito frieza no debate político, é preciso que tenhamos afeto e sentimentos, é preciso que lembremos sempre do espírito de Porto Alegre, e disputemos  simbolicamente o futuro”.

É marcada pela ideia de disputa e resistência que Porto Alegre celebra a chegada de mais um Fórum Social.

A Programação completa do Fórum Social Temático está no site http://forumsocialportoalegre.org.br/.