As tarifas de ônibus variam de uma cidade para outra. O poder público deve ter uma base de cálculo do custo do serviço para negociar melhor com empresários e trabalhadores do setor de transporte.Autor: Carlos A. Morales

As tarifas de ônibus variam de uma cidade para outra. O poder público deve ter uma base de cálculo do custo do serviço para negociar melhor com empresários e trabalhadores do setor de transporte.Autor: Carlos A. Morales

Duas expressões muito conhecidas servem para descrever, sem muito exagero, a situação dos prefeitos quando têm que aumentar as tarifas de ônibus. Usar um remédio que é, na verdade, uma "pílula amarga" e "estar entre a cruz e a caldeirinha".

A maioria dos municípios não tem estrutura técnica para calcular a tarifa de ônibus. Pedem ao proprietário da empresa uma "justificativa" e a prefeitura, em geral, faz um cálculo de custo a partir dos dados que o proprietário fornece, sem ter como verificar as informações. Complementando ou substituindo este "cálculo", o prefeito, ou seu assessor, liga para as cidades vizinhas para descobrir o preço por elas adotado. A conseqüência desses procedimentos pode ser uma tarifa maior do que os custos reais dos serviços, prejudicando os passageiros; ou menor, reduzindo a receita esperada pelos empresários.

Quando os custos dos serviços de transporte aumentam com muita freqüência e intensidade, colocam os prefeitos diante da desagradável obrigação de aumentar as tarifas num ritmo próximo ao da desvalorização da moeda. Se não fizerem isso, correm o risco de provocar uma crise no serviço.

Para evitar que os usuários paguem mais do que custa o serviço ou que os empresários, por exemplo, reduzam o número de ônibus em circulação para manter a margem de ganho, a prefeitura deve partir de dados concretos para estimar o custo da tarifa. Ainda que ao final não venha a adotá-lo, por motivos que transcendam o plano econômico da prestação do serviço (afinal, a tarifa é um preço público, determinado também por razões políticas sociais e culturais), esse custo básico é um parâmetro importante no processo de negociação do preço da tarifa:

"Quando o governo, ao pretender defender a população, define tarifas mais baixas do que as necessárias para cobrir os custos do transporte, está, simultaneamente, definindo um nível inferior de serviço porque os empresários reduzem a oferta de ônibus de modo a manter o lucro".(Rogério Belda in Crônicas Técnicas, S.Paulo, Editoras Unidas, 1994, p.87. )

PLANILHA TARIFÁRIA
Para estimar o custo por passageiro, faz-se uma seqüência de cálculos com os dados registrados na planilha tarifária. Esta planilha é uma tabela onde se registram os componentes do custo do transporte. Há os fixos, que não variam com a quantidade de quilômetros viajados: salários e seus impostos, depreciação do capital. E os custos variáveis, proporcionais à quilometragem rodada: combustível, desgaste de peças, pneus e lubrificantes.

A tarifa é calculada dividindo-se a soma dos custos pelo IPK (Índice de Passageiros por Quilômetro). Significa, em outras palavras a média de passageiros transportados pelos ônibus de uma cidade, a cada quilômetro rodado. Para sabermos o custo estimado do serviço, seja numa cidade, numa linha ou conjunto delas, basta dividir o custo do quilômetro rodado pelo número de passageiros por quilômetro (IPK).

O prefeito que queira melhorar o serviço exigirá que o empresário coloque mais ônibus nas linhas. Uma linha que percorre, por exemplo, 200 quilômetros para transportar 1.000 passageiros tem o IPK igual a 5. Supondo que o empresário dobre o número de ônibus, é lógico esperar que a quilometragem tenha dobrado, ou quase. Se o número de passageiros for aproximadamente o mesmo que antes, o IPK caiu para 2,5. O que acontece com o custo tarifário?

O preço por quilômetro continuará o mesmo, porque nem os salários nem os outros custos aumentaram em decorrência da maior oferta. Se antes era R$ 10,00, para se chegar ao cálculo tarifário dividia-se 10 por 5, resultando em 2. Agora é 10 dividido por 2,5, resultando em 4. Por que dobrou? Para pagar o aumento da oferta.

COMO VARIAM OS CUSTOS?

Cada cidade precisa ter o seu próprio cálculo de tarifa e não adotar simplesmente o valor da tarifa de outras cidades, pois os custos variam, de lugar para lugar, de acordo com uma série de fatores.

Nem mesmo o combustível, cujo preço é fixado nacionalmente pelo governo federal, é igual. Sobre ele incide o IVVC que é imposto municipal e muda segundo a determinação do poder local. Congestionamentos ocorrem com intensidades diversas, aumentando os custos operacionais pelo maior desgaste das peças e consumo de combustível. A mudança no ritmo inflacionário influi na receita financeira das empresas, e portanto, no cálculo da planilha tarifária. Também as gratuidades existentes em cada local e o efeito do aquecimento da economia sobre a procura por transporte coletivo influem na tarifa. A data-base das negociações salariais não são coincidentes, os aumentos devidos às negociações em determinada cidade não devem influir nas outras, sob pena de criar uma bola de neve.

Também as mudanças da população dos bairros alteram os fatores do cálculo tarifário, bem como o crescimento populacional e as variações na renda que mudam o hábito de viajar.

Outra razão para recalcular a tarifa é que os custos dependem também do nível de serviço que se pretende oferecer. Quanto melhor o nível, maior o custo unitário, porque é menor a quantidade de passageiros que rateia os custos. Salários, peças e combustível sofrem freqüentes aumentos devido à inflação. Mesmo agora, sob as regras do Plano Real, os custos sobem, especialmente os salários.

Quando aumentam os custos devido aos novos preços dos insumos, a tarifa deve ser recalculada para manter o equilíbrio econômico da atividade. Se isso não ocorrer, o balanço das empresas começa a acusar déficit. A reação usual é a de diminuir a oferta de ônibus, baixando o nível do serviço, piorando as condições de transporte dos passageiros, aumentando a lotação de veículos, atrasando as viagens, piorando as condições de segurança e irritando motoristas e cobradores.

Os "dissídios de maio" quase sempre provocam períodos de crise. As negociações na data-base dos trabalhadores do setor de transportes costumam se concentrar nos temas econômicos, sobretudo no índice de reajuste que expresse a recuperação das perdas salariais. A discussão sobre os aumentos dos custos da mão de obra acende automaticamente a mesma discussão sobre a tarifa, pela iniciativa dos empresários de forma aguda e rápida, tanto mais forte quanto maior for a dependência da receita tarifária.

O QUE FAZER?

A prefeitura só conseguirá negociar com os trabalhadores e os empresários de transporte do município se tiver uma boa base de informações. Em primeiro lugar, precisa de um sistema confiável de coleta de dados, contendo os preços dos insumos, salários, e demais fontes de custos, e os dados operacionais que serão utilizados no cálculo tarifário. Depois, precisa utilizar uma metodologia de apuração de índices e cálculo de planilha conceituada e reconhecida por todos os atores envolvidos. A melhor, sem dúvida, é a chamada "Cálculo de Tarifas de Ônibus Urbanos – instruções práticas atualizadas", desenvolvida, debatida, negociada e chancelada pelo Ministério dos Transportes, Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Associação Nacional dos Empresários de Transporte Urbano (NTU) e pelo Fórum Nacional de Secretários Municipais de Transporte. Em terceiro, deve acompanhar as recomendações e deliberações do Fórum de Secretários, por ser o órgão de articulação das idéias e de consulta pública sobre as principais tendências das políticas locais de transporte.

O Fórum Nacional de Secretários Municipais conseguiu do governo federal a criação do Conselho Nacional de Transportes Urbanos (CNTU) e a revisão da planilha tarifária, conquistando assim maior controle dos municípios sobre os custos tarifários. Isso, no entanto, não é tudo. Há muito mais por fazer, e depende do apoio que os municípios derem ao Fórum, para que ele se sente na mesa de negociações, com governos, sindicatos e empresários, mais fortalecido e em melhores condições de defender o interesse público. Para os municípios, acompanhar os resultados das reuniões e, na medida do possível, participar das decisões, é a forma mais efetiva de se beneficiar dos avanços obtidos pelo Fórum e de, ao mesmo tempo, fortalecê-lo.

COMO FAZER?

Dependendo do porte da cidade e da velocidade com que mudam os fatores de custo, pode ser mais interessante terceirizar, ou fazer diretamente com recursos da própria administração municipal o acompanhamento e cálculo da planilha tarifária. A prefeitura deve optar pelo que custar menos e for mais transparente. É importante que a forma de acompanhamento permita que os dirigentes municipais e a sociedade se apropriem das informações, o que alimenta um debate público da tarifa baseado em informações precisas, e não só em opiniões sem suficiente fundamento.

Numa cidade de pequeno porte, contratar funcionários para esse serviço pode sair mais caro do que contratar quem preste o serviço. Por outro lado, este segundo caminho pode se configurar num "pacote", uma "caixa preta" indecifrável aos olhos dos cidadãos, e mesmo aos dos dirigentes e empresários. Nas cidades maiores, que precisam contar com órgãos gestores relativamente complexos, o pessoal técnico pode dominar o cálculo tarifário com algum treinamento simples, sem acréscimo de pessoal e com custos reduzidos de equipamento e outros insumos.

A nova e atualizada metodologia de cálculo tarifário está acessível a qualquer interessado no GEIPOT – Ministério dos Transportes, telefone (061)226-7335 r.2112.

De posse da metodologia de cálculo, é necessário montar um sistema de coleta de informações para alimentar os cálculos. A principal preocupação deve ser a confiabilidade.

Após iniciar o acompanhamento, com o acúmulo de informações recolhidas por vários meses, é possível estudar a variação dos insumos e das tarifas ao longo do tempo, através de procedimentos estatísticos relativamente simples.
 


* Publicado originalmente como DICAS nº 34 em 1995