A gestão sustentável dos resíduos sólidos pressupõe reduzir o uso de matérias-primas e energia, reutilizar produtos e reciclar materiais. A coleta seletiva é uma alternativa concreta.Autoras: Ana Paula Macedo Soares e Elisabeth Grimberg.

A geração de resíduos sólidos no Brasil é um dos grandes problemas enfrentados pelo poder público, principalmente no nível municipal. Mais de 241 mil toneladas de resíduos são produzidos diariamente no país. Apenas 63% dos domicílios contam com coleta regular de lixo. A população não atendida algumas vezes queima seu lixo ou dispõe-no junto a habitações, logradouros públicos, terrenos baldios, encostas e cursos de água, contaminando o ambiente e comprometendo a saúde humana.

Do total de resíduos coletados, 76% são dispostos a céu aberto, o restante é destinado a aterros (controlados, 13%; ou sanitários, 10%), usinas de compostagem (0,9%), incineradores (0,1%) e uma parcela ínfima é recuperada em centrais de triagem/beneficiamento para reciclagem, segundo Manual de Gerenciamento Integrado pelo IPT/CEMPRE.

O lixo depositado a céu aberto, nos chamados lixões, provoca a proliferação de vetores de doenças (moscas, mosquitos, baratas, ratos, etc.), gera maus odores e, principalmente, contamina o solo e as águas superficiais e subterrâneas. Mesmo os aterros sanitários, por mais bem construídos que sejam, também causam impactos ambientais e à saúde, já que a penetração das águas das chuvas contamina os lençóis freáticos. Os aterros, por ocuparem terrenos extensos, são uma alternativa problemática de destinação de resíduos em áreas de alta urbanização. Tampouco as usinas de compostagem são uma solução adequada pois os materiais coletados sem prévia separação resultam em um composto orgânico de baixa qualidade. Por fim, a incineração de resíduos não deve ser considerada como solução pelo impacto no ambiente e na saúde humana.

A gestão sustentável dos resíduos sólidos pressupõe uma abordagem que tenha como referência o princípio dos 3 Rs, apresentado na Agenda 21: redução (do uso de matérias-primas e energia e do desperdício nas fontes geradoras), reutilização direta dos produtos, e reciclagem de materiais. A hierarquia dos Rs segue o princípio de que causa menor impacto evitar a geração do lixo do que reciclar os materiais após seu descarte. A reciclagem de materiais polui menos o ambiente e envolve menor uso de recursos naturais, mas raramente questiona o atual padrão de produção, não levando à diminuição do desperdício nem da produção desenfreada de lixo.

O Brasil ainda está muito distante de mudanças mais estruturais, que reduzam o volume de resíduos gerados, o que aumenta a importância dos programas de coleta seletiva de lixo. Só ela, no entanto, não soluciona todos os problemas relativos à destinação de resíduos sólidos e deve ser considerada dentro de um plano mais amplo, de gerenciamento integrado do lixo.

Diversas preocupações motivam um programa de coleta seletiva de lixo:

a) ambiental/geográfico, onde estão em questão a falta de espaço para disposição do lixo, a preservação da paisagem, a economia de recursos naturais e a diminuição do impacto ambiental de lixões e aterros;

b) sanitário, onde a disposição inadequada do lixo, às vezes aliada à falta de qualquer sistema de coleta municipal, traz inconvenientes estéticos e de saúde pública;

c) social, quando o trabalho enfoca a geração de empregos e o resgate da dignidade, estimulando a participação de catadores de rua e de lixões;

d) econômico, com o intuito de reduzir os gastos com a limpeza urbana e investimentos em novos aterros;

e) educativo, que vê um programa de coleta seletiva como forma de contribuir para mudar valores e atitudes individuais para com o ambiente, incluindo a revisão de hábitos de consumo, ou para mobilizar a comunidade e fortalecer o espírito de cidadania.

REQUISITOS

A maioria dos programas de coleta seletiva atribuem bastante importância à educação da população relativa à questão do lixo. A educação não se restringe à divulgação de informações: é preciso que se estabeleça um vínculo entre as pessoas e seu meio ambiente, de forma a criar novos valores e sentimentos que mudem as atitudes. Deve-se dedicar, portanto, especial atenção tanto à seleção quanto à capacitação dos profissionais que ficarão responsáveis pela implementação de programas educativos voltados para compreensão dos 3 Rs.

É interessante que o planejamento do programa de coleta seletiva seja iniciado pelo “fim”, pesquisando-se as alternativas de destinação para os materiais recuperados, pois as interrupções do programa fazem com que ele perca a credibilidade junto à população.

PARCERIAS

As experiências brasileiras de coleta seletiva são ricas em parcerias entre os promotores dos programa e demais entidades da sociedade, permitindo efetiva participação dos vários setores, e contribuindo para reduzir os custos dos programas. Para atividades educativas, as prefeituras estabelecem parcerias com grupos de Terceira Idade, escoteiros, sociedades de bairro, etc. Para a coleta e triagem de materiais, aliam-se a catadores, presidiários e internos de programas de reabilitação psicossocial. Para a comercialização dos materiais e destinação dos fundos, as parcerias costumam ser com entidades da sociedade civil, o Fundo Social de Solidariedade, escolas, etc. As prefeituras também buscam apoio em órgãos estaduais, como a Delegacia de Ensino (Diadema-SP), e federais, como o Ministério do Meio Ambiente e Amazônia Legal. Alguns projetos têm ou tiveram o auxílio da ONU (Belo Horizonte-MG) ou de agências estrangeiras de cooperação técnica, como a GTZ, do governo alemão, e a Genève Tiers Monde-GTM, da Suíça (Niterói-RJ). No Embu-SP, o programa contou com o apoio do SEBRAE, cuja assessoria ajudou a concretizar a cooperativa dos catadores.EXPERIÊNCIA

A Prefeitura Municipal de Porto Alegre-RS (1.288 mil hab.), diante da degradação e poluição ambiental provocadas pelo depósito de lixo em locais inadequados e da presença de catadores trabalhando em condições insalubres, decidiu implantar o Programa de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos.

Para reverter o quadro de degradação ambiental causado pela disposição inadequada de resíduos, gerar emprego e renda, e fazer com que os próprios produtores de lixo, ou seja, a população, auxiliassem na construção de soluções para o problema, a prefeitura se empenhou no reaproveitamento dos resíduos, na diminuição de sua produção e na educação ambiental. O programa teve início em 1990, com a experiência-piloto do bairro Bom Fim, escolhido por ser pequeno e situado na zona central da cidade, concentrando várias entidades ambientalistas. Com base nessa experiência, o sistema foi sendo ampliado para outros bairros.

A educação ambiental é desenvolvida junto aos grupos organizados que elaboram, implementam e avaliam ações referentes à coleta seletiva na cidade. As escolas também são motivadas a debater o assunto, dispondo de recipientes diferenciados para a coleta seletiva. O trabalho educativo inclui ainda oficinas de expressão, de artesanato, de reciclagem de papel, de criatividade infantil, projeção de audiovisuais, apresentações teatrais, eventos esportivos, e visitas ao aterro sanitário e às unidades de triagem de recicláveis e pré-beneficiamento de materiais. O Departamento Municipal de Limpeza Urbana oferece cursos para síndicos e zeladores.

Os recicláveis são coletados uma vez por semana em todos os bairros, por uma frota de 20 veículos e 99 funcionários, em dia e turno determinados. A população dispõe também de 28 PEVs (Posto de Entrega Voluntário) para o acondicionamento de recicláveis, instalados em parques e locais de movimento comercial. Todo o lixo seco é encaminhado a uma das oito unidades de reciclagem. Estas unidades são associações autônomas, formalmente instituídas, onde trabalham cerca de 300 recicladores, muitos deles ex-catadores.

Os recicláveis são comercializados em cargas mínimas, de duas a três toneladas, e seu mercado tem sido relativamente estável, considerando que há 70 indústrias recicladoras na região metropolitana de Porto Alegre.

O Programa de Gerenciamento Integrado ainda processa parte dos resíduos orgânicos, via suinocultura e compostagem, e dos resíduos inertes, nas centrais de entulhos. A Central de Suinocultura orienta os criadores de suínos da zona rural no aproveitamento dos resíduos orgânicos coletados seletivamente em restaurantes para a produção de ração animal tratada. As centrais de entulhos e podas aproveitam seus resíduos na regularização topográfica de terrenos e como material de cobertura para o aterro de inertes. Galhos maiores são usados como combustível no cozimento do alimento para suínos e folhas são enviadas à unidade de compostagem, que tem capacidade para processar 200 toneladas/dia. Nessa unidade, a separação dos resíduos também é feita por catadores organizados em associações. A distribuição da receita é definida e administrada pelas próprias associações. A prefeitura cede áreas, galpões e maquinário, além de fornecer assessoria constante para os associados.

O Programa de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos é articulado pela parceria entre os centros administrativos regionais, as secretarias municipais de Meio Ambiente, de Educação, de Cultura e da Indústria e Comércio, os departamentos municipais de Águas e Esgotos e de Habitação (responsáveis pela construção de unidades de reciclagem e pelos estudos de viabilidade para o beneficiamento do lixo), e o projeto Guaíba-Vive, vinculado ao Gabinete do Prefeito e responsável pela limpeza do Rio Guaíba em Porto Alegre, com verba do Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID.

Porto Alegre gasta 10% do orçamento municipal com limpeza pública. O custo do programa de coleta seletiva é de R$ 65,52 por tonelada, significando 0,18% do orçamento municipal. O programa foi basicamente desenvolvido com verbas da própria prefeitura, e o Orçamento Participativo foi de grande importância para seu financiamento. As unidades de reciclagem contaram, ainda, com investimentos indiretos de ONGs.

RESULTADOS

Em Porto Alegre, o Programa de Gerenciamento de Resíduos Sólidos foi concebido a partir da integração entre diversas secretarias municipais. Esta articulação intersetorial foi um dos fatores do sucesso do programa, que hoje abrange 97% da população e promove o reaproveitamento de 20% dos resíduos coletados separadamente. Cerca de 90% dos porcos criados na região são alimentados com ração proveniente dos resíduos orgânicos coletados seletivamente em restaurantes.

A estratégia adotada nesse programa resulta em diminuição dos resíduos enviados aos aterros, aumentando sua vida útil. Além disso, contribui para reduzir os índices de contaminação ambiental e para economizar recursos naturais.

O programa atingiu a área social, gerando emprego e renda para a população formada por ex-catadores de lixo, ex-desempregados de comunidades carentes, e moradores de loteamentos populares oriundos de reassentamentos de favelas e ocupações irregulares. Hoje, eles cuidam da triagem manual, enfardamento, armazenamento e comercialização dos recicláveis, atividades que ocorrem em galpões equipados com prensas, balanças e, em alguns casos, picotadores e lavadores de plásticos. Estes trabalhadores estão organizados em associações de recicladores (formalmente constituídas e autônomas), sendo que cada uma, para custear despesas, retém cerca de 12% do valor arrecadado, e a renda mensal média de cada trabalhador é de dois a três salários mínimos.

O trabalho educativo do Programa de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos de Porto Alegre favorece o questionamento dos padrões de produção e consumo, contribuindo para modificar os valores e as atitudes em relação ao ambiente. Além disso, ao chamar a comunidade para participar da solução dos problemas públicos, fortalece o exercício da cidadania.


* Publicado originalmente como DICAS nº 109 em 1998