Modelo de gestão de resíduos sólidos de Belo Horizonte
Esta é uma das cinco experiências premiadas como destaque no ciclo de 1996 do Programa de Gestão Pública e Cidadania (iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas – SP e da Fundação Ford).Autor: Marco Antonio de Almeida, a partir do relatório de Marco Antônio Carvalho Teixeira para o Programa Gestão Pública e Cidadania.
Esta é uma das cinco experiências premiadas como destaque no ciclo de 1996 do Programa de Gestão Pública e Cidadania (iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas – SP e da Fundação Ford).Autor: Marco Antonio de Almeida, a partir do relatório de Marco Antônio Carvalho Teixeira para o Programa Gestão Pública e Cidadania.
Belo Horizonte-MG (2.060 mil hab.) produz diariamente 4,25 mil toneladas de lixo. As principais fontes de resíduos são a construção civil (52,90% do lixo é composto por entulho), comércio e residências (25,86% do total). O Modelo de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos, iniciado em fevereiro de 1993, foi implantado buscando diminuir os impactos ambientais decorrentes da geração de lixo. Seus eixos principais são: a) aprimoramento e universalização dos serviços de limpeza urbana; b) reaproveitamento de materiais e tratamento de resíduos – reciclagem; e c) ações educativas para reduzir a produção de resíduos. As atividades desenvolvidas em cada um destes eixos visam melhorar as condições de trabalho, a valorização e qualificação dos trabalhadores da área de limpeza urbana – dos servidores da prefeitura aos catadores de papel – e viabilizar mecanismos de participação da sociedade.
IMPLANTAÇÃO
O modelo de gestão de resíduos sólidos foi implantado gradativamente, através de experiências-piloto, que contribuíram para consolidar o programa: antes da proposta ser adotada em larga escala, foram feitos testes em determinados locais, permitindo a correção das falhas.
O programa articulou-se através de diversos projetos:
Compostagem Simplificada: a coleta seletiva é realizada nas próprias fontes geradoras (restaurantes, mercados, podas de árvores e gramados realizadas pela prefeitura). A diferença em relação à coleta realizada em lixões é a não-contaminação com produtos tóxicos. Isso permite a produção de um "composto limpo" de alta qualidade, usado nas hortas comunitárias das escolas públicas e por agricultores de outros municípios.
Projeto Ponto Verde: eliminação de lixões e recuperação de áreas degradadas pelo despejo irregular de resíduos sólidos. Com o fim dos vetores de poluição e da queima de lixo, os espaços estão sendo reapropriados pela população local. Os caminhões comuns que antes faziam a coleta foram substituídos por caminhões compactadores – o que só foi possível com a colaboração da população, que passou a dispor o lixo de forma adequada.
Reciclagem do Entulho: este projeto proporciona uma fonte de economia para a prefeitura, que utiliza o entulho reciclado em obras de pavimentação e manutenção das vias públicas. Os danos ambientais são minimizados na medida em que se evita o despejo de entulhos em terrenos vazios.
Projeto Vilas e Favelas: são utilizados mini-caminhões de coleta adaptados para a topografia destes locais – vias estreitas, pavimentação irregular, declives e aclives de difícil acesso -, possibilitando a ampliação dos serviços de coleta de resíduos sólidos. Caçambas estacionárias são utilizadas somente aos fins-de-semana, para recolhimento de entulho. Assim, a população não deposita resíduos indisciplinadamente e diminui a proliferação de insetos e roedores.
Coleta Seletiva: foi organizada a partir de locais de Entrega Voluntária (LEV’s) situados em igrejas, empresas, hospitais públicos e núcleos comunitários. O público é envolvido no projeto e incentivado a participar através de atividades culturais, que demonstram a necessidade da reciclagem, mostrando-a como um fator benéfico para a natureza, a população e o governo.
Biorremediação no Aterro Sanitário: trata-se de um sistema, inédito no Brasil, que utiliza bactérias para acelerar o processo de decomposição do lixo. Além de ampliar a vida útil do aterro, este sistema gera um composto que pode ser utilizado na recuperação de solos degradados pela ação de mineradoras. O local, situado a 15 quilômetros da região central, com um lago e uma grande área verde arborizada, não possui o mau-cheiro tão comum aos aterros sanitários, não afetando a população do entorno. Nele, os servidores de limpeza pública promovem pescarias, jogos e encontros de confraternização.
GERAÇÃO DE RENDA
A prefeitura estabeleceu uma parceria com a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis (ASMARE), cedendo-lhe dois galpões na região central, que são utilizados como depósito dos materiais recolhidos. Esse trabalho obtém, por dia, cerca de 5 toneladas de papel e papelão e a prefeitura economiza com serviços de coleta e aterramento, em média, R$ 9.000,00 por mês.
A partir da organização dos catadores em cooperativas, eles passaram a ter um rendimento mensal que varia de 1,5 a 3 salários mínimos. Outro fator importante na melhoria de seu padrão de vida é a complementação de um salário mínimo por mês para as famílias que mantêm seus filhos na escola.
A iniciativa, além de incentivar o cooperativismo e proporcionar a elevação da qualidade de vida dos catadores, foi importante para o reconhecimento e a legitimação de suas atividades por parte da população, que até então encarava-as como práticas marginais e não como trabalho efetivo.
Os projetos Vilas e Favelas e Ponto Verde têm gerado empregos para os moradores carentes que são contratados para frentes de trabalho por períodos determinados. Os vidros provenientes da coleta seletiva geram recursos que são destinados integralmente para a Santa Casa de Misericórdia. Não há dados sobre o retorno financeiro da comercialização do composto orgânico com o setor agrícola.
FUNCIONALISMO MUNICIPAL
A valorização da atividade do trabalhador da limpeza urbana tem sido um dos pontos altos do programa. O funcionalismo, além da melhora nas condições de trabalho, obteve ganhos salariais diretos e indiretos na atual gestão.
Foram instalados 100 micropontos de apoio para os garis, com espaço para as refeições, troca de roupa, banho e sanitários. Contam com plano de saúde extensivo ao cônjuge e aos dependentes legais, com um custo limitado a 3% de seu salário mensal; o restante é subsidiado pela SLU (Superintendência de Limpeza Urbana).
Há eventos e atividades culturais, como grupos de teatro e coral dos garis, atividades de alfabetização de adultos, programas de recuperação de alcoólatras e acompanhamento psicológico.
GERENCIAMENTO E PARCERIAS
O estabelecimento de diversas parcerias – com outros órgãos públicos e com a sociedade civil, através de setores empresariais, igrejas e organizações comunitárias – tem sido a tônica de gerenciamento das diversas atividades do programa.
No setor público, as principais parcerias são realizadas no interior da própria administração municipal, através do trabalho articulado com outras secretarias: Educação e Meio-Ambiente na mobilização das escolas e em atividades de educação e conscientização ambiental; Saúde e Cultura, através do Projeto Ponto Verde; Abastecimento, no que se refere ao manuseio e destinação do composto orgânico, etc. No convênio com a ASMARE, a Secretaria de Desenvolvimento Social participa no programa de auxílio financeiro às famílias de catadores de papel que mantêm seus filhos na escola.
Vale destacar também a parceria entra a SUDECAP (Superintendência de Desenvolvimento da Capital) e o SINDUSCON (Sindicato da Construção Civil), que organiza o entulho das obras para que ele seja recolhido e reciclado pela SLU.
No caso de coleta seletiva, igrejas, associações empresariais, categorias profissionais, hospitais e farmácias estão envolvidos na manutenção dos LEVs. Estas parcerias procuram também mercado para os materiais reciclados, através de contatos com associações empresariais como a Latasa, Abividro e Grupo Gerdau.
DIFICULDADES
O programa enfrenta dificuldades que, em alguns casos, levam muito tempo para serem superadas. Um exemplo é o da Usina de Reciclagem de Entulho, que teve adiada a sua entrada em operação devido à resistência da população local. Embora a usina possua capacidade operacional para reciclar 120 toneladas por dia, está reciclando apenas 80 toneladas – ociosidade decorrente da limitação do horário de funcionamento negociado entre os moradores e a SLU.
No caso do composto orgânico, o problema é atender a demanda. As 8 toneladas produzidas por dia são utilizadas prioritariamente nas hortas comunitárias das escolas públicas. O restante é insuficiente para atender os agricultores de várias regiões de Minas Gerais que têm procurado pelo produto.
Outra dificuldade relaciona-se ao objetivo de redução do volume de lixo gerado na própria fonte de produção, pois essa redução depende de uma série de variáveis que fogem ao raio de ação de uma política pública municipal. Como atestam pesquisas, fatores sócio-econômicos influem diretamente no padrão de consumo (e, portanto, de produção de lixo) da população.
RESULTADOS
Para além da economia diária de 2,4% no volume de lixo destinado ao aterro sanitário, da reutilização de resíduos na agricultura, comércio, obras públicas, da melhoria da qualidade de vida dos catadores de papel e funcionários da limpeza pública, o que tem sido apontado como principal resultado do programa é o ganho ambiental em termos de consciência pública. A mudança de comportamento da população em relação ao problema dos resíduos sólidos urbanos pode contribuir decisivamente para a redução de lixo na própria fonte de produção.
O programa propiciou novas formas de diálogo entre o Poder Público e a sociedade civil, dos movimentos organizados às empresas, passando pelas associações de bairro, igrejas e o cidadão comum. A estratégia de comunicação e a valorização da discussão sobre alternativas para a limpeza urbana foram determinantes.
Um levantamento feito pela SLU sobre a cobertura que a mídia tem dado a suas atividades pode ser um indicador da repercussão do programa e da forma com que tem dialogado com a sociedade. Em 1993, foram veiculadas 143 matérias pelos jornais, sendo 34 negativas e 109 positivas. Em 1994, o número subiu para 404 matérias, sendo 121 negativas e 283 positivas. Em 1995, o total foi de 373, sendo 52 negativas e 321 positivas. Com relação à cobertura televisiva, que era de 47 matérias em 1993, passou a 217 em 1995.
Outro indicador do reconhecimento do trabalho são os prêmios atribuídos ao programa por organismos nacionais e internacionais.
Em relação às parcerias, um fator positivo é a maneira como os programas de geração de renda vem sendo implantados, através da incorporação ativa dos envolvidos a um modelo de trabalho regular e ambientalmente importante. Ao contrário de experiências implantadas em outros municípios, não se trata de simples troca de material reciclável por tickets-refeição ou de leite. A SLU tem procurado divulgar e demonstrar a relevância social deste trabalho, contribuindo para aumentar a auto-estima dos trabalhadores envolvidos.
COMPOSIÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS DE BELO HORIZONTE |
|
TIPO DE RESÍDUO |
PARTICIPAÇÃO |
Domiciliar e Comercial |
25,86% |
Feiras e Mercados |
0,23% |
Podas |
0,55% |
Capina |
8,94% |
Raspagem mecânica |
4,58% |
Varrição |
6,35% |
Hospitalar |
0,59% |
Entulho |
52,90% |
TOTAL |
100,00% |
* Publicado originalmente como DICAS nº 66 em 1996