Fundação Cultural do Município
A criação de uma fundação municipal de cultura pode ser uma alternativa eficaz para a implantação de políticas culturais que correspondam às aspirações da sociedade.Autor: José Carlos Vaz
Consultores: Altair José Moreira e Celso Frateschi
A criação de uma fundação municipal de cultura pode ser uma alternativa eficaz para a implantação de políticas culturais que correspondam às aspirações da sociedade.Autor: José Carlos Vaz
Consultores: Altair José Moreira e Celso Frateschi
As ações no campo da cultura empreendidas pelas prefeituras muitas vezes esbarram na "burocracia". Como a cultura em geral exige ações rápidas, os procedimentos da prefeitura tornam-se empecilhos para o desempenho da área. Além disso, as ações realizadas por órgãos da administração direta (secretarias ou departamentos de cultura), padecem de grande fragilidade em sua continuidade, a cada mudança nos principais escalões de governo.
Concentrar as atividades de cultura do governo municipal em uma fundação permite vencer estas dificuldades. Trata-se de criar uma estrutura sólida, que, ao mesmo tempo, seja ágil e permita a consistência e a continuidade das ações.
O QUE FAZER?
A criação de uma fundação cultural do município deve ter como objetivo central ampliar e aprofundar a atuação da prefeitura no campo da cultura. Este objetivo depende da constituição de um órgão com um corpo de funcionários motivados, adequados e capacitados para suas funções. A fundação deve basear suas atividades em uma política cultural elaborada em parceria com a sociedade, de forma democrática. É recomendável, juntamente com a fundação, instituir um Conselho Municipal de Cultura que seja uma instância permanente de intervenção da sociedade civil na política cultural.
A fundação criada deve ser uma entidade de direito público, ou seja, uma fundação pública, com sua direção nomeada pelo prefeito ou pelo Conselho Municipal de Cultura. A prefeitura pode efetuar convênios com uma fundação autônoma, de direito privado, mas isto retira da prefeitura a capacidade de intervenção e iniciativa na área cultural.
A fundação, como entidade de direito público, enquadra-se em um regime semelhante ao que rege as autarquias. Tem orçamento próprio, corpo funcional concursado, autonomia financeira dentro do seu orçamento, procedimentos próprios de licitação e está submetida a controle pelo tribunal de contas.
A fundação, além dos repasses do orçamento do município, pode gerar receitas próprias, revertidas para a implantação dos projetos de políticas culturais sob sua responsabilidade.
É importante avaliar que, em comparação com municípios médios ou grandes, os municípios menores normalmente apresentam condições melhores para que as ações no campo da cultura sejam realizadas com agilidade. Assim, criar uma fundação é alternativa recomendada principalmente para municípios médios ou grandes. Para municípios com população até 30 mil habitantes é recomendável que se estruture um Departamento de Cultura.
IMPLANTANDO
Para implantar a fundação cultural, deve-se iniciar com o diagnóstico cultural da cidade e sua região, para que seja possível definir o perfil da fundação.
Antes de criar a fundação, é preciso definir claramente suas atribuições, dentro de um processo de organização das atividades de política cultural do município.
A instituição da fundação deve ser precedida de um processo de discussão com a sociedade, dando atenção especial às entidades e indivíduos que realizem atividades de produção e divulgação cultural.
E, juntamente com a fundação, é importante implantar um sistema de acompanhamento e co-gestão da formulação e execução dos projetos pela sociedade. Esse papel pode ser desempenhado pelo Conselho Municipal de Cultura ou por um Fórum de Cultura que se reúna anualmente para planejar e avaliar a gestão da cultura. Esse mesmo órgão pode acompanhar a administração da fundação, ou pode-se atribuir esta incumbência a um Conselho de Administração, voltado à gestão interna da fundação, garantindo uma administração sob princípios de democracia e transparência.
O envolvimento da sociedade local em torno da fundação pode ser ampliado através de comissões temáticas (patrimônio histórico, formação artística, demandas específicas de regiões, etc.) reunindo envolvidos com os temas em questão e assumindo um caráter dinamizador das atividades da fundação. Logicamente, para assumir este papel é necessário que a entidade lhes ofereça a infra-estrutura necessária.
A articulação da sociedade local para a implantação da fundação (e de uma prática democrática de gestão da cultura) torna-se possível na medida em que a prefeitura demonstra claramente o seu interesse em dividir com a população e as entidades organizadas o controle sobre as ações culturais. A prefeitura deve estimular a participação, apresentando as possibilidades de benefício trazidas pela fundação para os atores envolvidos e para a toda a sociedade.
A criação da fundação exige aprovação da Câmara Municipal. Os vereadores devem ser convidados a participar da discussão de sua criação desde o primeiro momento.
O número de cargos de confiança deve ser o mais reduzido possível, assim como o número de níveis hierárquicos e posições de chefia. É possível, em grande parte dos casos, implantar uma estrutura organizacional com apenas o presidente e os responsáveis por cada uma das áreas (e, opcionalmente, uma assessoria do presidente composta por poucos profissionais) ocupando cargos de livre provimento. Subordinados diretamente aos responsáveis pelas áreas ficariam os agentes culturais, funcionários concursados especializados em política cultural. A organização de um quadro de agentes culturais composto por diversos níveis de evolução profissional permite maior agilidade na realização dos projetos porque é possível montar equipes flexíveis coordenadas pelos próprios agentes culturais.
É possível passar funcionários e bens da prefeitura para a fundação, quando de sua criação, prevendo estas medidas na própria lei que a estabelecer. É importante evitar transferir para a fundação funcionários desinteressados do trabalho cultural, realizando concursos específicos para admitir os trabalhadores. Estes concursos devem ser extremamente dirigidos para o perfil necessário, incluindo pontos como redação, análise de currículo e entrevistas, além de privilegiar as questões dissertativas. Entre os temas abordados devem estar o conhecimento da cidade, de sua história e cultura, e também questões de conhecimento geral. É importante que se exija um equilíbrio entre o domínio de questões universais e regionais.
CUIDADOS
A morosidade e burocracia podem estar presentes também em uma fundação, principalmente de natureza pública. A administração municipal deve estar sempre atenta para que a fundação não se torne mais um cabide de emprego ou um elefante branco.
A fundação não fica isenta das exigências da legislação. Muitos profissionais da área da cultura querem fazer tudo sem "burocracia", mas isso é inviável. Dentro dos limites legais, no entanto, é possível realizar uma administração voltada para o uso racional dos recursos públicos.
Ainda que a fundação possa obter recursos de suas próprias atividades, é muito difícil conseguir sua auto-suficiência econômica. Entretanto, os esforços para reduzir a dependência das atividades da fundação dos cofres municipais devem sempre ser priorizados.
EXPERIÊNCIAS
O exemplo mais conhecido de fundação cultural de municípios brasileiros é o de Salvador-BA (2.072 mil hab.), onde a Fundação Gregório de Matos, com status de secretaria municipal, tem forte presença na vida cultural da cidade.
S. José dos Campos-SP (442 mil hab.) tem uma fundação pioneira, operando desde a década de 60. Além de administrar dois teatros municipais, a Fundação Cassiano Ricardo possui atividades importantes de formação artística e de produção e divulgação cultural na periferia da cidade.
Curitiba-PR (1.313 mil hab.) possui uma fundação cultural que realiza desde atividades com artistas internacionais até oficinas de formação artística nos bairros. Opera diversos equipamentos culturais como cinemas, bibliotecas e pinacoteca. Participa, também de programas de outras áreas da prefeitura, como o de coleta seletiva do lixo.
Juiz de Fora-MG (386 mil hab.) possui a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage, que atua na promoção e divulgação de eventos culturais locais, nacionais e internacionais, operando equipamentos como bibliotecas, videoteca e teatros.
Em 1993, iniciou-se uma das mais recentes experiências. Jacareí-SP (164 mil hab.) implantou sua fundação cultural, constituindo uma entidade bastante "enxuta", que opera nas áreas de patrimônio histórico, formação e promoção de eventos.
RESULTADOS
A principal vantagem da implantação de uma fundação cultural é a possibilidade de executar a política cultural com mais agilidade do que utilizando a infra-estrutura administrativa da prefeitura. Este benefício, entretanto, só se mantém se a autonomia administrativa da fundação não gerar uma superestrutura tão pesada quanto a prefeitura.
Nenhuma fundação trará resultados positivos se for transformada em um organismo de grande porte. O segredo de seu sucesso irá residir, exatamente, na capacidade da administração municipal em mantê-la funcionando com número pequeno de funcionários. A fundação cultural tende a se apresentar com maior visibilidade junto à população. É mais fácil conseguir apoio da sociedade para os projetos culturais do governo municipal, pois a fundação fica diferenciada da prefeitura e assume uma identidade própria, mais próxima à sociedade. Se existirem mecanismos democráticos de gestão da política cultural e da fundação, esse benefício se vê multiplicado e pode, inclusive, contribuir para que projetos de grande impacto na sociedade não sejam interrompidos nas mudanças de governo.
Na fundação, os funcionários administrativos podem se especializar nas necessidades e especificidades da área de cultura. Esta vantagem é mais expressiva na compra de bens e serviços e organização de eventos, onde normalmente as áreas de cultura localizadas na administração direta encontram mais dificuldades.
A fundação pode obter outras rendas, além dos recursos do orçamento municipal, através da cobrança de ingressos, concessão de exploração comercial de espaços de suas instalações, doações, parcerias com a iniciativa privada e venda de publicações, cartões ou outros produtos. Essas receitas adicionais podem ser integralmente aplicadas nas atividades da entidade.
* Publicado originalmente como DICAS nº 18 em 1994
Dicas, é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Os textos buscam oferecer informações sobre técnicas e práticas de gestão que contribuam para o avanço da democracia, otimização da aplicação e uso dos recursos públicos, promoção da cidadania e melhoria da qualidade de vida.