Crédito Popular
Do que trata o texto: O texto trata do crédito popular (democratização do crédito) como alternativa para o acesso ao emprego e a distribuição de renda, como forma de melhorar a qualidade de vida dos mais pobres da população. Para isso, conta duas experiências de políticas públicas nesse sentido: da PORTOSOL em POrto Alegre e do programa de crédito em Brasília.
Do que trata o texto: O texto trata do crédito popular (democratização do crédito) como alternativa para o acesso ao emprego e a distribuição de renda, como forma de melhorar a qualidade de vida dos mais pobres da população. Para isso, conta duas experiências de políticas públicas nesse sentido: da PORTOSOL em POrto Alegre e do programa de crédito em Brasília.
Disponível em: Publicado originalmente como DICAS nº 57
Fonte: Instituto Pólis
Autor: Marco Antonio de Almeida/ Auxiliar de Pesquisa: Fábio Maleronka Ferron
Data de publicação: 1996
As camadas mais pobres da população somente terão melhor qualidade de vida se tiverem acesso a emprego e se houver distribuição de renda.
Dentre as medidas que começam a ser testadas e mostram resultados diretos e imediatos, a democratização do crédito ganha cada vez mais destaque.
A combinação de políticas que incentivem o desenvolvimento da micro e pequena empresa, bem como de cooperativas de produção e de serviços, é um caminho importante a ser seguido. Esta política, por si só, não resolve os problemas decorrentes do desemprego e da falta de um projeto global para a economia brasileira, mas é de grande relevância.
Até hoje os recursos do governo e do sistema financeiro, que são recursos provenientes da população, sempre financiaram os grandes empresários. Os pequenos e micro empresários encontram muitas dificuldades para obter linhas de crédito, e o trabalhador, informal ou que esteja iniciando alguma atividade autônoma, também fica à margem dessa possibilidade.
Por toda a cidade há milhares de pequenos empreendimentos econômicos formais ou informais, pessoais ou com poucos empregados. Estes empreendimentos representam o sustento de milhares de famílias e têm sido a alternativa encontrada por muitos trabalhadores desempregados. Ao mesmo tempo, servem para complementar a atividade econômica em diversas áreas da produção, comércio e prestação de serviços, formando, em seu conjunto, um setor significativo da economia.
Ainda assim, o micro e o pequeno empreendedor são vistos, por muitos, como um problema de natureza estritamente pessoal e particular.
ECONOMIA POPULAR
Todo negócio precisa de crédito para investimento e capital de giro. No caso do pequeno empreendedor, as condições do crédito oferecido pela rede bancária são proibitivas. Além das altas taxas de juros, há um conjunto de exigências – de garantias a documentos – impossíveis de serem satisfeitas por este segmento.
Em vários países há experiências bem-sucedidas de instituições especialmente voltadas para a oferta de crédito em níveis e condições adequados para pequenos negócios. Estas instituições trabalham comunitariamente, com fortes vínculos junto aos prováveis tomadores de crédito. Estabelecem mecanismos de concessão de crédito baseadas no "aval solidário", onde um conjunto de pessoas assume responsabilidade pelos créditos uns dos outros. Os níveis de inadimplência nestas instituições são muito mais baixos que os índices médios verificados na rede bancária normal.
Ao assegurar crédito para pequenos negócios, ajuda a viabilizar a sobrevivência de pessoas que não encontram trabalho no mercado formal e não poderiam concorrer sem algum tipo de apoio.
EXPERIÊNCIAS
Além de algumas experiências não-governamentais, existem hoje no Brasil dois exemplos de política pública de crédito popular, capazes de realmente atender às necessidades dos mais variados tipos de empreendimentos econômicos. Em função do volume de crédito disponível e do apoio institucional dos poderes executivos, são experiências pioneiras no País, que seguem o sucesso de experiências internacionais, como a do Grameen Bank, de Bangladesh (vide box). Em Porto Alegre-RS (1.280 mil hab.) existe a PORTOSOL – Instituição Comunitária de Créditos, uma associação civil, sem fins lucrativos, formada por iniciativa da Prefeitura, associada a outros parceiros. Esta instituição funciona desde janeiro de 96 e realizou mais de 500 operações de crédito com valor médio de R$ 1.300,00. Na capital gaúcha, a Prefeitura identificou 32.000 unidades econômicas de pequeno porte, dentre as quais de 10.000 a 17.000 seriam potencialmente tomadoras de crédito.
Em Brasília-DF (1.673 mil hab.) existe o programa de crédito vinculado à Secretaria do Trabalho e operacionalizado em conjunto com o BRB (Banco Regional de Brasília). Este programa foi lançado em dezembro de 95 e já teve 123 pedidos de crédito aprovados. Junto com o crédito, o programa orienta quanto à melhor maneira de desenvolver as atividades.
PROJETO DE LEI
Um projeto de lei apresentado à Câmara Municipal de São Paulo pelo vereador Sérgio Rosa viabiliza a concessão de crédito a pequenos e micro empreendedores, podendo servir de exemplo para outros municípios, respeitadas as particularidades de cada um. Projeto de Lei nº 1.161, de outubro de 1995:
Art. 1º – O Poder Executivo Municipal deverá criar ou vir a integrar instituição que tenha por finalidade precípua facilitar a concessão de crédito a pequenos e micro empreendimentos econômicos instalados no âmbito do Município de São Paulo.
Art. 2º – A instituição de que trata o Art.1º deverá necessariamente pautar-se pelos seguintes princípios:
1. ter a sua direção compartilhada com a sociedade civil;
2. desenvolver política de crédito voltada aos segmentos não atendidos pela rede bancária existente;
3. fundar sua política em uma ação comunitária, em contato direto com os empreendedores alvos da instituição;
4. desenvolver sistema da garantia solidária, com crédito e aval assumido por conjunto de tomadores;
5. facilitar concessão do crédito, diminuindo as exigências e agilizando a análise da operação; e
6. não objetivar o lucro, mas garantir a auto-sustentação da instituição, estabelecendo parâmetros que asseguram o retorno do capital inicialmente investido no prazo máximo de 3 anos.
Art. 3º – Os pequenos e micro empreendedores de que trata esta lei compreendem todos os cidadãos que desenvolvam atividades econômicas, formais ou não, no âmbito da produção, comércio ou prestação de serviços, e cuja receita mensal bruta comprovada ou estimada, não ultrapasse o montante de 263 Unidades Ficais do Município (UFM), ou outro índice que venha a substituí-la.
Art. 4º – Fica o Poder Executivo Municipal obrigado a instalar Comissão de Estudos, no prazo máximo de 60 dias a partir da publicação desta lei, com o objetivo de embasar e viabilizar a criação e/ou a participação em instituição de que trata o Art.1º da presente lei.
I – O objetivo da Comissão de Estudo é o de identificar o perfil dos pequenos e micro empreendimentos instalados na cidade, conhecer as principais dificuldades enfrentadas por este setor, questionar do interesse e da necessidade de crédito para a fixação e expansão do empreendimento, identificar as dificuldades para a obtenção de crédito e do interesse de ser tomador de crédito e condições especiais de juro, garantias e exigências; bem como apresentar a(s) forma(s) jurídica(s) mais adequada(s) ao funcionamento da entidade aqui proposta.
II – A Comissão de Estudo referida no caput deverá ser composta por representantes do Poder Executivo Municipal e por igual número de pessoas indicadas por entidades representativas ou que desenvolvam trabalho dirigido aos pequenos e micro empreendedores objeto desta lei.
III – A Comissão terá o prazo de 180 dias para desenvolver seus trabalhos, ao final do qual apresentará relatório de seus resultados, enfocando os aspectos assinalados no d1, bem como outros que julgar relevantes, que será publicado no Diário Oficial do Município.
Art. 5º – As despesas com a execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias.
Art. 6º – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
BANCO DO POVO
A experiência de crédito popular mais conhecida internacionalmente é o Grameen Bank em Bangladesh, também conhecida por Banco do Povo. Surgiu da obstinação de seu fundador, o professor de economia Mohamad Yunus. Após emprestar US$ 20 do próprio bolso a um camponês em dificuldades, que logo lhe devolveu o dinheiro, buscou institucionalizar o financiamento de atividades que gerassem renda para a parcela pobre da população, contra a oposição e a descrença dos banqueiros tradicionais. Hoje o Grameen Bank possui agências em 35 mil vilarejos, atendendo a 2 milhões de clientes com uma taxa de inadimplência muito inferior à de outras instituições de crédito.
Segundo a filosofia da instituição, o crédito é um direito do ser humano e a atividade do banco aposta na iniciativa do tomador e na sua capacidade individual de discernir o que pode e precisa fazer para melhorar a própria vida. O financiamento é feito a grupos e não a pessoas isoladas, mas a responsabilidade é individual. A atividade do banco pretende contribuir para a auto-organização das pessoas em atividades diretamente ligadas à sua sobrevivência e de fácil compreensão. Financiam-se iniciativas que gerem renda ou habitação, nunca o consumo, com clara opção pelo apoio à atividade informal, tida como indispensável nas condições do meio rural do país.
A princípio não há limite de crédito; após o reembolso do primeiro empréstimo, as pessoas passam a ter acesso a quantias maiores. Segundo dados do próprio banco, a linha de pobreza costuma ser vencida no décimo contrato. Atualmente, cerca de um terço dos clientes do banco já ultrapassou esse limiar. Além isso, o banco priorizou financiamento às mulheres (85% dos tomadores), baseado na convicção de que elas possuem um papel fundamental na administração da família e nas atividades de subsistência de seus integrantes.
O Grameen Bank opera com valores pequenos (de US$ 50 a U$ 500, com média de US$ 160) e prazos curtos, financiando os tomadores de empréstimo sem a preocupação de aprovar projetos de acordo com prioridades definidas previamente, incentivando as pessoas a utilizarem-no da forma que melhor lhes parecer, aspecto indispensável inclusive para manter o baixo custo administrativo e a agilidade.