A ação conjunta de municípios para resolver problemas comuns amplia a capacidade de atendimento aos cidadãos e o poder de diálogo das prefeituras junto aos governos estadual e federal.
Autor: José Carlos Vaz
Auxiliar de Pesquisa: Emiliano Caccia-Bava

A ação conjunta de municípios para resolver problemas comuns amplia a capacidade de atendimento aos cidadãos e o poder de diálogo das prefeituras junto aos governos estadual e federal.
Autor: José Carlos Vaz
Auxiliar de Pesquisa: Emiliano Caccia-Bava

Os problemas a cargo do governo municipal muitas vezes exigem soluções que extrapolam o alcance da capacidade de ação da prefeitura em termos de investimentos, recursos humanos e financeiros para custeio e a atuação política. Além disto, grande parte destas soluções exigem ações conjuntas, pois dizem respeito a problemas que afetam, simultaneamente, mais de um município.

Em outros casos, mesmo sendo possível ao município atuar isoladamente, pode ser muito mais econômico buscar a parceria com outros municípios, possibilitando soluções que satisfaçam todas as partes com um desembolso menor e com melhores resultados finais.

Os governos estaduais e federal, tradicionais canais de solicitação de recursos utilizados pelos municípios, apresentam, em geral, baixa capacidade de intervenção. E também deixar simplesmente que o governo estadual ou federal assuma ou realize atividades de âmbito local ou regional, que poderiam ser realizados pelos municípios, pode significar uma renúncia à autonomia municipal, retirando dos cidadãos a possibilidade de intervir diretamente nas ações públicas que lhes dizem respeito.

Os consórcios intermunicipais, estabelecendo a parceria entre as várias prefeituras, aumentam a capacidade de um grupo de municípios solucionar problemas comuns sem lhes retirar a autonomia. Trata-se, portanto, de um recurso administrativo e, ao mesmo tempo, ao mesmo tempo político.

O QUE SÃO

Consórcios intermunicipais são entidades que reúnem diversos municípios para a realização de ações conjuntas que se fossem produzidas pelos municípios, individualmente, não atingiriam os mesmos resultados ou utilizariam um volume maior de recursos.

Os consórcios intermunicipais possuem personalidade jurídica (normalmente assumem a figura de sociedade civil), estrutura de gestão autônoma e orçamento próprio. Também podem dispor de patrimônio próprio para a realização de suas atividades.

Seus recursos podem vir de receitas próprias que venham a ser obtidas com suas atividades ou a partir das contribuições dos municípios integrantes, conforme disposto nos estatutos do consórcio. Todos os municípios podem dar a mesma contribuição financeira, ou esta pode variar em função da receita municipal, da população, do uso dos serviços e bens do consórcio ou por outro critério julgado conveniente.

POSSIBILIDADES

Há amplas possibilidade de atuação conjunta de municípios através de consórcios. Desde pequenas ações pontuais a programas de longo prazo e intensa influência sobre o destino dos municípios, os consórcios podem se constituir com menor ou maior pretensão de durabilidade e impacto. Também podem assumir os mais variados objetos de trabalho, como alguns apresentados a seguir:

a) Serviços públicos: Os municípios podem oferecer serviços públicos em parceria com municípios vizinhos. Com isso, é possível amortizar os custos fixos e os investimentos sobre uma base maior de usuários, reduzindo o custo unitário da produção e distribuição dos serviços. Diversos tipos de serviços públicos podem ser realizados sistematicamente por meio de consórcios. No campo do abastecimento e nutrição podem ser implantados programas de complemento nutricional ou "sacolões" volantes. No campo da cultura, em municípios de pequeno porte é possível implantar equipamentos e realizar atividades de caráter regional, como o serviço de ônibus-biblioteca. Também é possível atuar de forma consorciada nas áreas de esporte, lazer, assistência social, aparelhamento do Corpo de Bombeiros e saneamento.

b) Saúde: Este é o campo mais propício para a criação de consórcios para prestação de serviços públicos. A operação conjunta da rede pública de serviços de saúde tem sido o motivo da criação de vários consórcios municipais nos últimos anos. Isto porque é um tipo de serviço que exige grandes investimentos e que naturalmente é hierarquizado em rede por demanda: um município de pequena população não terá condições (nem fará sentido que o faça) para oferecer todo o leque de serviços possíveis e necessários. Com isso, muitos municípios passam a depender de serviços oferecidos fora, cuja operação está totalmente além de seu controle; outros implantam equipamentos e serviços super-dimensionados, cujo investimento necessário ou o custeio da operação são muito elevados para o potencial econômico do município (muitas vezes esta opção implica o sucateamento a médio prazo desses mesmos investimentos). Esse era o caso dos 27 municípios de Minas Gerais (totalizando cerca de 250 mil habitantes) que compuseram o Consórcio Intermunicipal do Alto São Francisco. O consórcio assumiu a operação de unidades de saúde de vários níveis, desde unidades básicas a centros de referência especializados. A iniciativa conseguiu ampliar o volume de serviços prestados, reduzir custos de procedimentos e o número de deslocamentos para tratamento na capital do estado, Belo Horizonte.

c) Obras públicas: Muitas vezes as obras públicas podem ser do interesse de mais de um município. É o caso de obras em áreas de divisa (especialmente em áreas conurbadas), canalização de cursos d’água e obras viárias que garantam o acesso a vários municípios. Em outras situações, pode ser interessante compartilhar recursos para diversas obras a cargo de cada município: rodízio de máquinas próprias, aquisição ou locação de máquinas para uso comum, contratação de projetos arquitetônicos padronizados ou mutirões de manutenção de estradas vicinais, como na experiência dos municípios do Recôncavo Baiano. Este é um item em que os consórcios intermunicipais revelam um desempenho muito bom, por conta do próprio caráter circunstancial: são ações com objetivos e etapas perfeitamente definidos, facilitando o estabelecimento de responsabilidades de cada parceiro.

d) Atividades-meio:
Outra forma de tirar mais proveito dos recursos por intermédio de consórcios intermunicipais é a realização de atividades-meio das prefeituras. É o caso da informática, que dá espaço para o uso comum de equipamentos (em caso de aplicações que requeiram maior capacidade de processamento, o que pode ocorrer para municípios de maior porte) e para o desenvolvimento de sistemas informatizados que possam atender a mais de um município, como, por exemplo, programas para gestão das redes de educação e saúde. Também é possível estabelecer consórcios para realizar atividades de treinamento e capacitação de funcionários públicos municipais, permitindo criar programas permanentes de capacitação de pessoal de menor custo por servidor beneficiado.

e) Meio Ambiente: Muitos consórcios têm surgido a partir de projetos de recuperação ou preservação do meio ambiente, sobretudo em busca de soluções para problemas em torno do manejo de recursos hídricos de uma bacia hidrográfica, como no caso do Consórcio Intermunicipal da Bacia do Rio Piracicaba, em São Paulo. Esses consórcios podem ir além das questões hídricas num sentido estrito e assumir um papel de interlocutores frente aos governos estadual e federal em questões ambientais mais amplas como saneamento básico, lixo e enchentes. É o exemplo do Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Represa Billings, integrado pelos 7 municípios da região do ABC, em São Paulo, que assumiu, também, atividades no campo da promoção do desenvolvimento regional.

f) Desenvolvimento econômico regional:
Há uma grande possibilidade de atuação dos consórcios no campo da promoção do desenvolvimento regional. Podem assumir funções de incentivo a atividades econômicas (atração de investimentos, apoio à produção agrícola) e funcionar como agentes de controle e prevenção da "guerra fiscal" entre municípios. No campo do turismo as ações de consórcios tem sido pouco utilizadas, apesar da boa possibilidade de emprego desse instrumento para divulgar o potencial turístico regional e também preparar os municípios para sua exploração racional. Pode-se considerar também a hipótese de empreender programas de capacitação e reciclagem profissional da mão-de-obra local.

GESTÃO

Normalmente, o principal agente de gestão dos consórcios é um Conselho de Administração, composto pelos prefeitos dos municípios integrantes. É interessante, também, incorporar representantes dos legislativos municipais e entidades da sociedade civil.

Dependendo dos estatutos do conselho, as decisões podem ser tomadas por maioria simples, maioria absoluta, maioria qualificada ou unanimidade. Em algumas situações, um dos municípios pode ter poder de veto sobre as decisões, especialmente quando houver um município de porte muito maior que os demais (o centro de uma região metropolitana, por exemplo), ou, por algum motivo, ocupar um papel central nas atividades realizadas pelo consórcio (é o caso dos municípios que cedem áreas para a disposição final de resíduos sólidos de outros municípios).

Os consórcios, em geral, são presididos por um dos prefeitos dos municípios que dele fazem parte, adotando-se um sistema de rodízio, mudando a cada um ou dois anos.

A gestão operacional do consórcio, em grande parte dos casos, exige uma estrutura própria. Há duas formas de supri-la: criando um quadro de pessoal próprio ou utilizando servidores cedidos pelas prefeituras integrantes, atuando à disposição do consórcio em tempo integral ou parcial. Na medida do possível, é conveniente dispor de uma equipe técnica própria e de caráter permanente, permitindo que se forme uma "inteligência" do consórcio, com conhecimento aprofundado da problemática regional.

RESULTADOS

Do ponto de vista da ação dos governos municipais envolvidos, a criação de consórcios intermunicipais pode produzir resultados positivos de cinco tipos:

a) Aumento da capacidade de realização: os governos municipais podem ampliar o atendimento aos cidadãos e o alcance das políticas públicas por conta da disponibilidade maior de recursos e do apoio dos demais municípios.

b) Maior eficiência do uso dos recursos públicos: é o caso dos consórcios cuja função central é o compartilhamento de recursos escassos, de máquinas de terraplanagem a unidades de saúde ou unidades de disposição final de resíduos sólidos. O volume de recursos aplicados como investimento no consórcio e o custeio de sua utilização são menores do que a soma dos recursos que seriam necessários a cada um dos municípios para produzir os mesmos resultados.

c) Realização de ações inacessíveis a uma única prefeitura: a articulação de esforços em um consórcio intermunicipal pode criar condições para que seja possível atingir resultados que não seriam possíveis a nenhuma prefeitura isoladamente, ou mesmo à soma dos esforços individuais de cada uma delas. É o caso da aquisição de equipamentos de alto custo, o desenho de políticas públicas de âmbito regional (como no caso das políticas de desenvolvimento econômico local).

d) Aumento do poder de diálogo, pressão e negociação dos municípios: a articulação de um consórcio intermunicipal pode criar melhores condições de negociação dos municípios junto aos governos estadual e federal, ou junto a entidades da sociedade, empresas ou agências estatais. Com isso, vê-se fortalecida a autonomia municipal.

e) Aumento da transparência das decisões públicas: como as decisões tomadas pelos consórcios são de âmbito regional e envolvem vários atores, naturalmente elas se tornam mais visíveis, pois exigem um processo de discussão mais aprofundado em cada município e em termos regionais. Com isso, abre-se espaço para uma maior fiscalização da sociedade sobre a ação dos governos.


* Publicado originalmente como DICAS nº 97 em 1997.Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.