Desenvolvimento e Ações do Governo Local
Do que trata o texto: O texto trata do problema da necessidade de geração de emprego e renda relacionado ao desenvolvimento local; demonstrando em quatro eixos de ação como os governos locais podem intervir nessa temática. "A experiência demonstra que esse nível de governo pode assumir tarefas que contribuam para romper circuitos fechados de acumulação, gerando emprego e renda".
Do que trata o texto: O texto trata do problema da necessidade de geração de emprego e renda relacionado ao desenvolvimento local; demonstrando em quatro eixos de ação como os governos locais podem intervir nessa temática. "A experiência demonstra que esse nível de governo pode assumir tarefas que contribuam para romper circuitos fechados de acumulação, gerando emprego e renda".
Disponível em: Publicado originalmente como DICAS nº 54
Fonte: Instituto Pólis
Autor: Ladislau Dowbor
Data de publicação: 1996
O desenvolvimento local, nas atuais condições da economia e da sociedade brasileiras, não pode ser analisado sem que se coloque o problema da necessidade da geração de emprego e renda. A ação das prefeituras é limitada, mas a experiência demonstra que esse nível de governo pode assumir tarefas que contribuam para romper circuitos fechados de acumulação, gerando emprego e renda.
POSSIBILIDADES
a) Criação de condições ambientais: uma linha importante de atuação do governo local na promoção do desenvolvimento é a intervenção sobre as condições do ambiente social ou econômico, ou seja, articular medidas que propiciem o desenvolvimento do município. Esse tipo de intervenção procura minimizar ou eliminar fatores que impedem o desenvolvimento econômico. Nem sempre esses fatores estão sob o controle direto da prefeitura, mas em várias ocasiões é possível produzir soluções que "contornem" um determinado fator restritivo. A intervenção que objetiva o desenvolvimento não deve ficar necessariamente restrita à criação direta de empregos. Muitas vezes a capacidade do governo local para fazê-lo é muito baixa, mas tem múltiplas formas de produzir um ambiente favorável para o emprego.
Um exemplo deste tipo de ação são os programas de incentivo ao crédito comunitário ou para iniciativas populares. Em condições em que as taxas de juros e outras restrições ao crédito são um fator inibidor de iniciativas de grupos comunitários ou de trabalhadores sem recursos para começar atividades econômicas independentes, as iniciativas de crédito comunitário podem abrir uma gama de oportunidades de forma bastante prática. Uma pessoa ou grupo, a partir de um empréstimo, pode viabilizar uma idéia que resolva seus problemas de emprego e renda.
A intervenção nas condições ambientais muitas vezes deve enfrentar círculos fechados de acumulação. Um exemplo é o das localidades onde grandes proprietários arrendam a terra e, além disso, controlam a venda de insumos agrícolas e sementes, e também a comercialização do produto. Se for possível produzir relações diretas entre consumidor e produtor, será possível melhorar a distribuição de renda e melhorar a qualidade de vida dos produtores rurais e dos consumidores urbanos.
A eliminação de entraves legais e administrativos pode ser um fator de estímulo ao desenvolvimento local. Essas ações ajudam a liberar o potencial de iniciativa dos cidadãos mais pobres, evitando que a iniciativa econômica seja monopólio daqueles que podem assumir os custos gerados pelas restrições legais e administrativas. Experiências brasileiras em Porto Alegre-RS (1.280 mil hab.) e Diadema-SP (318 mil hab.) se concentraram na eliminação e simplificação de procedimentos para abertura de pequenas empresas.
b) Qualificação da mão-de-obra: Um segundo patamar é a dimensão formadora. Muitas vezes, o perfil da mão-de-obra local a impede de ter acesso a postos de trabalho que exigem maior qualificação, ou a limita como agente ativo e de iniciativa própria. A falta de qualificação dos trabalhadores locais torna-se um fator de repulsão de investimentos.
Além da provisão de ensino formal, oferecer um conjunto coerente de cursos práticos que permitam aos cidadãos excluídos assumirem uma ocupação que lhes garanta um modo de vida digno é uma iniciativa que pode ser bastante eficaz. Entretanto, em grande parte dos casos precisa ser acompanhada de iniciativas de formação básica: as voltadas à aquisição de habilidades que condicionam o desempenho profissional, as que facilitam iniciativas comunitárias e aquelas que permitem um maior acesso aos direitos políticos e sociais.
O Ministério de Urbanização da Costa Rica teve uma experiência de formação em aspectos múltiplos, com cidadãos favelados, considerada bem sucedida: em vez de simplesmente definirem que conteúdos os cidadãos necessitavam, os técnicos definiram-nos em conjunto com os líderes comunitários, chegando a um programa de cursos eminentemente práticos, com três núcleos: organização comunitária, infra-estrutura comunitária e geração de empregos.
c) Intervenção em setores de grande efeito multiplicador: Um terceiro plano de intervenção no desenvolvimento local é a atuação nos setores mais ou menos permeáveis aos empregos. Como as dinâmicas intersetoriais são muito diferenciadas, alguns setores têm maiores condições de gerar empregos a partir de ações de âmbito local. Há grandes variações entre municípios. Um mesmo setor, em municípios ou regiões diversas, pode ter permeabilidade diferente às políticas de estímulo à geração de empregos.
Pode-se notar que na maioria dos municípios brasileiros imensos é possível promover articulações cidade-campo que permitiriam iniciativas de sucesso, tomando-se cidade e campo como unidades complementares. Para muitos municípios isto significa implantar políticas de abastecimento para a cidade desenhadas de forma complementar à política de apoio aos agricultores. Esta, por sua vez, precisa incluir a prestação de serviços, como saúde e educação além de medidas de apoio à produção agrícola local. É economicamente viável, por exemplo, formar cinturões verdes hortifrutigranjeiros que assegurem rentabilidade para o dono do solo ou então para a prefeitura que o arrende, cedendo o uso para pequenos lavradores.
Outro espaço para intervenção local no processo de desenvolvimento são as franjas inferiores do mercado, para alguns tipos de produtos ou serviços. A concentração de renda rompeu a unidade de mercado: ele se segmenta por níveis de renda. Nesse mercado não-unitário, com vários níveis de renda, os extratos mais baixos necessitam de alternativas de produtos mais baratos que aqueles produzidos pela economia formal, pelas empresas mais estruturadas. Trata-se de um espaço econômico que pode ser ocupado através do uso de materiais alternativos ou da busca de novas utilidades a materiais e produtos com outras aplicações tradicionais. Os perfis de produção e as tecnologias necessárias são completamente diferentes, caracterizando-se por serem poupadoras de capital e pelo uso intensivo de mão-de-obra.
Atualmente está em curso uma profunda mudança de composição intersetorial do emprego. As atividades do setor terciário são as que mais crescerão nos próximos anos, ao contrário dos setores primário e secundário, que tendem a perder importância relativa. Nesse contexto, pode ser compensador para o governo local adotar políticas de geração de emprego e renda que estimulem o desenvolvimento de atividades de prestação de serviços.
Isto pode ser combinado com programas de prestação comunitária, desconcentrada ou descentralizada de serviços públicos, especialmente aqueles de assistência social. Esses serviços podem funcionar como uma "esponja" capaz de absorver uma parcela da mão-de-obra. Em muitas oportunidades, a implantação deste tipo de iniciativa pode significar a simplificação de serviços públicos para executá-los com menores custos e maior eficácia. Para isto, pode ser necessário eliminar entraves legais e administrativos à prestação de serviços comunitários. Um exemplo é o atendimento domiciliar a idosos em Lausanne, na Suíça. Uma pessoa cuida de quatro idosos, passando duas horas diárias na casa de cada um, mas não é funcionária pública do departamento de assistência aos idosos, e sim alguém que faz parte de um sistema comunitário apoiado pelo governo.
Outro exemplo, que a comunidade organiza sozinha na periferia das cidades, são as "mães-crecheiras", que podem ser incorporadas em programas do governo local. Muitas vezes, a prefeitura fica sem ação porque não consegue atender a todas as exigências técnicas e corporativas expressas na lei. Não se conseguem implantar creches em número suficiente porque a lei exige que uma creche pública tenha uma média de mais de vinte funcionários por creche. A busca do atendimento ideal impede que se preste o serviço mínimo. Como se determina que a creche deve ser a ideal, as crianças ficam sem creche alguma, e a comunidade se organiza de forma precária.
d) Articulação do desenvolvimento local com atores e dinâmicas externas: A criação de um ambiente propício para o desenvolvimento local pode surgir de uma articulação eficaz das dinâmicas econômicas e sociais locais com dinâmicas mais amplas. É fundamental poder identificar as oportunidades que estas apresentam e desenhar ações articuladoras, com o governo local tomando a iniciativa, e não só se colocando à espera de iniciativas externas. Cidades africanas negociaram acordos de comercialização em outros países do artesanato produzido localmente, com bons resultados na geração de emprego e renda. Maringá -PR (252 mil hab.), por exemplo, abriu uma representação em Curitiba, capital do Estado, e outra em Brasília-DF.
Para esse tipo de iniciativa, é preciso identificar as oportunidades que podem ser aproveitadas, de acordo com as características da economia e sociedade local (o que muitas vezes é classificado como "vocação" do município). Mas a "vocação" não pode gerar uma organização econômica excessivamente especializada, para não correr o risco de tornar vulnerável a economia local.
AVANÇANDO
É possível avançar, realizando ações que sejam também transformadoras da sociedade, no campo da organização da produção e das relações de solidariedade.
Os governos locais podem ter um papel importante no estímulo a formas de organização da produção alternativas à empresa capitalista, como cooperativas e empresas não-lucrativas. Por exemplo, em São Paulo-SP (9.842 mil hab.), na gestão 1989-1992, os catadores de papel receberam apoio e infra-estrutura da prefeitura e de entidades da sociedade para se organizar em cooperativa.
Dentro dessa linha, o estímulo à organização comunitária da produção pode ser orientado para que essas empresas sociais atinjam um plano superior da produção. No caso dos catadores de papel, é possível, com algum treinamento e pequeno investimento, transformá-los em recicladores artesanais de papel. Eles estarão se apropriando de um elo superior do processo produtivo, onde é agregado maior valor.
As empresas sociais não precisam ser pensadas como necessariamente precárias. O governo local pode estar presente fornecendo orientação e controle, auxiliando as iniciativas da comunidade a atingirem um patamar superior de organização das atividades.
Assim como é importante estimular novas formas de organização da produção, também é bom que se busquem novas formas de ajuda e cooperação, para superar o tradicional assistencialismo.
Outro ponto a ser valorizado é a constituição de formas de cooperação descentralizada, como os sistemas de ajuda horizontal. Um exemplo é o estabelecimento de convênios entre hospitais locais com hospitais do exterior. Muitas vezes, esse tipo de ajuda pode enfocar o intercâmbio e disseminação de experiências, suprindo os governos locais e as iniciativas comunitárias de informações e conhecimento técnico. Comunidades e associações locais, com um computador ou um fax disponível, podem ter acesso a outras experiências e a conhecimento técnico de forma muito simples e barata.