Trata do papel do governo local não apenas como agente realizador do desenvolvimento, mas também como articulador e facilitador das ações de desenvolvimento.

Trata do papel do governo local não apenas como agente realizador do desenvolvimento, mas também como articulador e facilitador das ações de desenvolvimento.

Fonte: DOWBOR, Ladislau. “Governo e sociedade: requisitos para um projeto de desenvolvimento local”. Boletim DICAS – Idéias para a ação municipal, nº 53, São Paulo, Instituto Pólis Autor: Ladislau Dowbor

A prefeitura deve ser a articuladora e facilitadora das ações de desenvolvimento local, comprometendo-se com a geração de emprego e renda para promover a cidadania.

As possibilidades de atuação de cada governo são condicionadas pela estrutura social e pela organização econômica local, existindo uma diferenciação muito grande de cidade para cidade, em função do porte e da complexidade das relações sociais, não só no sentido econômico mas de representação, participação e decisão. Qualquer política de geração de emprego e renda precisa estar fundamentada na formulação de um projeto de desenvolvimento baseado na realidade local e, em função dela, estabelecer as áreas de trabalho prioritárias.

O governo local, mais do que um agente realizador do desenvolvimento, deve funcionar como articulador e facilitador das ações de desenvolvimento. Estas ações não podem ocorrer como monopólio do poder público. Pelo contrário, sua eficácia será maior justamente quando o poder público for apenas um dos múltiplos agentes envolvidos no projeto de desenvolvimento local incorporado pela sociedade.

Essa visão pressupõe uma tomada de posição por parte do governo. Gerar emprego e renda permanentes e dignos, em coerência com um projeto de desenvolvimento local baseado na expansão e consolidação da cidadania, exige compromisso com a redistribuição social do trabalho e da renda. A seguir, são apresentados alguns requisitos para que essa tomada de posição seja efetiva.

UM CONCEITO AMPLO DE DESENVOLVIMENTO

Para pensar a atuação da prefeitura no desenvolvimento local, é necessário conceituá-lo sem se entregar à lógica economicista. A centralidade dos aspectos econômicos não pode ser abandonada, mas do ponto de vista da promoção da cidadania, só é aceitável uma visão de desenvolvimento que coloque o ser humano e os interesses coletivos e das maiorias como ponto central, convergindo para a possibilidade de potencialização das capacidades de todos os indivíduos. Dessa forma, não é possível deixar de considerar fatores como qualidade de vida, socialização do poder, distribuição da renda e democratização do acesso aos serviços públicos, aos bens culturais e aos benefícios da tecnologia. Ou seja, não é aceitável um desenvolvimento que não esteja baseado na consolidação e extensão de direitos iguais para todos os grupos da sociedade.

Por conta disso, há uma forte interação entre os processos de construção da democracia política e da democracia econômica. Estimular a reorganização dos espaços comunitários e das ações coletivas pode ser positivo para alterar a distribuição de renda e do emprego, mas também traz transformações políticas.

COMPROMISSO COM O DESENVOLVIMENTO LOCAL

Os resultados positivos das ações do governo local sobre o desenvolvimento dependem, inicialmente, de uma atitude de compromisso com o desenvolvimento local por parte do governo. É essa postura que possibilitará articular a mobilização das capacidades locais, alterando a dinâmica social.

Esse compromisso deve se materializar na promoção de ações de aumento da produtividade social. Este conceito, que alguns autores utilizam como produtividade urbana, diz respeito às externalidades negativas que afetam o desempenho das unidades de produção e, por extensão, da economia local, além de geralmente produzir efeitos negativos sobre a qualidade de vida.

Em última instância, desenvolver produtividade social significa promover o uso racional dos recursos de uma determinada comunidade. A maximização da produtividade, neste caso, não é vista pelas unidades de produção. Do ponto de vista do desenvolvimento local, é pensada como melhora da produtividade conjunta. Por isso, o aumento da produtividade social só pode ser conseguido como resultado de ações articuladas dos diversos segmentos sociais, dos diversos setores econômicos, no meio urbano e no meio rural.

O conceito de fatores sub-utilizados, adotado pelo Banco Mundial, é útil na elaboração de ações de incremento da produtividade social. Identificando-se os fatores sub-utilizados, a prefeitura pode levá-los a um melhor aproveitamento pela ação articuladora ou pela ação normatizante. Nas regiões de monocultura, por exemplo, há desemprego sazonal. Pode-se utilizar parte do solo e mão-de-obra disponíveis para fazer plantio de milho. Em Xangai, na China, não existe o lote vazio como recurso sub-utilizado: não há área urbana que não seja plantada, não há lagoa que não tenha patos.

De outra forma, realizar ações que incrementem a produtividade social significa intervir na infra-estrutura e nos serviços públicos orientando-se para a eliminação de perdas e o aumento da produtividade dos recursos públicos ou privados de que a comunidade dispõe, considerando-se que estes recursos devem gerar a maior quantidade de bem-estar possível.

Essas ações de incremento da produtividade social precisam ser embasadas em informações que nem sempre são fáceis de quantificar, ainda que seja importante, quando possível, dispor de indicadores que mostrem quais são as perdas suportadas pelos indivíduos e pelas unidades de produção, que são geradas pelo ambiente econômico e social do município. Um exemplo é o tempo gasto em espera de ônibus. Se uma dada cidade apresentar elevado tempo médio de espera, pode-se dizer que o sistema de transporte coletivo dessa localidade reduz a produtividade social: é um fator negativo sobre a qualidade de vida dos cidadãos e afeta o desempenho das unidades de produção.

DESENHO DE NOVAS PARCERIAS

Quando a prefeitura assume a função de agente articulador das iniciativas e dos atores locais do desenvolvimento, cresce a importância das parcerias. Hoje tem-se assistido ao surgimento de parcerias nas mais diversas áreas, envolvendo múltiplos atores. Entre esses atores, cresce o envolvimento das empresas em parcerias para ações de desenvolvimento local nas modalidades aqui descritas. Para estabelecê-las, é preciso mostrar claramente que a participação da empresa em um dado programa produzirá algum benefício do qual ela também se apropriará. Há o exemplo de uma grande empresa que apóia financeiramente várias escolas públicas na sua região, onde os índices de miséria e criminalidade são altos. A empresa, entretanto, não tem problemas com segurança e, segundo seus diretores, os valores investidos socialmente nas escolas são compensados com a redução do investimento em equipamentos e serviços de segurança.

É importante que as parcerias estabelecidas tenham um alvo direto, ou seja, clareza do problema central que se pretende minimizar ou eliminar, mas que se estendam pelo espectro mais amplo possível do processo em que este problema se insere. A identificação dos atores sociais envolvidos em todos os momentos desse processo é fundamental. Esses atores podem ser, além do próprio governo local, o governo do Estado e o federal, Ongs, comunidades organizadas, instituições de pesquisa e formação, empresas, entidades corporativas, pessoas interessadas. vai-se identificando os atores e suas capacidades de ação, seus interesses. Em um trabalho de articulação política, constrói-se um aparato institucional mais ou menos formal que dinamize essa relação que se pretende implantar: conselhos de desenvolvimento local, consórcios intermunicipais, associações de mães, cooperativas, associações comunitárias, fundações comunitárias municipais, movimentos de revitalização de áreas degradadas e muitas outras formas.

No campo das parcerias, as ações desencadeadoras têm grande importância. São ações que agregam e abrem espaço, além de realizar um determinado objetivo imediato, mudam atitudes, rompem inércias sociais e institucionais. Em algumas regiões os bolsões residenciais foram um fator desencadeador de uma série de ações no interior daquela comunidade.

Um grande exemplo de ação desencadeadora é o Programa do Copo de Leite, da prefeitura de Lima, no Peru. O objetivo era garantir que cada criança tivesse acesso a um copo de leite por dia. Para assegurar esse objetivo, foi necessário estruturar um sistema de funcionamento preciso, com alto grau de governabilidade. Em vez de utilizar a máquina pública, a prefeitura organizou as mães na Associação Copo de Leite. Para que o copo de leite estivesse em cada mesa toda manhã, a cidade foi organizada por bairros e quarteirões. Essa estrutura de mães permitiu a criação de uma série de programas comunitários que aproveitavam esse mesmo sistema de alta capilaridade. O programa do copo de leite funcionou como uma ação desencadeadora de várias outras que a seguiram.

DIAGNÓSTICOS

a busca de soluções exige um alto grau de informações e, portanto, é necessário expandir a capacidade de promover diagnósticos. A partir deles, pode-se obter informações para planejar e conduzir as ações locais de desenvolvimento. Para este trabalho de pesquisa, a prefeitura deve contar com o apoio da sociedade. Realizar a pesquisa, produzir socialmente um diagnóstico da pobreza e da exclusão social já é uma ação da comunidade para superar as limitações ao seu desenvolvimento. Uma primeira utilidade das atividades de pesquisa é a identificação das dinâmicas da economia e sociedade do município e das dinâmicas de nível mais amplo que influenciam os processos locais.

Uma segunda utilidade é a geração de cadastros que podem ser usados para a montagem de diversos programas. Esses cadastros podem reunir informações sobre o público-alvo de ações, sobre atores sociais relevantes para a construção de parcerias e sobre atividades econômicas, por exemplo. Por meio do cadastramento da população carente é possível identificar as áreas de exclusão e as áreas com potencial de absorção.

O levantamento de informações deve permitir conhecer porque o pobre é pobre, porque o desempregado é desempregado, ou seja, deve permitir estabelecer relações de causalidade, identificar os processos de exclusão social. Interessa saber também como é que o empobrecimento ocorreu, o que irá, no plano ideológico, reforçar a idéia de que a segregação social e a discriminação são fatores de pobreza, rompendo a tautologia que diz que o pobre é pobre porque nasceu pobre. é pobre porque é discriminado, porque é marginalizado, porque não tem seus direitos reconhecidos. Uma pesquisa assim orientada permitirá, por outro lado, construir soluções para casos particulares. Em Santos-SP (419 mil hab.), por exemplo, permitiu o tratamento individualizado de casos críticos e serviu de base para a criação de programas de proteção à criança e de apoio ao desempregado.

Fonte: DOWBOR, Ladislau. “Governo e sociedade: requisitos para um projeto de desenvolvimento local”. Boletim DICAS – Idéias para a ação municipal, nº 53, São Paulo, Instituto Pólis


* Publicado originalmente como DICAS nº 53 em 1995.Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.