Sobreviventes ainda têm seqüelas, viúvas e órfãos não receberam indenizações e nenhum criminoso envolvido foi preso.


Dez anos atrás o mundo todo se chocava com as imagens divulgadas pela TV Liberal. Presente na cidade de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, no dia 17 de abril de 1996, a equipe de reportagem da TV registrou sérias cenas de violência na operação da Polícia Militar que matou 19 trabalhadores rurais sem-terra e deixou 69 feridos. O episódio ficou conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás. Hoje, 17 de abril de 2006, o caso completa 10 anos, mas os 144 policiais incriminados foram absolvidos e apenas dois comandantes condenados. Nenhum deles está preso.

Ocupando cerca de 16% do território nacional, o Pará, na Região Norte, é o estado que lidera os índices de violência no campo. Mais de 700 trabalhadores rurais foram assassinados em disputas por terra nos últimos 30 anos. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, apenas 11 dos casos tiveram o inquérito concluído pela polícia, entre eles, o Massacre de Eldorado dos Carajás.

Tudo começou no dia 05 de novembro de 1995, quando mais de 1.500 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Macaxeira, no município de Eldorado dos Carajás. Com mais de 40 mil hectares, a terra era usada somente para pasto pelo proprietário Plínio Pinheiro. Apesar do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), antes da ocupação, sinalizar a possibilidade de desapropriação da fazenda, a vistoria indicou a área como produtiva. Após cinco meses sem respostas do governo sobre a desapropriação da área, as famílias iniciaram uma marcha rumo a Marabá.

Após 9 dias de caminhada, muita fome e cansaço, no dia 17 de abril de 1996, as famílias bloquearam a rodovia PA-150, no trecho conhecido como curva do “S”. As negociações por alimento e transporte foram interrompidas pela decisão do governo do estado de liberar a estrada “a qualquer custo”. Para isso, o então governador Almir Gabriel (PSDB) acionou a Polícia Militar. Assim, os sem-terra logo se encontraram cercados por 155 policiais fortemente armados: de um lado o batalhão da cidade de Parauapebas, comandado pelo Major José Maria Pereira de Oliveira, e do outro, o Coronel Mário Collares Pantoja e seus soldados de Marabá.Durante a ação, nenhum policial foi morto e apenas um ficou ferido, enquanto o comando policial contabilizou oficialmente 6 homens sem-terra mortos após a ação. Número que subiu para 19 com a contagem de corpos no Instituto Médico Legal (IML).

Logo após a chacina, ainda no mesmo ano, o Incra considerou a Fazenda Macaxeira improdutiva e destinada para fins de reforma agrária.

A vida após o massacre

Hoje, a área desapropriada de 18 mil hectares abriga mais de 690 famílias. O assentamento leva o nome de 17 de abril, peso que ajuda a impulsionar a luta ainda necessária, pois apesar das necessidades básicas conseguidas com muito esforço, ainda há conquistas a serem feitas, como a estrutura de saneamento e esgoto.

Cada família possui um lote de 25 hectares (25 mil m²), onde pratica a agricultura de subsistência. Apesar de algumas dificuldades, como a distância entre a vila de casas e o roçado, os trabalhadores vêm produzindo arroz, milho, abóbora, banana, mandioca, mamão, cacau, abacaxi, leite e diversos outros produtos. A escola instalada no local – improvisada desde os tempos em que a área ainda era acampamento –, mostra que a educação também é prioridade para o MST.

Com balas alojadas, perda de audição, destruição de ossos, dores de cabeça e traumas psicológico que restaram, sem dúvida, reconstruir a vida depois da chacina foi uma tarefa difícil para as pessoas que estavam presentes no dia 17 de abril de 96. Das 69 pessoas que ficaram gravemente feridas, apenas 20 conseguiram cumprir com a burocracia para entrarem, em 1998, com uma ação de indenização por danos morais e materiais contra o estado.

Apenas em outubro de 1999 a Justiça concedeu uma tutela antecipada determinando que o Estado oferecesse toda a assistência médica, inclusive psicológica. Mas há dúvidas se esta decisão judicial foi cumprida como deveria. As viúvas e órfãos das vítimas fatais do massacre até hoje aguardam indenizações do Estado, que nunca foram pagas.

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