Mês de agosto teve uma série de mobilizações com a adesão de setores populares no Equador e na Guatemala

FPA Informa - Internacional 21

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Ano 2 – nº 21 – 03 de setembro de 2015
 

Mobilizações sociais no Equador e na Guatemala

Apesar de motivações e contextos políticos bastante diferenciados, o mês de agosto teve uma série de mobilizações com a adesão de setores populares no Equador e na Guatemala.

No Equador, assim como em outros países da América Latina, embora tenha obtido avanços inegáveis na redução da pobreza e na inclusão social, a persistência da crise internacional e dependência dos mercados externos têm provocado cortes de orçamento, estagnação em políticas sociais e ligeiro aumento de desigualdades, após um movimento de queda por seguidos anos. Somado a especificidades nacionais relativas ao tratamento da questão indígena e ambiental e a reformas institucionais, este contexto tem gerado uma divisão cada vez mais visível nos movimentos sociais organizados, com setores que se colocam criticamente frente ao governo de Rafael Correa. Por outro lado, estas mobilizações organizadas por uma parcela do movimento indígena e sindical têm sido apoiadas por forças políticas da direita.

Desde que assumiu a presidência, em 2007, Rafael Correa e o governo do Aliança PAIS têm obtido avanços na redução da pobreza e das desigualdades, a partir do crescimento econômico e de políticas redistributivas, e promovido investimentos significativos nas área de educação, saúde e infraestrutura. Desde 2006 a pobreza recuou de 38,3% para 25,8% da população e a pobreza extrema caiu de 12,9% para 5,7%. Embora conte com uma taxa alta de aprovação (em torno de 45%, medida em julho, portanto antes dos protestos), nos últimos anos, Correa tem enfrentado resistências dentro do campo de esquerda, entre, por exemplo, setores do movimento sindical e do movimento indígena, liderados pela Frente Unitária dos Trabalhadores (FUT) e pela Confederação de Nacionalidade Indígenas (CONAIE), respectivamente.

Com a queda expressiva no preço do petróleo, o país começa a enfrentar dificuldades na economia. Cerca de 58% das exportações equatorianas estão relacionadas ao petróleo, cuja cotação estava prevista em US$ 79 o barril para o orçamento de 2015 (e atualmente está em torno de US$ 47). No último dia 19, o governo anunciou um segundo corte no orçamento que, somado ao corte anterior, totaliza US$ 2,2 bilhões (mais de 2% do PIB). Segundo o FMI, a expectativa de crescimento para 2015 passou de 3,5% para 1,9%.

A constituição de 2008 reconheceu o caráter plurinacional do Estado equatoriano e foi pioneira em reconhecer os direitos da natureza. Segundo setores críticos, no entanto, as conquistas sociais têm sido obtidas a partir de uma modernização tradicional do capitalismo, baseado num modelo extrativista, sem alterações na matriz produtiva, em detrimento das comunidades indígenas, que têm sido tratadas com políticas gerais para as populações de baixa renda, via inserção pelo consumo, sem atenção à plurinacionalidade. Estas tensões têm se intensificado por exemplo com a decisão de explorar petróleo na reserva de Yasuní e com a exploração de minérios no vale do Intag. A exploração mineira no Intag tem sido alvo de resistência local há décadas. No ano passado as comunidades bloquearam o acesso à mina, que em seguida foi ocupada militarmente pelo Estado.

No mês de agosto, uma série de mobilizações foram convocadas em todo o país – com destaque para a marcha indígena organizada pela CONAIE e a greve liderada pela CET/FUT. Dentre as principais reivindicações estão: o arquivamento das emendas constitucionais; a revogação do Decreto 16; o reestabelecimento da educação intercultural bilíngue; desprivatização da água e reforma agrária; e a não assinatura do TLC com a União Europeia. Atualmente há 16 projetos de emendas constitucionais em debate no Congresso. Além do conhecido projeto que permitiria a reeleição por mais de um mandato, as emendas incluem: restrição de competências da Controladoria Geral do Estado; restrições à convocação de consultas populares por parte das regiões; papel para as forças armadas na manutenção interna da ordem; mudanças no regime de trabalho de servidores públicos; aumento de competências exclusivas do Executivo nacional na área de planejamento, construção e manutenção de infraestrutura de equipamentos de saúde, educação, assistência social e habitação; e eliminação do prazo de oito anos para a criação de regiões autônomas. O Decreto 16 regulamenta o funcionamento do Sistema Unificado de Informação sobre Organizações Sociais e Cidadãs (Suios). Segundo as críticas, a lei traria restrições à liberdade de associação, já que abrira brechas para obrigar que organizações da sociedade civil aceitem a adesão de quaisquer membros interessados; os trâmites para a obtenção de personalidade jurídica poderiam ser potencialmente dificultados pelo Estado, sem direito de apelação a uma autoridade independente daquela que porventura negue o pedido; e as causas para dissolução forçada previstas em lei seriam muito amplas, o que permitiria interpretações arbitrárias. Ainda em agosto, o presidente Correa expediu o Decreto 739, que reforma o anterior com vistas a facilitar a obtenção de personalidade jurídica e melhorar o funcionamento do sistema unificado de informações sobre organizações sociais.

Durante as mobilizações do último mês, confrontos entre policiais e manifestantes deram origem a uma guerra de versões em blogs e redes sociais, como o caso da franco-brasileira Manuela Picq, companheira do líder indígena da Ecuarunari, caso amplamente explorado pela mídia brasileira contra o governo Correa. De qualquer forma, vale ressaltar que há tensões e contradições tanto no interior do governo, como no posicionamento de setores críticos dos movimentos sociais frente ao apoio da direita. Em junho, o país já vivera mobilizações expressivas contra uma lei de taxação de heranças. O projeto de lei, que estabelece um imposto progressivo sobre heranças, foi alvo de forte resistência não apenas por parte dos conservadores, mas também foi criticado pela Conaie e pela FUT. Naquele momento, por ocasião da visita do Papa Francisco, o governo retirou os projetos da pauta.

Guatemala
Uma série protestos sacodem o país desde o último mês de abril, iniciados a partir de denúncias de corrupção contra o governo conservador de Otto Perez Molina e da vice-presidente, Roxana Baldetti (atualmente destituída do cargo).

No próximo domingo, 6 de setembro, haverá eleições gerais para a escolha do próximo presidente da República, de 158 deputados, 20 parlamentares do Parlacen e 338 governos locais. A reta final tem sido marcada pela continuidade das mobilizações que pedem a renúncia do presidente e levaram cerca de 100 mil pessoas às ruas do país na semana passada, incluindo setores empresariais e da alta classe média urbana, assim como movimentos sociais, como sindicalistas, estudantes, camponeses e indígenas. Nos últimos meses parte das mobilizações vinha reivindicando uma reforma política, para contemplar a organização de comitês cívicos, que poderiam apresentar candidaturas independentes; a convocação de uma assembleia nacional constituinte para 2016; e o adiamento das eleições em dois meses para que as mudanças já estivessem em vigor no pleito deste ano.

Contudo, a reforma política não se concretizou e, frente à manutenção das eleições para o próximo domingo, analistas esperam uma taxa recorde de abstenção e de votos nulos e brancos. Embora as manifestações tenham como alvo o presidente Perez Molina, militar reformado e membro do conservador Partido Patriótico, pesquisas apontam o também conservador Manuel Baldizón, do partido Liberdade Democrática Renovada (Lider) como favorito, com 24%. Baldizón é empresário do ramo hoteleiro e chegou ao segundo turno com Peres Molina em 2011. Até o momento as pesquisas indicam a realização de um segundo turno com o candidato e ex-comediante Jimmy Morales, que alcança 18% das intenções de voto. Os setores de esquerda estão divididos: a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG-MAIZ)/Movimento Político WINAQ apresentou a candidatura de Miguel Ángel Sandoval Vásquez e a Convergência pela Revolução Democrática/Conselho do Povo Maia, que inclui, dentre outros, setores que formavam a ANN não apresentará candidato presidencial. Apesar do descontentamento generalizado com Molina, a esquerda tem baixa incidência na sociedade guatemalteca, o candidato da URNG apresenta cerca de 2% das intenções de voto nas pesquisas. Na terça-feira, 1º de setembro, o Congresso aprovou a suspensão da imunidade de Perez Molina. Embora este fato não implique em destituição automática do cargo – que termina oficialmente em janeiro –, abre caminho para um processo judicial para investigar seu suposto envolvimento com os casos de fraude aduaneira, denunciados em abril pela Comissão Internacional contra a Impunidade (CICIG), órgão da ONU criado em 2007 para apoiar o sistema judicial guatemalteco.

Análise: Terra Budini, internacionalista

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