Leia íntegra da Carta de Porto Alegre sobre a dívida dos Estados
Leia a seguir a íntegra da carta divulgada ontem pelos governadores de oposição.
Carta de Porto Alegre
Os brasileiros têm pago um preço insuportável por uma aparente estabilidade monetária que, especialmente nas últimas semanas, tem demonstrado toda a sua fragilidade. Assistimos o acelerado desequilíbrio das contas externas, a corrosão das finanças públicas, o sucateamento do mercado interno e o desemprego crescente, fruto de um modelo econômico injusto que fincou suas estacas na areia movediça dos capitais flutuantes e tornou Brasil refém dos grandes especuladores internacionais que cada vez cobram um preço mais elevado da nação. Temos certeza que este é um tema de interesse dos governadores de todos os Estados da Federação.
Os Estados brasileiros são vitimados de várias formas por este modelo. A queda produtiva reduz a arrecadação, enquanto as dívidas crescem no ritmo alucinante das taxas de juros. Não bastasse isso, o governo federal agrava esta situação com iniciativas que retiram ainda mais recursos dos Estados para atender os compromissos macroeconômicos da União.
Há uma dívida a ser paga e nenhuma iniciativa foi tomada pelos Estados brasileiros e seus governadores reunidos em Porto Alegre no sentido de negá-la. No desejo de firmar um compromisso que permita a viabilização das finanças e a manutenção da autonomia das unidades da Federação, propõe-se alterações no modelo de renegociação da dívida.
Da mesma forma, faz-se urgente reformar a Lei Kandir, acabar com o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e ressarcir os Estados de seus créditos junto à União. Igualmente defendemos a revisão dos critérios de alocação de recursos orçamentários da União de sorte a assegurar um tratamento equitativo na Federação.
Neste sentido, os governadores aqui reunidos esperam que, na audiência marcada para o próximo dia 9, o presidente da República aceite repactuar a dívida dos Estados em termos compatíveis com a realidade e o interesse público e anuncie o fim imediato das retaliações inaceitáveis contra entes da Federação, inclusive junto a organismos internacionais.
Propostas para o entendimento com o governo do União:
1. aceitamos as condições de prazo proposto pelo governo de 30 anos e de juros de 6% ao ano, desde que o comprometimento da receita líquida não ultrapasse a 5%;
2. que as dívidas dos Estados sejam consolidadas em uma única dívida, acabando com os critérios de intra-limite e extra-limite;
3. que as secretarias de Fazenda dos Estados e do Ministério da Fazenda possam rever o valor real da receita líquida de cada Estado para efeito do cálculo;
4. como a situação alarmante verificada nos Estados advém de administrações anteriores, faz-se necessário um prazo de carência, com a suspensão dos pagamentos enquanto perdurarem as negociações;
5. o reposicionamento da data de cálculo da dívida mobiliária, de 31 de março de 1996 para junto de 1993;
6. a inclusão no saldo devedor da dívida refinanciada do valor referente à amortização extraordinária (conta gráfica);
7. os mecanismos que impedem os Estados de obterem novos financiamentos devem ser revistos;
8. a anulação da autorização à União para bloqueio e transferência de receitas dos Estados para o pagamento de dívidas;
9. revogação de todas as cláusulas contratuais que obriguem a venda de patrimônio, ou instituição financeira pública, e que acarretem a perda de autonomia de decisão democrática nos Estados.
Porto Alegre, 5 de fevereiro de 1999
Governador do Rio de Janeiro
Itamar Franco
Governador de Minas Gerais
João Alberto Capiberibe
Governador do Amapá
Jorge Vianna
Governador do Acre
José Orsírio Miranda dos Santos
Governador do Mato Grosso do Sul
Olívio de Oliveira Dutra
Governador do Rio Grande do Sul
Ronaldo Lessa
Governador de Alagoas
Publicado no Jornal Folha de São Paulo, 6/02/99