“Na ocasião os familiares de Jaime Wright lhe contaram, emocionados, que ele preferia não se expor, mas que seu voto era firme no PT.”


Nomeação de Campelo: briga boa para Jaime Wright

Por Paulo Vannuchi*

Nos últimos 14 anos, não foram poucos os episódios em que a nomeação ou promoção de policiais e militares comprometidos com a prática de torturas durante a ditadura militar pôde ser barrada pelas denúncias da sociedade civil. O reverendo Jaime Wright, de seu discreto retiro em Vitória, no Espírito Santo, foi sempre um corajoso baluarte dessa vigilância democrática. Das prateleiras de seu escritório, onde guardava os muitos volumes do Projeto Brasil: Nunca Mais, disparava rapidamente respostas precisas para as consultas que lhe eram feitas às pressas por jornalistas ou militantes dos Direitos Humanos.

A desastrada e intolerável nomeação de João Batista Campelo para a chefia da Polícia Federal, acusado taxativamente pelo professor de Filosofia e ex-sacerdote João Antônio de Magalhães Monteiro de envolvimento com as torturas que sofreu no Maranhão em agosto de 1970, é o primeiro episódio em que essa resistência democrática é exercida sem a inestimável contribuição direta do Pastor.

No sábado 29 de maio, em Vitória, Jaime Wright teve seu sono interrompido por fortes dores no peito e pediu à esposa, Alma, sua companheira durante quase 50 anos, que chamasse um médico. Mas não houve tempo. Um infarto fulminante atingiu o coração generoso, que tinha suportado a duríssima experiência de ter um irmão assassinado sob torturas em 1973, e mantido pelo regime militar na condição de desaparecido, o ex-deputado catarinense Paulo Wright, dirigente da Ação Popular Marxista-Leninista do Brasil.

Filho de um pastor norte-americano e pai de cinco filhos, Jaime Wright deixou também oito netos. Pastor e dirigente da Igreja Presbiteriana, tornou-se uma espécie de braço direito de Dom Paulo Evaristo Arns para a questão dos Direitos Humanos desde o início dos anos 70, tendo participado do comitê de defesa dos refugiados do Cone Sul, mais conhecido pelo nome de seu informativo Clamor. Em outubro de 1975 concelebrou, ao lado de Dom Paulo e do rabino Henry Sobel, o histórico ato ecumênico na Catedral da Sé em memória do jornalista Wladimir Herzog, assassinado pela ditadura.

Entre 1979 e 1985 foi o elo de ligação entre o Cardeal Arns, o Conselho Mundial de Igrejas e a equipe que realizou a pesquisa do projeto Brasil: Nunca Mais, atuando como uma espécie de coordenador na fase final de redação e divulgação dos resultados, responsabilizando-se diretamente por várias traduções e edições do livro nos Estados Unidos e na Europa.

Na noite da terça-feira 9 de junho, 48 horas antes do trágico acidente em que o PT perdeu duas figuras que causarão uma lacuna irreparável em nossas fileiras – Beth Lima e Otaviano de Carvalho –, Lula fez questão de incluir em sua puxada caravana pelo Espírito Santo uma breve visita à viúva do reverendo. Na ocasião os familiares de Jaime Wright lhe contaram, emocionados, que ele preferia não se expor, mas que seu voto era firme no PT.

Neste momento em que os dias do torturador Campelo como diretor Geral da Polícia Federal, segundo todas as previsões racionais, já estão contados, sendo inevitável para FHC determinar sua urgente demissão, a força e o êxito do protesto contra sua indicação demonstram que Jaime Wright, antes de nos deixar, preparou muito bem um eficiente contingente de continuadores.


* Paulo Vannuchi é jornalista.

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