Brasília debate mudança do clima e sustentabilidade ambiental
Evento reuniu especialistas para discutir perspectivas do Brasil e do mundo e para lançamento de livro da série Projetos para o Brasil
Debates acalorados, diferentes pontos de vista e dados – muitos dados – marcaram a noite de segunda-feira, dia 10 de agosto, em Brasília (DF), com um evento duplo organizado pela Fundação Perseu Abramo (FPA) e pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores (SMAD): o lançamento na capital federal do livro Sustentabilidade Ambiental – Avanços e Desafios do Desenvolvimento no Brasil (baixe aqui), parte da série Projetos para o Brasil, e da Roda de Prosa sobre Mudança do Clima.
Gilney Viana, militante histórico do PT e membro do Coletivo Nacional da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do partido, abriu a mesa e coordenou os trabalhos na sede do Diretório Nacional. Na primeira parte da noite, houve a apresentação do livro, organizado por Egon Krakhecke, engenheiro agrônomo e assessor da presidência da Agência Nacional de Águas (ANA), contando com alguns dos autores, como a economista Marccella Berte, o diretor-presidente da ANA Vicente Andreu, e o PhD em ciências ambientais Volney Zanardi.
Em seguida, teve lugar o debate propriamente dito, tendo como participantes o professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Viola; Carlos Rittl, do Observatório do Clima; José Domingos González Miguez, da Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente; e compondo a mesa Marccella Berte e Maria do Socorro Gonçalves, membro do Coletivo Nacional do Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT.
Presidente do Conselho Curador da FPA, o poeta Hamilton Pereira ressaltou o valor do subsídio ao debate. “Temos a obrigação de buscar entender o processo de longo prazo apesar da fumaça e das dificuldades de se ver o presente. O papel da FPA, do PT, desde sua criação, é abrir espaço para se expressar o pensamento de esquerda. Tocar o tema da sustentabilidade é elemento qualificador no ciclo de desenvolvimento que buscamos. Por isso temos de oferecer oportunidade à leitura e ao debate.”
Avanços e desafios
Marccella Berte, autora do artigo Juventude e meio ambiente, falou da “importância da esquerda propor uma nova postura socioambiental como parte do tripé de desenvolvimento econômico e social. Provocar mudança de valores individuais e coletivas pra criação de uma sociedade ecológica e solidária. Andreu, autor de Cantareira, água em cântaros, lembrou da crise da água, especialmente o caso paulista, e destacou: “Aprendemos três questões: a fragilidade da oferta; os padrões de uso abusivos; e a baixa capacidade de resposta dos organismos responsáveis.”
Zanardi, autor de Legislação ambiental, afirmou: “temos uma legislação ambiental que tem evoluído, a de resíduos, por exemplo, com vários impactos, sociais e econômicos. Mas o foco do artigo é mostrar a necessidade de o governo federal tomar o papel de coordenador de implementação. É preciso uma pactuação nacional sobre os temas. Falta mais estratégia pra construção de instrumentos de implementação, de uma política nacional de meio ambiente.”
Organizador e autor de dois artigos no livro, Krakhecke falou sobre o foco da obra. “É a sustentabilidade ambiental, mas incorporando a visão multidimensional do desenvolvimento social, econômico, político, democrático, na análise. E ênfase nos avanços e desafios desses 12 anos de gestão petista”. E, para fazer uma ponte ao debate que se seguiria, cravou: “Qual tem sido o grande vetor da contribuição brasileira para o aquecimento global e para degradação de recursos naturais? A pecuária bovina de corte. O avanço predatório da fronteira agrícola.”
Baixo carbono
Tendo como pano de fundo as propostas e debates que farão parte da 21ª Conferência das Partes (COP21), no final do ano, na França, os presentes discutiram os avanços e entraves globais e nacionais quanto ao tema da mudança climática. Eduardo Viola foi o primeiro a falar. “Tivemos uma dinâmica internacional entre 1990 e 2007, um período de crescimento econômico intensivo em carbono. A partir de 1996, houve uma fraqueza do estado de direito no Brasil, grande parte do desmatamento era legal, um comportamento predatório. A partir de 2005, há uma virada extraordinária de redução dramática do desmatamento e da produção de carbono.”
O professor continuou, ressaltando um novo ciclo da economia mundial, de 2008-2015, um pouco menos intensivo em carbono. “Até 2007, os esforços de redução estavam apenas na União Europeia (UE) e Japão. Após, esse esforço se estende para os EUA e até a China. Mas esta hoje é responsável por 30% das emissões mundiais. Há um tripé central, EUA-UE-China, em todos os tópicos: consumo, militar, político, econômico, emissões. E aí um segundo grupo, onde o Brasil se inclui, mais Índia, Japão, Rússia, Canadá, etc. São relevantes em termos de produção de mudança climática também.”
Para Viola, a Conferência de Paris tem importância, mas menos do que aparenta. “A dinâmica de forças do sistema internacional depende das forças internas dos países, cada um tem forças conservadoras do status quo e forças reformistas. A conferência vai produzir um tratado fraco, muito aquém do necessários para evitar os danos que causamos”. No âmbito nacional, Viola, deixou algumas propostas: estabelecimento do Estado de Direito na Amazônia, com o fim do desmatamento; forte alocação de recursos no programa de agricultura de baixo carbono; eficiência energética, fomento ao etanol; fim de subsídios ao petróleo e taxação do carbono, taxação do setor que ele chama de ‘complexo petroleiro-automobilístico’; promoção do transporte público, das ferrovias; promoção da energia elétrica, solar; e o que ‘ambientalistas não vão gostar’: o fim das hidrelétricas a fio d’água. “Devemos aprofundar a construção de hidrelétricas com reservatórios, mesmo na Amazônia.”
Acordos internacionais
Carlos Rittl, do Observatório do Clima, veio munido da apresentação Brasil, Mudanças Climáticas e COP21 (leia aqui e baixe) e afirmou que além do Acordo de Paris, o Brasil irá definir sua proposta, como fez em 2009, quando o país tomou suas próprias iniciativas. “Apesar da dificuldade dos acordos internacionais, são efetivos. Há benefícios em trabalhar a agenda da redução de carbono, como geração de renda, aumento de empregos, etc. Mitigar a emissão pode ser lucrativo. Políticas de baixo carbono e atividades de baixa emissão, proteger e replantar florestas. Investir em uma economia de menor emissões pode nos beneficiar em potencialidades que o Brasil possui.”
Para ele, mudança climática diz respeito à qualidade de vida e impacto na economia. “Houve um aumento da frequência dos desastres naturais no mundo, de 1980 a 2012, inclusive no Brasil. Apenas este ano, 1.494 municípios decretaram estado de emergência ou de calamidade pública até agosto. Afetam a todos mas muito mais as populações pobres. Regiões como o semiárido irão sofrer ainda mais. Deveríamos chegar a 2050 neutralizando nossas emissões. Descarbonizar e investir em técnicas de retirada de carbono da atmosfera. A COP21 é um novo regime, deve ambicionar com um compromisso robusto o brasil.”
José Domingos González Miguez, da Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente, colaborou com a apresentação O Brasil e a Conferência de Paris (leia aqui e baixe). Entre os números, a queda de 41% na emissão de carbono no país entre 2005 e 2012, em grande parte efeito da redução do desmatamento. “Hoje o cenário é diferente, os setores agropecuários e também o de energia é que estão crescendo no bolo de nossas emissões”. Miguez é confiante quanto aos tratados. “Estamos saindo do paradigma da globalização para o de olhar para si, para suas matrizes nacionais. Pode ser perigoso no caso da China e Índia, o que reforça a importância da COP21, dos acordos internacionais, porque criam um constrangimento se o país não cumprir os acordos”. Após as falas, seguiu-se um intenso debate com os presentes.
Fotos: Sergio Silva