A gravidade da situação da agricultura
“O Governo prefere novamente criminalizar os trabalhadores e suas organizações.”
Para a sociedade brasileira
O governo Fernando Henrique Cardoso implementou um modelo agrícola, desde seu primeiro mandato, que representou a marginalização da agricultura nacional e o empobrecimento violento dos trabalhadores que vivem no meio rural. Denunciamos esse modelo há muito tempo. Não fomos ouvidos. O governo preferiu o caminho fácil da propaganda ilusória ou acusações de oposicionismo.
Recentemente foram divulgados dois estudos de especialistas do próprio governo, como o do prof. Guilherme Dias, que revelam a gravidade das conseqüências desse modelo. Nos últimos anos, 900 mil pequenas propriedades, com menos de cem hectares foram à falência. Das 700 mil propriedades do setor PATRONAL, apenas 88 mil estão se viabilizando. Dos 4 milhões de agricultores familiares, apenas 700 mil terão viabilidade. Há um empobrecimento generalizado e na média, nenhuma propriedade até 50 hectares consegue ter uma renda mensal superior a um salário mínimo. Dois milhões de assalariados rurais perderam seu trabalho. O crédito rural que atingia na década de 80, aproximadamente 18 bilhões de dólares anuais, agora se limita a 8 bilhões de reais. E continua cada vez mais escasso e longe dos agricultores familiares. A produção de grãos está estagnada, há dez anos, na faixa de 80 milhões de toneladas.
Na reforma agrária, o governo preferiu a propaganda virtual do que a realidade dura e crua. Não é verdade que assentou 80 mil famílias, em l999. Os dados oficiais do INCRA revelam que foram assentadas apenas 25 mil, através da desapropriação. O Ministro prefere ir à imprensa criando novas saídas milagrosas como entregar aos governadores estaduais a responsabilidade repassando a eles o Pronaf, o ITR , o Banco da Terra, os ônus de fazer os assentamentos e sofrer as pressões sociais. Todos os estudiosos revelam que o PRONAF é insuficiente e suas condições burocratizadas e desajustadas para as necessidades dos pequenos agricultores e assentados. O ITR só se viabiliza se houver vontade política de cobrança da receita federal, que pode casá-lo com o cadastro do imposto de renda e com outras formas de controle. O Banco da Terra, não passa de uma ilusão, TODAS as entidades que atuam no meio rural são contra, menos o Ministro, o Banco Mundial e os fazendeiros.
Além disso, o governo privatizou a construção das hidrelétricas que romperam acordos com os agricultores atingidos
Diante da gravidade da situação, os trabalhadores tem o direito e até o dever se organizar e lutar por sua sobrevivência. Durante o mês de abril e neste começo de maio, todas as organizações de trabalhadores rurais se manifestaram, com ocupações de terra, passeatas e mobilizações. Há nesse momento mais de 500 acampamentos envolvendo mais de 150 mil famílias, vinculadas ao movimento sindical, ao MST, à CPT, ao MLST e a outros movimentos. Estradas e prédios públicos foram ocupados para manifestar a gravidade da situação. Em nenhum deles houve orientação para depredar.
O Governo prefere novamente criminalizar os trabalhadores e suas organizações. O Ministro vai à imprensa acusar o Movimento Sindical, o MST e as entidades de apoio de manterem funcionários do INCRA como reféns. A própria entidade dos funcionários, a CNASI, refutou essas acusações. Estimula os governos estaduais a utilizar a violência para conter os justos reclames. Mais uma vez assistimos à violência desnecessária das Polícias Militares, especialmente em São Paulo, Paraná e Pernambuco. Sempre dissemos que PM não resolve problemas sociais, só cria mais um, o da violência social. Além disso orientou para que as lideranças sejam incriminadas por formação de bando e quadrilha. As verdadeiras quadrilhas, reveladas pela CPI, estão muito próximas do governo.
Não bastassem os episódios vergonhosos da repressão das mobilizações pacíficas dos movimentos indígena, negro e popular, pela PM da Bahia, agora, assistimos a postura truculenta do Governo do Paraná. Durante o ano de 1999, houve dois assassinatos, oito casos de tortura, dezenas de despejos ilegais e 173 prisões arbitrárias. Só nos dois primeiros meses deste ano foram executados 12 desejos violentos, com 96 prisões e 46 feridos entre eles mulheres e crianças. Ontem, em manifestação contra a política agrícola do Governo Federal, pelo menos 1 assassinato, mais de 70 feridos, e a estúpida proibição de os trabalhadores rurais não poderem entrar na capital. Repete, o governo Lerner, atitudes do tempo do Feudalismo, quando os camponeses-servos eram proibidos de entrar nos castelos medievais. O Governador Lerner envergonha nossa sociedade. Trata de outra forma seus amigos corruptos da polícia, como a CPI do Narcotráfico tem demonstrado , e da Prefeitura de Londrina…
De outro lado, a impunidade continua. O levantamento realizado sistemática e rigorosamente pela Comissão Pastoral da Terra revela, que nos quinze anos de redemocratização de nosso país, foram assassinados no campo, 1.169 pessoas, entre lideranças de trabalhadores, sindicalistas, religiosos, advogados, e até dois deputados estaduais. Destes casos, apenas 58 foram julgados em Tribunais. Houve só 11 condenações. Oito dos condenados estão foragidos e apenas três cumprem pena. Denunciamos esta situação à OAB, à Câmara dos Deputados, ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, à Comissão de Direitos Humanos da ONU e da OEA. Mas todos continuam impunes.
Qual tem sido a atitude das organizações dos trabalhadores rurais? Temos procurado acima de tudo o diálogo. Somente nesse ano foram inúmeras as audiências da CONTAG, do MPA, do Movimento de mulheres rurais e do MST, com diversos ministros, e inclusive com a Presidência da República. E a resposta sempre é evasiva. Em recentes audiências, o Diretor do Banco do Brasil, o Presidente do INCRA, o diretor do Pronaf, foram unânimes em dizer que nossos pleitos eram justos, mas que nada poderiam fazer sem a decisão dos Ministérios da área econômica, que são de fato os que mandam.
Diante desse quadro, alertamos a sociedade brasileira para a tensão social que se agrava no meio rural, como consequência do modelo agrícola imposto. As populações do campo não estão se organizando por ideologia ou manipulação política, mas por terem seus direitos aviltados e suas possibilidades de vida digna negadas.
O Governo FHC enviou recentemente carta dizendo querer o dialogo: é hora de dar provas concretas e se sentar com as organizações de trabalhadores, para debater a sério as mudanças que o meio rural espera ansiosamente.
Brasília, 3 de maio de 2000.
Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo