” É uma conquista irreversível do povo brasileiro, que já não se contenta só com as perspectivas de direitos políticos, sociais e econômicos, pois chegou a hora de exigir os direitos de moralidade pública no país.”

Entrevista com o senador José Eduardo Dutra*

O presidente Fernando Henrique Cardoso veio a público no dia 02 de abril de 2001 divulgar a criação da Corregedoria-Geral da República, com o argumento de que tal medida representa a vontade do governo de apurar denúncias de corrupção e punir seus responsáveis. Com este episódio, o site da Fundação Perseu Abramo entrevistou via e-mail o senador José Eduardo Dutra (PT-SE), um dos relatores do requerimento para abertura da CPI da Corrupção no Congresso Nacional, para esclarecer algumas questões pertinentes relacionadas à criação da Corregedoria-Geral e à impunidade que envolve os casos de corrupção no âmbito da Administração Pública Federal.

Leia a entrevista a seguir

Senador José Eduardo Dutra (PT)
  A criação da Corregedoria-Geral da República implica limitações de poder para averiguar e punir casos de corrupção do governo? Por que?

O novo órgão não terá poderes plenos de investigação e vai estar atrelado diretamente à Presidência da República. O governo já conta com órgãos de auto-fiscalização – as Secretarias de Controle Interno (CISETs) – que não detectam as irregularidades administrativas porque elas não possuem independência funcional. Um órgão de governo não tem condições de fiscalizar o próprio governo. Uma investigação conseqüente dos atos do Poder Executivo só pode ser realizada por agentes externos, como as Comissões Parlamentares de Inquérito, o Ministério Público e o TCU.

É importante lembrar que um dos primeiros atos do governo FHC foi acabar com a Comissão Geral de Investigação, criada pelo ex-presidente Itamar Franco para dar prosseguimento às investigações da CPI do Orçamento contra os corruptores.

A preocupação do presidente Fernando Henrique com a investigação de denúncias de corrupção em seu governo chega com mais de seis de atraso. Na verdade, a criação da Corregedoria não passa de uma “cortina de fumaça” para tentar evitar a CPI da Corrupção.

O presidente FHC afirmou durante o pronunciamento do dia 02 de abril de 2001 que a criação da CPI da Corrupção é uma “manobra eleitoreira da oposição”. O senhor concorda? A criação da Corregedoria, nesta lógica, não representa ainda mais a intenção de obter vantagem eleitoral frente a opinião pública ao entender que tal medida foi tomada para abafar os inúmeros casos de corrupção que envolvem cargos de confiança do governo?

A sociedade não aceita mais a impunidade. O resultado da pesquisa da ‘Folha de São Paulo’ mostra claramente que existe um apoio majoritário da população para a criação da CPI da Corrupção. O arremedo do “pacote de combate à corrupção” do presidente Fernando Henrique é um factóide, que busca melhorar a sua imagem frente à opinião pública. Não basta cooptar os parlamentares para não assinarem o requerimento da CPI, o governo sabe que o problema maior está na maioria silenciosa que pode lhe infligir uma grande derrota nas próximas eleições. Este fenômeno aconteceu com o ex-prefeito Celso Pittta que conseguiu obstruir e manipular as CPIs dos vereadores paulistas, mas pagou um alto preço por isso nas urnas.

Ainda em no discurso de segunda-feira (2 de abril), Fernando Henrique Cardoso afirmou que seu governo é democrático e assegura os direitos dos cidadãos. Permitir que tantos processos de corrupção, como as tantas denúncias de desvio de verbas públicas em favorecimento particular, permaneçam impunes é garantir os direitos dos cidadãos?

A noção da cidadania em nosso país está evoluindo e o valor da ética na política encontra-se em processo de sedimentação na consciência da sociedade. As últimas eleições consagraram este princípio que ganhou muita força com o impeachment do ex-presidente Collor e, infelizmente, ficou latente durante o primeiro governo FHC.

É uma conquista irreversível do povo brasileiro, que já não se contenta só com as perspectivas de direitos políticos, sociais e econômicos, pois chegou a hora de exigir os direitos de moralidade pública no país.

A medida do presidente dará ainda mais força para a criação da CPI da Corrupção ou, como afirmam os jornais, dificultará a coleta de novas assinaturas no Congresso Nacional?

Não acredito que esta iniciativa do governo federal interfira na disposição dos parlamentares em relação à proposta de criação da CPI. A criação da Corregedoria é uma “jogada para a torcida”, enquanto o método utilizado pelo presidente Fernando Henrique para pressionar os parlamentares é subterrâneo e adota o expediente do toma-lá-dá-cá. É lamentável observar que mais uma vez as verbas do orçamento vão ser queimadas para que o Congresso Nacional não investigue os podres desse governo.


*O senador José Eduardo Dutra ocupa atualmente a presidência do Partido dos Trabalhadores de Sergipe e é membro da Comissão Executiva Nacional do PT.
Semana 2 a 6/04 de 2001

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