Entrevista com Gustavo Venturi
Gustavo Venturi aborda as eleições.
Entrevista com Gustavo Venturi *
Qual o perfil dos eleitores de Lula nestas eleições e em que esse eleitorado difere das eleições anteriores?
Lula cresceu em todos os segmentos. Ele começou estas eleições em um patamar superior ao das eleições passadas, sobretudo em comparação às de 1989, com um crescimento bastante generalizado.
Desde o início da candidatura Lula já se observava um enraizamento espalhado em todo o país. Nas eleições de 89, Brizola foi muito bem votado no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, mas Lula consegue ir para o segundo turno porque tinha uma votação espalhada por vários estados. A diferença entre os dois candidatos foi de 0,6% e só não foi maior, como previam as projeções da época, porque nos estados onde Lula era muito bem votado o índice de abstenções foi maior que o esperado. A votação estava concentrada nas grandes capitais, entre a população mais escolarizada e alguns setores do movimento sindical organizado que tinham um vínculo mais forte com o surgimento do PT.
Em 1994 e 1998, Fernando Henrique tira a grande diferença de Lula, vencendo a eleição de 98 já no primeiro turno, não pelo resultado das grandes capitais e grandes municípios nos quais a disputa era mais equilibrada, mas pelos municípios médios e pequenos do interior do país onde Lula não tinha boa votação.
Em 2002, o PT – que vinha crescendo ao longo de toda a década de 90 – chegou nos pequenos municípios. Então, nestas eleições, mais do que nunca, a votação em Lula foi quase homogênea entre as grandes e pequenas cidades, sendo que ainda houve uma vantagem na votação das cidades grandes e capitais.
Pode-se dizer que Lula nunca foi tão votado pelos segmentos com alta escolaridade e renda como nesta eleição?
Com relação à escolaridade, a maior parte das pesquisas apontava que Lula era mais votado pelas camadas com nível superior, o que não significa com maior renda. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha mostrou que Lula tinha mais de 50% do total de votos (somando indecisos, brancos e nulos) dos eleitores com escolaridade superior.
Isso não nos surpreende, pois os eleitores dos candidatos do PT têm esse perfil muito acentuado. Mas no caso de Lula surpreendeu por ter alcançado um patamar tão alto entre os eleitores de nível superior e também nos demais segmentos com outros níveis.
O contraste foi maior entre os eleitores de nível superior e não necessariamente renda alta. Temos o segmento de renda alta mas de baixa escolaridade que se comporta de forma bastante conservadora. São pessoas que manifestam um preconceito maior com o fato de Lula não ter escolaridade superior.
O eleitor de Lula vota também nos demais candidatos do PT? Como o eleitor se comporta com relação à questão partidária?
A votação do Lula sempre foi maior que a do PT. Quando Lula teve 15,5% no primeiro turno das eleições de 89, o PT mal chegava aos 10%. Em 1994, quando Lula teve 22%, seu partido estava começando a disputar com o PMDB com 13% a liderança da preferência partidária no país. Quando Lula teve 27%, em 1998, o PT já passava um pouco à frente do PMDB. Agora em 2002, Lula teve 46% dos votos e o PT é de longe o partido de maior preferência, se distanciando do PMDB. A pesquisa Ibope do dia 2 de setembro mostra que o PT tem hoje 23% da preferência nacional. O que significa que dos 50% da população, que possui preferência por algum partido, praticamente a metade prefere o PT. A soma dos demais partidos representa a outra metade.
Portanto, do ponto de vista eleitoral, Lula sempre foi maior que o PT. Isso, associado ao fato de que em nossa cultura política o voto é muito personalizado na figura do candidato, faz com que tenhamos muitas incongruências nas votações dobradas. Quando Maluf estava na frente nas pesquisas de disputa pelo governo do estado de São Paulo era comum flagrarmos o voto Lula/Maluf, o que deve ter acontecido mesmo com a queda de Maluf para o terceiro lugar.
Nestas eleições os candidatos petistas desenvolveram uma estratégia de se vincularem ao Lula e ao PT. A estratégia deu certo na maior parte dos estados e, mesmo não tendo passado para o segundo turno em alguns, os candidatos mostraram um crescimento expressivo, sobretudo na reta final. É o caso, por exemplo, do Ceará, onde José Airton (PT) concorre com Lúcio Alcântara (PSDB) que ficou com 49,76%, faltando 0,3% para a finalizar no 1º turno, e do Distrito Federal, onde Geraldo Magela (PT) conseguiu reverter a vantagem em relação a Joaquim Roriz (PMDB), que se mantinha com grandes chances de vencer também no 1º turno, e disputa o 2º turno.
Em alguns estados que o PT não passou para o segundo turno, faltou um terceiro candidato com densidade eleitoral. Foi isso que aconteceu com Humberto Costa em Pernambuco contra Jarbas Vasconcelos (PMDB) e também com Jacques Wagner na Bahia, que concorria praticamente sozinho contra o Paulo Souto (PFL), entre outras situações.
Que avaliação pode ser feita das pesquisas de intenção de voto neste primeiro turno?
A rigor as únicas pesquisas que são conferidas pelas urnas são as de boca de urna, pois abordam o eleitor na saída da votação, pedindo para que ele reproduza em uma cédula os números nos quais votou. Em função do voto eletrônico esse sistema não foi possível e os institutos que costumavam fazer essas pesquisas não fizeram. Apenas o Ibope fez uma nacional e o resultado não foi muito bom, principalmente do ponto de vista da votação de Lula. Tinha-se uma amostra muito grande, com cerca de 52 mil entrevistas, em que se estimava que Lula teria 49% dos votos. Como a gente sabe, ele ficou com 46,4%, ultrapassando a margem de erro de 1%. O que não deixa de causar certo estranhamento sobre a imprecisão da pesquisa com o resultado da eleição.
No estado de Minas, o novo instituto de pesquisa Em Data, que foi organizado sob minha consultoria, fez uma pesquisa de boca de urna bastante precisa nos resultados da disputa estadual, registrando 58% para Aécio (ele teve 57,7%), 30% para Nilmário Miranda (30,7%) e 7% para Newton Cardoso (6,7%). Estranhamente, essa mesma amostra apontava 58% para Lula e as urnas apontaram apenas 53%. Fato que precisa ser melhor investigado, mesmo que saibamos ser possível uma pesquisa trazer números diferentes ao resultado das urnas.
Como explicar os casos específicos de São Paulo e Pará onde os candidatos do PT estavam em terceiro lugar e foram para o 2º turno?
Em São Paulo as pesquisas Ibope e as pesquisas que a campanha de José Genoino (PT) fez diariamente foram mais coerentes com o crescimento lento e gradual do candidato e a queda de Paulo Maluf (PPB). O Ibope chegou a divulgar uma pesquisa pública com o Genoino um ponto à frente de Maluf e uma pesquisa interna da campanha dava empate técnico para os dois.
Quem demonstrou certa incoerência foi o Datafolha que uma semana antes das eleições deu 24% para Genoino e, posteriormente, na véspera da eleição, mostrou uma queda negativa passando para 21%. A nossa avaliação é que os 24% estavam um pouco superestimados, porque até aquele momento não tínhamos captado um crescimento muito grande, observado apenas nos últimos dias, contrariando a pesquisa.
Precisamos analisar essa mudança no cenário das pesquisas também em relação ao fator escolaridade de que falamos anteriormente. O Genoino, o Nilmário e muitos candidatos petistas têm um eleitorado tradicional, que votou no PT historicamente. Ou seja, como é um voto mais politizado, mais ideológico, ele se acentua conforme a escolaridade.
A hipótese, portanto, é que parte da surpresa das urnas tem a ver com o crescimento nos últimos dias, quando grande parte da população estava decidindo seu voto entrando na chamada “onda vermelha”. Outra parte deve-se ao fato de que os eleitores do PT, com maior grau de escolaridade que o dos outros adversários, erraram menos nas urnas. Enquanto Quércia, candidato do PMDB ao Senado, ou Paulo Maluf (PPB) etc., que tinham eleitores com perfil muito popular, com baixa escolaridade, apresentaram maior erro ao votar. Na contagem dos votos válidos isso abre a distância entre ambos. Isso explica também a surpresa nesse caso.
O caso do Pará é um pouco diferente. A pesquisa do Ibope na véspera da eleição dava Jatene (PSDB) com 33%, Ademir Andrade (PSB) com 30% e Maria do Carmo (PT) com 24%. Nós tínhamos pesquisas internas acompanhando a campanha em que o quadro já não era esse. Uma semana antes Maria do Carmo tinha empatado com Ademir.
No caso do Senado era mais difícil precisar o resultado uma vez que os eleitores tinham que votar em dois candidatos? O resultado de 10 senadores para o PT era esperado?
Para o Senado temos novamente um fenômeno combinado, se pensarmos no caso do Mercadante (PT) que, com um perfil mais acentuado entre os eleitores de nível superior, teve 10,5 milhões de votos e também grande votação das camadas mais populares. Já os candidatos Romeu Tuma (PFL) e Orestes Quércia (PMDB) tinham um eleitorado com perfil inverso, cresciam conforme diminuía a escolaridade.
Quando temos dois candidatos ao Senado é mais difícil para as pesquisas captarem o resultado com precisão, porque na cabeça do eleitor o voto é mais confuso.
Acredito que o PT se surpreendeu bastante em ter elegido candidatos em alguns estados apontados por pesquisas como sem chance. Fato que deve ser mencionado é que nestas eleições o PT elegeu 5 senadoras. Do total de 14 senadores petistas em 2003, a bancada contará com 6 mulheres. As mulheres romperam com a cota dos 30% no Senado.
Como você avalia a cobertura das pesquisas de intenção de voto pelos meios de comunicação do país?
É difícil falar no geral. O que chamou muito a atenção e vale para todos os veículos do país foi o tratamento dado a Lula que já aparecia nas primeiras pesquisas na frente. O “fato noticioso” acabava sendo puxado para a disputa de 2º turno. Durante muito tempo abria-se o jornal e as manchetes apontavam para o empate entre Serra e Ciro, Ciro e Garotinho, desprezando o crescimento de Lula. Como se isso não fosse um fato relevante. Prova disso é que ele quase se torna presidente da República no 1º turno.
* Gustavo Venturi é sociólogo e coordenador do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo.