José Arbex nos concede entrevista sobre tema do livro de Perseu Abramo: “Padrões de manipulação na grande imprensa”
“A mídia é recheada de tensões, de contradições.”
Jornalismo com responsabilidade
A Editora Fundação Perseu Abramo lança “Padrões de manipulação na grande imprensa”, de Perseu Abramo, com posfácio de Aloysio Biondi. O livro tem ainda prefácio de Hamilton Octavio de Souza e apresentação de José Arbex Jr.
Para comentar o tema do livro realizamos a entrevista abaixo com José Arbex, que fala sobre manipulação na grande imprensa, responsabilidade jornalística, formação intelectual e a relação da mídia com o governo.
Foto cedida pela revista
Caros Amigos.
Arbex é jornalista da revista Caros Amigos, professor de jornalismo da PUC e editor-chefe do jornal Brasil de Fato, que será lançada no III Fórum Social Mundial, trazendo análises dos acontecimentos sob uma ótica popular do Brasil e do mundo.
Por Michelle Rusche
Suas análises sobre as distorções da grande imprensa, desenvolvidas no seu último livro Showrnalismo, caminham para a teoria da “amnésia”. As novas tecnologias (Internet, TV a cabo, etc) são responsáveis pela criação de um novo padrão de manipulação?
Eu não acho que a tecnologia seja responsável por coisa nenhuma, porque a tecnologia é um conjunto de instrumentos que tem uma certa lógica e que utilizada pelo homem pode servir para ampliar os conhecimentos, a democracia, ou pode servir para restringir a democracia. A Internet, por exemplo, é um excelente instrumento democrático, mas é também um perigoso veículo de alienação, dependendo da forma como é manipulada.
O que eu quis dizer com “amnésia construída”, fabricada, é que existe um estímulo para buscar aquilo que é aparentemente novo, que está sempre “pulando de novidade para novidade”, sem se deter em analisar criticamente o que acontece. Então, por exemplo, em uma semana sai na imprensa o caso do processo contra Jader Barbalho; na seguinte começa um escândalo envolvendo o ACM (Antônio Carlos Magalhães); depois começam as pressões contra o Iraque; três semanas depois a Coréia do Norte anuncia que vai sair do tratado de não proliferação de armas nucleares. Um mês depois acontece um novo fato e assim por diante. Como conseqüência, as pessoas nunca vão parar para analisar aquilo que aconteceu, recuperar a memória, contextualizar etc. Esse excesso de informações acaba criando a sensação de que nada é permanente no mundo e faz com que as pessoas jamais se detenham em analisar o que está acontecendo.
Na apresentação do livro de Perseu Abramo você defende que nem sempre o jornalista omite uma informação propositadamente, mas sim porque desconhece o assunto tratado. O mau preparo do jornalista é fator determinante para a manipulação? Ou as normas dentro das redações não lhes deixam outra opção. É seguir o script e pronto?
Perseu Abramo foi um exemplo de jornalista que trabalhou na grande imprensa e que jamais abandonou seus princípios, assim como Aloysio Biondi. Hoje temos um jornalista como Jânio de Freitas, por exemplo. Por que isso é possível? É possível pelo seguinte: porque a mídia não é um bloco compacto, sempre coerente e sempre perfeito. A mídia é recheada de tensões, de contradições. Nem sempre os patrões, os donos dos veículos, os donos dos jornais, podem manipular a informação do jeito que eles gostariam. Muitas vezes eles são obrigados a publicar coisas que não gostariam, porque é necessário cativar a credibilidade do público. Eu dou como exemplo a campanha das “Diretas Já” de 1984, que nenhum jornal queria publicar, nenhuma emissora queria mostrar. Mas quando um milhão de pessoas foram às ruas, não teve jeito, a imprensa teve de mostrar para não cair em descrédito. Um outro exemplo do poder da opinião pública frente à mídia é o recente golpe de Estado na Venezuela, onde toda a mídia quis “pintar” o golpe como se não fosse golpe, como se Hugo Chávez tivesse renunciado, mas a população foi às ruas para reverter o golpe. Isso mostra que a mídia não é todo-poderosa. E é neste espaço de contradição – entre o que deseja o patrão e o que mostra a realidade – que o jornalista competente pode trabalhar. Quer dizer, um jornalista que conhece o seu trabalho, que conhece História, que discute os problemas sociais, que é bem informado, que contextualiza os fatos, tem um espaço de trabalho na grande mídia, assim como tiveram Perseu Abramo e Aloysio Biondi. Muitas vezes o jornalista não ocupa o espaço que ele tem por falta de informação, porque nunca se preocupou em analisar os problemas em sua complexidade. Eu acho que os profissionais, em determinado aspecto, tem responsabilidade, sim, por aquilo que sai publicado na grande imprensa.
E o problema das escolas de jornalismo?
Este problema é fundamental. Eu sou professor de jornalismo na PUC, e até o ano passado na Cásper Líbero, e quando eu falo aos alunos que eles precisam estudar mais, ler mais, conhecer a história do Brasil, política internacional, se dedicar etc., a maioria deles faz cara feia. Quer dizer, reclamam que estou exigindo demais e não gostam que eu diga que os jornalistas, hoje, são semi-analfabetos.
Mas o que eu quero dizer é que se perguntar para uma pessoa que faz jornalismo, ciências sociais ou história, quem leu os clássicos da literatura, incluindo Grande Sertões: Veredas, de Guimarães Rosa, A Paixão Segundo GH e A hora da estrela, ambos de Clarice Lispector, incluindo as obras completas de Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, verá que uma minoria leu. Um ou outro leu alguma coisa mas uma leitura ampla, sistemática, pouquíssimos jornalistas fizeram.
E se ampliar para a América Latina, então vira um desastre. Ouviu-se falar de Borges, mas Octávio Paz, Alejo Carpentier, Adolfo Bioy Casares, Ernesto Sábato, aí é um desastre absoluto. Então eu acho que o jornalista em parte tem responsabilidade sobre o seu próprio semi-analfabetismo.
Como o leitor pode reconhecer uma informação manipulada?
A primeira providência é cuidar da própria competência intelectual. É óbvio que se alguém tem formação em História, por exemplo, sabe o que foi o Islã na Europa, que criou uma das primeiras universidades da Europa em Califato de Córdoba no século X, sobre o efeito modernizador que teve o Islã sobre a cultura ocidental, as contradições internas do mundo islâmico, o que foi a ascensão dos turcos no Império Otomano e a falência do mesmo após a 2ª Guerra Mundial. Se ele tem um conhecimento mínimo sobre isso, quando ele lê um panfleto vagabundo como a Veja, que fala do Islã com preconceito, com ódio, com mentiras e mitificações, ele vai saber que aquilo que ele está lendo é uma porcaria. Agora, se ele não sabe nada disso, não conhece o Islã, corre o risco de acreditar naquela baboseira que saiu na revista Veja.
Em grande parte se resolve o problema da informação com formação intelectual, com a contextualização histórica. Além disso, pode-se perfeitamente bem fazer parte de grupos de discussão na Internet, que proliferam e é um instrumento democrático, ou reunir grupos de amigos para fazer uma análise sistemática sobre o que sai publicado na mídia. Por exemplo, reúne-se toda semana 4 ou 5 pessoas para discutir a cobertura feita sobre um determinado assunto. Então alguém lê a Veja, outro a Folha, outro o Globo, e depois compara-se as versões, identifica-se os furos, as contradições. Só isso, já bastaria para ampliar o leque de informações. E hoje tem uma gama de publicações independentes que procuram dar uma nova visão dos temas.
Fale sobre a criação do jornal Brasil de Fato que será lançado no III Fórum Social Mundial.
Brasil de Fato será um jornal semanal com uma tiragem de 100 mil exemplares e vai tentar oferecer aos leitores uma nova voz que não a do mercado, do grande capital, e vai procurar analisar os fatos do Brasil e do mundo seguindo uma ótica que interessa ao movimento popular. No número zero, que será lançado no FSM, entrevistamos Celso Furtado, que é um dos expoentes do pensamento econômico nacional, e ele fala: olha, o problema do Brasil não é econômico como todo mundo está dizendo, não é o FMI, não são os juros… O problema do Brasil é a fome e o desemprego. Então começamos a discussão pela fome e o desemprego e depois a gente vê o que faz com o FMI, com o resto. Esse é um olhar popular, quer dizer, muda-se o foco da discussão. Não ficamos discutindo se o Brasil tem credibilidade ou não, se vai pagar juros aos banqueiros ou não. Vamos discutir que há tantos milhões de brasileiros passando fome e como vamos resolver esse problema. E a partir daí desenvolver as ações, não no caminho do que querem os grandes bancos. Esta é a proposta do jornal.
Como a grande imprensa vai se comportar com o desenrolar do governo Lula?
O que está acontecendo é que a mídia está endividada até o pescoço. Então as grandes corporações tendem a “mamar nas tetas do governo”, o que é tradicional no Brasil. Por isso adotam uma política que por um lado critica o governo e por outro alisa. É um jogo entre o governo e a mídia, não permitindo que esta seja livre para fazer críticas, pois necessita do dinheiro do governo. Em grande parte o governo terá responsabilidade sobre isso. Se ele se deixar seduzir pelo “canto da sereia” da mídia, corre o risco de entregar os pontos e se tornar refém dela.