Entrevista concedida ao Partido Socialista Francês durante o Fórum Social Europeu de 2003.

Entrevista com Ricardo de Azevedo e Alphonse Voho Sahi

No âmbito do Fórum Social Europeu (FSE), a Fundação Jean-Jaurès (FJJ), em parceria com a Federação Léo-Lagrange, organizaram um Seminário sobre o tema ” Qual cooperação internacional para promover a educação à cidadania”. Este seminário foi realizado em Saint Denis, dia 13 de novembro das 14 às 17 horas, e reuniu cerca de 150 pessoas, a maioria jovens. Na ocasião, a Fundação brasileira Perseu Abramo, representada por seu vice-presidente Ricardo de Azevedo, e a Fundação da Costa do Marfim Harris Mémel Fotè, representada pelo seu secretário-geral, Alphonse Voho Sahi, respondendo ao convite da Jean-Jaurès, lançaram a perspectiva de uma cooperação tricontinental. Guy Labertit, responsável pela cooperação internacional com África e América Latina, participou deste debate pela Fundação Jean -Jaurès, que é presidida por Pierre Mauroy.

Ricardo de Azevedo e Alphonse Voho Sahi responderam às seguintes questões:

Caro Ricardo, você poderia brevemente apresentar-nos a Fundação Perseu Abramo?

A Fundação Perseu Abramo foi criada em 1996 pelo Partido dos Trabalhadores para desenvolver projetos de caráter político-cultural. Recebeu o nome de Perseu Abramo para homenagear o jornalista e professor universitário que participou da fundação do PT. A Fundação é um espaço para o desenvolvimento de atividades de reflexão política e ideológica, estudos e pesquisas, priorizando a pluralidade de opiniões que é uma realidade do PT, sem dogmatismos e com autonomia.

A Fundação busca articular o diálogo entre o pensamento progressista, a tradição do socialismo democrático e a cultura popular, contribuindo à constituição de uma nova culltura política brasileira.

Quais são suas principais atividades e projetos?

Temos uma editora que já publicou 80 títulos sobre os diversos aspectos da vida política, social e cultural do Brasil e do mundo. Publicamos também uma revista bimensal, com debates político-teóricos.

Construimos um Centro de Documentação que organiza a memória do PT e dos movimentos sociais que estiveram na sua origem. Nosso centro de pesquisa realiza enquetes de opinião pública, já realizou importantes estudos sobre a juventude brasileira, as mulheres e a questão do racismo no Brasil.

Nosso projeto prioritário é desenvolver uma reflexão político-ideológica mediante vários seminários, oficinas, ciclos de debate que são organizados em todo o país. Seguiremos nossa cooperação com a Fundação Jean-Jaurès organizando um terceiro seminário sobre a ligação entre as forças socialistas do Brasil e do Cone Sul (Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai).

Quais foram as repercussões da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2002 no seu trabalho?

Esta eleição mergulhou o país numa situação totalmente nova e original na América do Sul. Pela primeira vez, a esquerda chega ao governo brasileiro numa coalizão com o centro. Esta novidade requer novas tarefas. Para nós, deve-se ao mesmo tempo apoiar a ação do governo e transformar-nos em um centro que seja a referência em matéria de reflexão sobre a experiência política em curso. Temos um papel essencial pois a Fundação Perseu Abramo é de certa forma a interface entre o PT, os movimentos sociais e os intelectuais progressistas do Brasil.

Alphonse, conte-nos da Fundação marfinense Harris Mémel Fotè.

A Fundação Harris Memel Fotê foi criada em outubro de 1999 por universitários e intelectuais marfinenses. A escolha do nome é uma homenagem ao célebre antropólogo, universitário marfinense, membro da Academia universal das Culturas criada por François Mitterrand e presidida por Elie Wiesel. Harris Mémel Fotê foi engajado desde do fim dos anos 50 na luta pela democracia, tanto no seu país como na África ocidental.

Nossa Fundação visa priorizar o estudo e o conhecimento da sociedade marfinense e de promover os ideais democráticos e humanistas. Mas como somos próximos da Frente Popular Marfinense (FPI), que ganhou as eleições em 2000, temos tarefas particulares. Claro, construir a memória das lutas populares pela democracia na Costa do Marfim, que deram origem à FPI que se tornaram o ator essencial há 20 anos; mas devemos também apoiar pela reflexão e debate as idéias de ação política conduzidas pelo Presidente Laurent Gbagbo.

Segundo você, qual seria a contribuição da Fundação H.M. Fotê para tirar a Costa do Marfim da crise causada pelo golpe frustrado de 19 de setembro de 2002?

Nossa Fundação pode fazer duas coisas. Em primeiro lugar, explicar, fazer compreender o que está em jogo nesta crise. Nossa vitória de certo modo incomodou a ordem nacional e internacional estabelecida e os meios políticos e econômicos conservadores nunca aceitaram de verdade nossa legitimidade popular. Eles fizeram de tudo para impedir nossa política de reformas sociais (escola elementar gratuita, projeto de seguro-doença universal, democracia local e territorial). Em segundo lugar, devemos nos lembrar de que não há segurança fora da via das urnas, particularmente no nosso continente onde a democracia é tão frágil. Entre nossas tarefas, devemos priorizar o enraizamento da cultura democrática.