Por Ernesto Pereira

O ajuste fiscal em curso no país, cujo último episódio é o corte recorde do orçamento anunciado em 22 de maio, é amplamente justificado como pré-requisito fundamental para a recuperação da confiança dos agentes e, com ela, do crescimento econômico. Nesse sentido, o ajuste de 2003, seguido poucos trimestres depois pela retomada do crescimento em ritmo superior ao que prevalecia antes do aperto, é citado como exemplo de sucesso da política. Sem discutir aqui o efetivo papel do ajuste fiscal naquela expansão, aponta-se apenas que o “sucesso” desse exemplo se deu sob condições peculiares em ao menos dois elementos decisivos no relacionamento da economia com o exterior, condições que hoje não estão mais presentes.

Em primeiro lugar, a retomada após o ajuste de 2003, assim como havia sido a de 2000 e seria a de 2010, ocorreu precisamente em um dos três anos de maior crescimento do volume de comércio mundial nas duas últimas décadas, com taxas superiores a 11% ao ano. Essa situação não deve se repetir em 2016, ano para o qual mesmo as previsões mais otimistas de expansão do comércio mundial apontam taxas inferiores a 5%.

De volta a 2003? O ajuste será novamente seguido pela expansão?

Em segundo, a recuperação a partir de 2004, assim como as de 2000 e de 2010, se deu após importante mudança na taxa de câmbio real, resultado de um processo de desvalorização que levou a moeda no início de 2003 a valer um terço a menos em termos reais do que valia dois anos antes. A apreciação que se seguiu somente levou o câmbio real ao patamar de 2000 após cinco anos, quando a retomada já estava consolidada. Já em 2015, a desvalorização foi muito aquém daquelas que precederam os episódios anteriores de ajuste e o Real se mantém fortemente valorizado em relação a essas ocasiões, isso em um mundo abarrotado de estoques e capacidade ociosa onde a concorrência é muito mais acirrada do que era então.

De volta a 2003? O ajuste será novamente seguido pela expansão?

Ou seja, diferentemente do que ocorreu após o ajuste de 2003, a eventual recuperação a partir de 2015 não contará com a forte expansão do comércio internacional e o ganho de competitividade proporcionado pela desvalorização cambial que, naquela ocasião, permitiu ao país beneficiar-se do aumento da demanda externa pelos produtos nacionais e, assim, receber um importante empuxo ao crescimento, posteriormente sustentado graças aos estímulos à demanda interna introduzidos nos anos seguintes.

Sem esse empuxo externo, a recuperação após o atual ajuste teria que se apoiar no aumento da demanda doméstica, o que, todavia, parece altamente improvável. Isto porque, no quadro de ajuste, os incentivos ao consumo têm caído rapidamente, enquanto as despesas com tributos, energia e combustíveis e com o pagamento de juros vêm crescendo, reduzindo a renda disponível da população para gastar. Por outro lado, os investimentos públicos desabaram e tendem a se manter em níveis baixos, e os investimentos privados, em um cenário de queda da rentabilidade com a elevação dos custos e a redução da demanda, também tendem a cair. De fato, nessa situação, por maior que seja o eventual aumento da credibilidade da política econômica em razão do ajuste, a postura natural do empresário não é a de investir para elevar uma produção que poderia encalhar, mas, ao contrário, a de reduzi-la e adaptá-la às novas condições de demanda contraída. Com o freio à atividade fruto dessa decisão, menos salários são pagos, reduzindo ainda mais a demanda e enfraquecendo as receitas do governo, o que leva a uma nova rodada de redução dos gastos que tende a acentuar ainda mais a queda na atividade. Com isso, e sem o impulso externo favorável presente em 2003, a eventual recuperação após o ajuste atual, diferentemente daquele ano, deve tardar, e provavelmente será precedida por uma espiral recessiva seguida de um período de estagnação.

Certamente, se bem sucedidos, os investimentos em infraestrutura resultantes do processo de concessões podem tornar a recessão menos profunda e prolongada. Além disso, ela tende a reduzir os salários de modo a recuperar parte da competitividade e, com isso, parte dos mercados de manufaturados perdidos para outros países. Contudo, ambos i. o grande salto nos investimentos de longo prazo como é o caso daqueles em infra-estrutura em um contexto de taxas de juro elevadas e grande incerteza, como ii. o crescimento robusto das exportações de manufaturados em um mundo em que países com baixíssimos custos salariais se inserem progressivamente na economia globalizada, são, no mínimo, altamente incertos. Em algum momento, a recuperação seguramente virá, reduzindo o sofrimento injustamente distribuído que a recessão produz. Dificilmente, todavia, isso se dará rapidamente como após o ajuste de 2003.