Por Jacqueline Sinhoretto

A indicação do Coronel Telhada à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo foi notícia de jornal e objeto de comentários insatisfeitos nas redes sociais. Isto porque sua trajetória como oficial da Polícia Militar foi marcada por envolvimento em ao menos 36 mortes em decorrência de ação policial. Telhada é visto por integrantes da corporação como um herói por ter liderado o batalhão mais letal, a ROTA, que sob o seu comando recuperou prestígio e desenvolveu técnicas eficazes para driblar constrangimentos institucionais ao poder letal da PM.

Segundo deputado mais votado do estado, é autor de livros e de perfil do Facebook com milhares de seguidores, que aplaudem suas posições a favor do extermínio dos bandidos, da redução da maioridade penal, críticas dos defensores dos direitos humanos e de todas as propostas de reforma das polícias. É um legítimo representante da “bancada da bala”, que vem sendo preparado por seu partido – o PSDB – para ser um dos políticos mais importantes da legenda em São Paulo. Suas candidaturas são muito bem financiadas e ele dispõe – segundo interlocutores do próprio meio tucano – de assessoria política e de comunicação, além de preparação para disputar não apenas cargos legislativos. Alguns apostam que será candidato majoritário pela legenda tucana em pouco tempo.

Telhada ocupa um espaço político que não é novo. O que ele representa já foi representado por Erasmo Dias, Maluf, Conte Lopes, Fleury Filho. E por secretários de Alckmin como Saulo de Abreu, Lourival Gomes, Ferreira Pinto.

A novidade talvez seja a “bancada da bala” passar a disputar ativamente as cadeiras da Comissão de Direitos Humanos, num momento em que aumenta a pressão por reformas no campo da segurança, nas polícias, por controle da letalidade policial. Não que as reformas estejam perto de acontecer, mas a sociedade civil está hoje mais organizada por estas pautas, que incluem a desmilitarização e a extinção da PM. Portanto, é compreensível o movimento de Telhada.

A pergunta é o que estamos fazendo nós, simpatizantes das pautas de reformas, eleitores de candidatos de esquerda, defensores de direitos humanos, para fazer frente a políticos com as pautas de Telhada no estado de São Paulo? Os candidatos de esquerda em eleições a governador não têm tido a menor chance. Desde a morte de Mário Covas, qualquer perspectiva de reforma da segurança pública desapareceu do debate eleitoral e das ações do governo. O prende-e-arrebenta prospera sendo muito pouco incomodado pela oposição. As pesquisas qualitativas apontam predileção do eleitor pelas pautas da violência do Estado (será isso mesmo?) e abalam a convicção dos comitês de campanha dos partidos, que estão deixando vazio na formulação do discurso crítico consequente para a segurança pública.

A campanha de Alexandre Padilha mobilizou setores dos movimentos sociais e da universidade para disputar a construção de um programa de governo de segurança com propostas de reformas, mudanças nas concepções de policiamento, propostas de redução de homicídios, em especial de jovens, sobretudo de negros, mecanismos eficazes de controle da letalidade, reversão do mega encarceramento. O programa continha propostas capazes de produzir impacto no controle do crime e na democratização do direito à segurança pelos territórios e pelos segmentos populacionais. Sua construção foi resultado de influências plurais, da participação de diversos grupos de interesse e segmentos de luta. Mas os formuladores do programa não podiam se reconhecer na maior parte do discurso do candidato na televisão. Em espaços de convertidos, Padilha tinha excelente discurso de reformas para a segurança. Na TV prevalecia a força do marketing eleitoral que mandava repetir o programa duro e punitivo do adversário.

Perdeu-se a eleição e a oportunidade de fazer um debate verdadeiro e profundo sobre segurança pública. Ou antes, o debate ficou restrito aos espaços onde os profissionais do marketing não conseguiram limitá-lo.

Se Telhada está sendo preparado para suceder Alckmin, quem está sendo preparado para lhe fazer frente, para competir com um programa de ação alternativo? Como foi pensado o investimento dos recursos de campanha a deputados que representam o discurso de reformas na segurança pública? PT e PSOL terão 3 deputados na Comissão de Direitos Humanos, PCdoB nenhum. É pouco. Raul Marcelo, Beth Sahão e Marcia Lia precisarão de suporte partidário para representar os movimentos sociais e defender ações e projetos de lei, além do apoio ativo dos movimentos. E será pouco.

Já passou da hora dos partidos à esquerda – penso concretamente em PT, PSOL e PCdoB por contarem com excelentes quadros na temática – compreenderem ativamente que, se em Brasília disputam contra os críticos do bolsa-família e dos investimentos sociais do Estado, aqui na pátria bandeirante seus adversários são admiradores da ROTA que se elegem ao repetir que “bandido bom é bandido morto”. É preciso assumir isto como fato e se preparar para enfrentá-lo. É preciso estudar mais, propor melhor, compreender mais profundamente o tema da segurança como política. É preciso preparar melhor os candidatos e os comitês de campanha para constituir e fortalecer propostas de ação e discursos para o eleitor que não vota em Telhada e que não quer entregar a política nas mãos da polícia. É preciso investir em candidatos e em mandatos que tenham perfil para fazer oposição ao discurso de violência.

Enquanto isto, seguimos contando os mortos da democracia paulista às centenas de milhares, demonstrando que eles são jovens, negros, das periferias, o mesmo público que os anos de governo petista incluíram no mercado de consumo, mas não incluíram no direito à vida e à liberdade.

Jacqueline Sinhoretto é professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Publicado originalmente em www.linhadireta.org.br