Democracia Sempre Mais, Ditadura Nunca Mais
Por Tássia Rabelo
Na data de hoje lembramos os 51 anos do inicio de uma noite que durou 21 anos em nosso país, e se espraiou por quase toda a América Latina. Lembramos também que junto à perseguição, à tortura, e o cerceamento de direitos, iniciou-se a resistência da sociedade brasileira contra o Estado de exceção determinado pelos militares. Os defensores da democracia e dos mais básicos direitos humanos durante este triste período da nossa história, devem receber neste e em todos os outros dias nosso respeito e admiração.
A luta destes brasileiros e brasileiras será honrada por meio da atuação constante em prol do direito à não-repetição, da realização de uma reforma institucional no pós-ditadura que tenha como pressuposto à formação de uma cultura para a paz e para os direitos humanos, estreitamente associada ao direito à memória, à verdade e à justiça. Enquanto legisladores, precisamos identificar as linhas de continuidade existentes entre as práticas autoritárias cometidas por agentes de segurança pública ontem e hoje, de maneira a apontar caminhos para as reformas necessárias à consolidação democrática.
É preciso que compreendamos como as práticas autoritárias do período ditatorial se tornaram peça fundamental da própria construção institucional do Estado brasileiro, constituindo a violência como o primeiro recurso das forças responsáveis pela proteção ao cidadão, mesmo em tempos considerados democráticos. É preciso que superemos a lógica do combate ao “inimigo do Estado”, que justificava toda sorte de atrocidades por seus agentes, e que segue regendo a relação entre as polícias e a sociedade.
Revolver o passado não parte de um gosto sombrio por rever tempos atrozes, mas sim um exercício de coragem para evitar, como vem ocorrendo, que repitamos os mesmos erros. A detenção ilegal de Amarildo para “averiguação” é um dos exemplos recentes mais eloquentes de como práticas comuns na ditadura permanecem entre nós. Amarildo foi vítima de prisão ilegal, tortura e desaparecimento forçado. Seu caso é comum em situações de ditadura, mas ocorreu no Estado Democrático de Direito, constituído mais de 20 anos após seu fim e pior, não se trata de caso isolado.
Convivemos com denúncias constantes de torturas, testemunhamos chacinas, e registramos mais de 50.000 mortos por homicídios ao ano, do quais mais da metade são jovens, e 71,44% negros. Vale ressaltar que parte significativa destas pessoas seguem sendo mortas pelo Estado, dado que nos envergonha e chama à ação.
Nossas policias são as que mais matam e as que mais morrem, lutar contra a cultura da violência é portanto proteger nossas forças de segurança e suas famílias, tanto quanto é proteger toda a sociedade e assegurar assim o aprofundamento da democracia brasileira. A adequação das forças de segurança pública aos parâmetros do Estado Democrático de Direito por meio da abolição dos Autos de Resistência e similares, a desmilitarização das polícias, e o combate ao racismo institucional, é central para enfrentarmos esses altíssimos índices de homicídios e a escalada da violência.
Hoje vivemos um tempo difícil, permeado por contradições, e é neste momento em que surgem flertes com o golpismo e pedidos de intervenção militar, que precisamos reafirmar com toda força o valor da democracia.
A Lei 12.528/2011 que criou a Comissão Nacional da Verdade tendo por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos, foi um grande um avanço, é preciso porém dar visibilidade pública ao trabalho realizado pela CNV e realizar o monitoramento da implementação de suas recomendações, dentre as quais uma das mais importante é revisão da Lei de Anistia. Crimes contra a humanidade são inaceitáveis em qualquer tempo e devem ser punidos para que jamais voltem a ocorrer. O que nos motiva não é o revanchismo, mas a busca incanssável por justiça.
A democracia brasileira ainda está em construção, tem grandes desafios dentre esses a reforma política. Para que avancemos é fundamental que realizemos uma reforma política que trabalhe a qualidade da democracia, enfrentando suas contradições, como o financiamento empresarial das campanhas eleitorais, e trabalhando novas formas de participação social, ampliando democracia direta, articulando-a com a democracia representativa.
Lembrar a ditadura é fortalecer democracia. A democracia não é algo acabado, tem que ser construída todo dia e sempre. No Brasil, nossa liberdade foi adquirida com grandes contradições, sobretudo no conhecimento que a população tem da nossa própria história recente de ditadura militar. Então, é importante rememorarmos essa data num sentido crítico e conseguirmos compreender o que o regime militar significou ao país e a toda uma geração e ainda repercute até hoje.
Neste dia 31 de março de 2015 bradamos, ditadura, nunca mais!
Tássia Rabelo é dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores