Por Gustavo Bernardes

Desde o início dos debates acerca da criminalização da homofobia no Poder Legislativo do Brasil, o movimento LGBT brasileiro e os/as parlamentares que apoiam os Direitos Humanos de minorias tentam estabelecer um diálogo com os parlamentares conservadores, em especial os/as parlamentares da chamada “bancada evangélica”1. O diálogo visava sempre construir um consenso sobre a necessidade de criminalização da homofobia que tem levado quase uma vida por dia no Brasil.

O crescimento do ódio e da intolerância tem-se refletido na crescente violência contra a população LGBT. Em 2011, 266 pessoas LGBT foram assassinadas no Brasil. Em 2012 o número de homicídios aumentou 11,51% segundo o Relatório de Violência Homofóbica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Apesar desses dados de violência homofóbica, desde o início dos anos 2000, o movimento LGBT vem tentando sem sucesso aprovar uma lei que criminalize a homofobia. Em 2014, o PLC 122, depois de manobras regimentais, foi finalmente arquivado.

Apesar da visível urgência do tema isso não comove os parlamentares da “bancada evangélica” que parecem desconhecer que o mandamento que diz “não matarás” se estende também a omissão conivente com o assassínio de seres humanos.

Mesmo parecendo, para maioria de nós, óbvio que uma lei que visa evitar uma morte por dia no Brasil seja aprovada, tal obviedade não é tão evidente para os membros da “bancada evangélica”. Em 2013, durante os debates sobre o PLC 122 no Senado federal, na condição de presidente do Conselho Nacional LGBT, pude testemunhar a forma perversa com que esses parlamentares tratam dos direitos de uma minoria que sofre violências diárias. Não bastasse o ar de deboche e desdém para com essa população durante os debates no parlamento, esses parlamentares conseguem, mesmo sendo uma minoria (são 78 parlamentares num universo de quase 600 parlamentares) criar obstáculos de toda ordem visando evitar a votação dos projetos favoráveis aos LGBT, muitas vezes com o “silêncio sorridente” dos dirigentes das casas legislativas.

Foi através desses expedientes que eles conseguiram apensar o PLC 122 no projeto do novo Código Penal dizendo que o tema deveria fazer parte do novo código e, posteriormente, quando da apreciação dos apensos ao projeto do novo Código Penal rejeitaram o PLC 122 como apenso.

E sabem como eles fazem para evitar a votação de projetos favoráveis a minorias? Simples, eles primeiramente fingem que negociam. Nesse processo tomam um tempo precioso das pessoas que, de boa-fé, tentam negociar. Durante esse processo de negociação eles se organizam para tumultuar a sessão que irá discutir o processo, usam de chantagem, buscam trocar relatores de projetos e presidentes de comissão. Também aproveitam o tempo ganho com a boa-fé das minorias para mobilizar sua “base” (geralmente pessoas da periferia de Brasília para quem eles pagam um lanche e distribuem camisetas com salmos).

Quando vi hoje (05/03/2015) a notícia de que a “bancada evangélica” havia rompido o acordo sobre a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, não me surpreendi, logo me voltou à mente as inúmeras vezes em que os senadores Paulo Paim e Marta Suplicy fecharam acordos, acordos esses que sempre acabavam por retirar itens importantes do projeto de lei e que, por fim, nunca eram cumpridos.

Atualmente temos o início de uma nova caminhada para a população LGBT no Congresso Nacional, trata-se do projeto 7582/2014 de autoria da Deputada Federal Maria do Rosário e que visa tipificar os crimes de ódio e intolerância no Brasil, alcançando além da população LGBT outras minorias. O projeto já conta com parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça. Sendo aprovado nessa Comissão, o projeto já iria diretamente ao plenário com a urgência que o tema exige. Contudo, a situação continua difícil, o Deputado Federal Jair  Bolsonaro, como era de se esperar, solicitou ao presidente da Câmara a redistribuição do projeto para a Comissão de Segurança Pública. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que surpresa, prontamente deferiu a solicitação do deputado. Veja a composição da Comissão de Segurança Pública da Câmara e entenda: Membros.

Ora, ao meu ver, diante de tal cenário, o momento é de cautela. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém e nós, como boas galinhas, não vamos dialogar com as raposas. Infelizmente considero que a melhor alternativa é colocar o projeto na gaveta e aguardarmos os desdobramentos da operação Lava Jato ou até mesmo os dois anos de mandato do presidente Eduardo Cunha. Isso não impede que movimentos de fora para dentro do Congresso Nacional sejam realizados pelos movimentos sociais e pelo Conselho Nacional LGBT.

Gustavo Bernardes, advogado, especialista em psicologia social pela UFRGS, ex-coordenador geral de promoção dos direitos de LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, ex-presidente do Conselho Nacional LGBT.

Notas:
1 – Bancada Evangélica está entre aspas pois, a Constituição Federal diz que o Estado Brasileiro é laico e, portanto, a existência de uma “bancada evangélica” é inconstitucional.

Artigo publicado originalmente no site Jovens de Esquerda.