Se na década 1990, a América Latina em geral experimentou um fortalecimento da desigualdade, a década de 2000 mostra uma inversão nos coeficientes de Gini para a grande maioria dos países da região. Em “O Brasil como pioneiro no crescimento inclusivo na América Latina: o próximo passo da política social”, um dos artigos do número 8 da Revista Política Social e Desenvolvimento, Robert Boyer busca situar a redução da desigualdade e o aumento dos gastos sociais nos países da América Latina diante do peculiar contexto econômico e geopolítico mundial em que tais fatos se deram. O autor pondera que os estados de bem-estar social latino-americanos são limitados pela tendência à privatização como obstáculo para avançar na redução da desigualdade, mas que a partir dos anos 2000, ser exportador de produtos primários – como a América Latina o é – tornou-se um trunfo, pois China e Ásia se industrializam e importam maciçamente recursos naturais. Assim, em um momento de bonança, com dívida pública moderada, grandes reservas monetárias, melhor antecipação de políticas, houve mais espaço para um modesto aumento dos gastos sociais (condicionado aos citados fatores macroeconômicos), mas ainda limitado em termos de oferta de educação pública, saúde, subsídios à habitação.
O autor aponta ainda que as jovens democracias latino-americanas (se comparadas à Europa) permitiram que demandas por proteção social fossem levadas a sério e parcialmente atendidas e que a sucessão de crises econômicas, em grande parte geradas pela rápida liberalização e abertura aos fluxos de capitais internacionais, promoveu o surgimento de políticas para corrigir efeitos adversos da adesão à crença de que os mecanismos de mercado fossem suficientes para impulsionar o desenvolvimento. Para o autor, a América Latina se saiu muito melhor durante a turbulência financeira pós-2008 que durante as crises dos anos 1980 e 1990.
Assim, parte desta bonança foi canalizada para lutar contra a pobreza, proporcionando legitimidade política e lançando uma transição para um desenvolvimento liderado pelo consumo. Mas, com o esgotamento de alguns aspectos desse contexto, o autor questiona se as políticas sociais e a diminuição da desigualdade persistirão e criarão uma grande bifurcação histórica na história da região: com o fim desse ciclo de valorização das commodities e desaquecimento do comércio internacional, o autor indaga quais poderiam ser os novos rumos e se promover inovações tecnológicas e organizacionais poderia sustentar padrões de vida elevados e possivelmente crescentes bem com contrabalançar as prováveis tendências à redução do comércio mundial. |