Seminário discute governos progressistas e de esquerda no XX Foro de São Paulo
Esta é a terceira edição do Seminário, com o objetivo de criar de um Observatório dos governos de esquerda e progressistas da América Latina e Caribe
No terceiro dia do Foro de São Paulo, realizado em La Paz, capital da Bolívia, ocorreu o IV Seminário sobre governos progressistas e de esquerda da América Latina e Caribe. Esta é a terceira edição do Seminário, após os realizados no Rio de Janeiro em 2011, Caracas em 2012 e em São Paulo, em 2013, com o objetivo de dar seguimento à criação de um Observatório dos governos de esquerda e progressistas da América Latina e Caribe.
A sessão inaugural do seminário foi realizada por Alfredo Rada, viceministro de coordenação de movimentos sociais da Bolívia, que fez as saudações iniciais e passou a palavra para Ricardo Abreu, presidente do conselho da Fundação Maurício Grabois, do Partido Comunista do Brasil. Abreu fez uma síntese do que foi debatido nos três primeiros seminários. “Os objetivos destes seminários é avaliar e discutir perspectivas dos governos de esquerda, fazer a elaboração crítica destes processos, e da luta dos partidos de esquerda do América Latina e Caribe”.
Para Abreu, desde 2011 estava clara a necessidade de pensar os governos de esquerda que ascenderam ao poder desde 1998, com a vitória de Hugo Chaves, na Venezuela. Ele destaca que dois pontos foram elaborados neste período: um combate à ideia de que existem duas esquerdas, uma “vegetariana” e outra “carnívora”, uma social democrata e outra revolucionária. “Não há duas esquerdas, há múltiplas esquerdas, que se articulam de acordo com as realidades de cada país”, disse o representante do PCdoB.
Para Abreu, integração é um dos nortes do Foro
O segundo ponto, indicado por Abreu, é a necessidade de integração, um dos nortes estratégicos do Foro. “Em 2010 foi um desafio que se colocou, de debater a estratégia e a integração como eixo de discussão, e é por isso que é uma alegria estar aqui, esperamos fazer dez, vinte seminários, porque os ataques as nossas ideias é muito forte, então temos que fazer essa reflexão e a defesa destes governos, que são nossos”, conclamou Abreu.
Na sequência a vice-presidenta da Fundação Perseu Abramo (FPA), Iole Ilíada, ressaltou que o seminário não era uma reunião isolada, mas faz parte de um projeto de integração que foi criado pelo foro de São Paulo em 2010. “O desafio dos partidos do Foro era transformar e mudar estruturalmente nossa sociedade. Isso não é simples, já que se trata de superar uma herança de quinhentos anos de exploração, de subordinação a uma ordem internacional perversa e de governos conservadores, e temos que fazer as transformações enfrentando inimigos de classe, nacionais e internacionais”, destacou.
Iole ressaltou a necessidade de integração no atual cenário geopolítico
A tarefa não e simples, acrescentou Iole, e para tanto é preciso estar preparado para enfrentá-la com a formulação de projetos, estudos e debate de ideias, e, neste sentido, foi pensado o seminário e observatório de governos progressistas. “Para esta edição do seminário pretendemos dar ênfase, sobretudo, à questão da integração, tendo em conta a atual configuração geopolítica internacional. Que desfio nos colocam, que oportunidades nos apresentam, como fazer para avançar em nossa integração, considerando a contraofensiva imperialista? Este é o resumo deste seminário, e para tanto contamos com panelistas de qualidade”, disse Iole.
A secretária de relações internacionais do Partido dos Trabalhadores, e secretária executiva do Foro de São, Mônica Valente, lembrou que há quase vinte e cinco anos atrás só havia Cuba como governo de esquerda no continente. “Hoje somos dez países governados por partidos e forças políticas antineoliberais. Isso significa um grande avanço. Estes governos foram conquistas pelas lutas de nossos povos, movimentos sociais, sindicais, contra o imperialismo, capitalismo e neoliberalismo. Isso sem mencionar a derrota da Alca em 2005, que é um feito dos mais importantes para nossos povos e nações”, avaliou.
Mônica: “hoje somos dez países com governos de esquerda”
Segundo Mônica, os governos de esquerda propõem inclusão social e política, buscando derrotar a pobreza, avançando na democracia participativa, “ampliando a soberania de nossos povos e a integração regional, por meio da cooperação e dos espaços multilaterais que conseguimos criar desde 2005.”
A seguir se iniciou o debate cujo tema foi A atual configuração geopolítica internacional e os desafios para a América Latina e Caribe, coordenada por Jaime Recinos, da Frente Farabundo Martí de Libertación Nacional (FMLN), de El Salvador.
A primeira intervenção foi de Mariano Cafardini, do Partido Solidário da Argentina, que fez uma análise a partir do materialismo histórico, destacando que a etapa atual do capitalismo é distinta da vivida no século passado, mas “há elementos que se conservam, e que exigem a elaboração de uma estratégia revolucionária adequada”.
Segundo Cafardini, há três momentos da crise do capital, um primeiro se relaciona com as dívidas da década perdida dos 1980, “que desemboca no governo neoliberalismo de Carlos Menen (na Argentina), e justamente neste momento está se fundando o Foro de São Paulo, ou seja, no auge da globalização se funda a resistência”. O segundo momento é a ida do povo às ruas, na Argentina e em outros países do globo, para questionar o neoliberalismo e a globalização.
O terceiro momento, acrescenta Cafardini, se dá a partir da crise de 2008, quando o crescimento se reduz e começa a pressão inflacionária e cambial. “Este movimento do capital, nesta etapa da globalização, não necessariamente tem que ser um triunfo para o capital. Representa uma ameaça sim, mas também oportunidades históricas, porque uma derrota dos capitais internacionais, nestas condições, poderia abrir espaço para uma nova ordem internacional”, afirmou o argentino.
Já Adolfo Mendoza, ex-senador do Movimiento al Socialismo, da Bolívia, ressaltou que a atual ofensiva conservadora é uma tentativa de enfrentar os avanços da esquerda no continente e no mundo. “Neste jogo de relações geopolíticas internacionais há um componente que não podemos perder de vista. Para além de China e Rússia, do uso da força e da matança, há o sentido de subordinação das transnacionais do império americano para subordinar a Europa aos seus desígnios”, ponderou Mendoza.
Neste sentido, apontou cinco pactos para a integração da América Latina, com o objetivo de ampliar a articulação e unidade: pacto energético, considerando não somente o petróleo, mas a produção de energias alternativas; retomar o conceito de desenvolvimento integral e os direitos da mãe terra; segurança e soberania alimentar na América Latina; soberania para combater os fundos abutres; e a luta contra os padrões de acumulação de capital “que são os que mais geram riqueza agora, que são o narcotráfico, tráfico de armas, de pessoas, corrupção e contrabando.”
O diretor da Fundação Perseu Abramo, e assessor da secretaria de relações internacionais da Partido dos Trabalhadores do Brasil, Kjeld Jacobsen, ponderou que vivemos atualmente em um período de transição entre um sistema unipolar para um mundo multipolar, onde se buscam estabelecer e consolidar outros centos de poder. “Essa transição não acontece com tranqüilidade, historicamente nunca aconteceu, inclui crises e conflitos, mas na América Latina há uma busca de modelos alternativos, neste momento de câmbio de hegemonia”, disse Jakobsen, acrescentando que “a má notícia é que estes processos são longos.”
O diretor da FPA, Kjeld Jakobsen, e o dirigente cubano, Jose Balaguer
Entretanto, essa busca por modelos alternativos não se dá sem conflitos ou contraofensiva. Jakobsen cita as ações imperialistas para desarticular setores importantes na busca por outros modelos, como exemplo o ataque ao sindicalismo: “hoje não é difícil ser sindicalista apenas na AL, áfrica e Ásia, mas é também nos países chamados desenvolvidos.”
O fortalecimento de suas empresas multinacionais, segundo o diretor da Fundação Perseu Abramo, é outro movimento neste sentido. “E aí se percebem três passos que eles fazem: buscam proteger o investimento, a proteção intelectual, e regras para abrir as compras governamentais dos países em desenvolvimentos, que são temas de absoluto interesse das empresas multinacionais. Agora estão negociando grandes acordos multinacionais, que tem a ver com enfrentar a China”, avalia.
Para Jakobsen, as pressões para evitar o avanço das conquistas dos últimos dez ou quinze anos vai aumentar muito nos próximos tempos, nas eleições, com o apoio das mídias, nas intervenções diretas, como o bloqueio criminoso a Cuba, e nas indiretas, como no Paraguai. “Para enfrentar esse quadro temos que nos unir mais, fortalecer as relações sul-sul, e pleitear a integração completa, social, política e econômica, e isso implica discutir e tomar medidas rápidas de integração com infraestrutura, integração energética, criação de cadeias produtivas regionais, e adotar uma doutrina de desenvolvimento e unidade política”, concluiu.
Encerrando a primeira sessão, José Balaguer, chefe do departamento de relações internacionais e membro do secretariado do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, assegurou que “a conclusão destas intervenções é deixar evidente a necessidade de integração como única alternativa para nosso futuro e nosso real independência, com todas as riquezas que existem em nossas terras e que podem garantir nosso futuro”.
O dirigente cubano imagina que, se a América Latina e Caribe se integram e se fortalecem, com uma população de mais de 600 milhões, com autonomia energética e autonomia alimentar, tem todo a possibilidade de se consolidar e servir como equilíbrio ao mundo. “Evidentemente que isso é algo que limita a onipotência do império, que tenta de toda forma destruir a possibilidade desta integração, por meio da chamada guerra não-convencional, que utiliza elementos conhecidos, sendo o principal a ofensiva do governo norteamericano contra a revolução cubana, que vai para mais de 55 anos”, afirmou Balaguer.
Os instrumentos políticos e ideológicos dessa guerra, chamado pelos Estados Unidos de ‘poder inteligente, tem o objetivo “de tornar invisível a ação dos EUA, utilizando oligarquias locais, subordinadas ou dependentes, e se identificam com ações que buscam polarizar as sociadades por motivos étnicos ou religiosos, explorando as vulnerabilidades concretas que se manifestam em cada país, incrementando as desestabilizações, sabotagem da indústria econômica e de serviços, todos mirando criar uma crise financeira, com uso intensivo de redes e meios de comunicação, mentindo descaradamente”, destacou.
Segundo Balaguer, enfrentar essa guerra não-convencional depende da unidade política das forças que conduzem o país, e de uma identificação entre os líderes e a população. “O avanço dos processos de integração e consertação política, por definição são um antídoto eficaz. A integração é a única forma de conseguir nossa independência e nosso futuro, e o substrato político e ideológico deve ser a unidade de nossos partidos políticos, que formam o Foro de são Paulo”, concluiu, sob aplausos, o revolucionário cubano.
Configuração regional
A sessão vespertina, cujo tema foi Integração latinoamericana e caribenha: como avançar frente a esta configuração iniciou-se com Rony Corbo, da Frente Amplio, do Uruguay. Ele fez uma intervenção categorizando as conjunturas da América Latina desde a década de noventa até os dias de hoje. “A perspectiva de integração, nesse processo, começou a partir do ponto de vista político, ao adquirirmos os primeiros governos, avançaram para integração econômica, e agora vivemos um momento de avançar para as condições de infraestrutura”, argumentou.
A perspectiva de ampliar esta integração passa por avanços científicos e tecnológicos, e também por conquistas eleitorais. “Temos um calendário de eleições na América Latina nos próximos anos, e os esforços do Foro têm que ser no sentido de se manter o conquistado e ampliar ainda mais estes espaços”, afirmou o uruguaio.
Jacinto Suarez Espinoza, secretário internacional da Frente Sandinista de Libertación Nacional, da Nicarágua, lembrou que vivemos um mundo de multipolaridade econômica, mas uma bipolaridade militar. “A Rússia está tomando um novo protagonismo no mundo, e está vindo para América Latina, e há também a presença econômica da China, e este é um fenômeno que não podemos ignorar.”
Por sua vez, Rodrigo Cabezas, membro da direção nacional do Partido Socialistas Unido de Venezuela, apontou que nos anos recentes foi produzida uma das maiores crises do capitalismo mundial, e um sobrendividamento dos bancos e dos países desenvolvidos, que gerou as crises européias, e uma diminuição do poder relativo do dólar como moeda única de reserva. “Em 2002, 80% do mercado mundial era referido em dólar, e em 2013 passou para 65%”, frisou.
De acordo com Cabezas, há uma contraofensiva imperial para a qual o Foro chama a atenção há três anos, “coordenada pelas as oligarquias midiáticas, nacionais e internacionais, com campanhas contra Chávez, Evo, Cristina, Correa, Maduro, que funcionam em uma espécie de aliança entre elas.”
Para o venezuelano, a saída é fortalecer o Mercosul, que é o modelo de integração da América Latina, criar cadeias produtivas locais e complementação industrial entre os países da região. “É preciso também uma nova arquitetura econômica e financeira da América Latina, com o Banco Del Sur, criar um fundo de reserva e de contingencia macroeconômica, que sirva quando haja problemas de balanço de pagamentos em alguns de nossos países, para que não recorramos ao Fundo Monetário Internacional e nem aos fundos abutres, e um mecanismo de incentivo ao investimento de nossos próprios recursos”, concluiu.
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