Autor do livro “Mídia: Teoria e Política” comenta questões como a legislação de comunicação no Brasil, a crise financeira do setor e seus riscos e a relação mídia e Estado.

Por Michelle Rusche

Você afirma que a legislação atual tem permitido que “no Brasil sobrevivam a velha estrutura da propriedade familiar, o renovado vínculo com as elites locais e/ou regionais e a crescente presença das igrejas no setor de comunicações”. Como seria possível reverter essa constatação?

Não é extamente a legislação, mas a sua ausência aliada aos interesses que foram se consolidando no setor de comunicações entre nós. Com a opção por um modelo comercial de radiodifusão ainda na década de trinta, grupos privados familiares ligados às elites políticas foram se apropriando do setor e exercendo influência decisiva na sua regulação. Os princípios inseridos a duras penas na constituição de 1988 não lograram regulamentação no Congresso Nacional onde a bancada que representa os interesses dos empresários de comunicações – direta e indiretamente – é historicamente muito forte. Assim, ao contrário de outros países que também optaram pelo modelo comercial, no Brasil não há controle sobre a propriedade cruzada nem sobre a formação de oligopólios de mídia. Somente um novo marco regulatório para o setor, que tenha como horizonte a democratização das comunicações, poderia reverter a médio e a longo prazos a situação atual.

Que conseqüências podemos ter com o fato da legislação brasileira permitir que os grupos nacionais trabalhem em parceria com grupos estrangeiros?

A participação do capital estrangeiro na propriedade e gestão das empresas de comunicação permitida a partir da emenda constitucional nº36/2002 parece não ter acontecido dentro das expectativas do empresariado nacional do setor. Na verdade a crise financeira na qual o setor está mergulhado afastou o investimento externo apesar do esforço de “enxugamento administrativo” realizado por várias empresas. Se o capital externo vier, certamente jogará um papel decisivo na formatação da programação das emissoras de radiodifusão. E esse papel decisivo é exatamente o principal risco desse capital.

A que se deve o fato de duas grandes emissoras de TV, a Rede Record e a Bandeirantes, serem financiadas com investimentos de dois pastores, Edir Macedo e seu cunhado RR Soares respectivamente?

O fato confirma a crescente presença e importância das igrejas na mídia brasileira. A Record é propriedade da Igreja Universal. São investimentos pesados que só podem ser realizados por grupos financeiramente fortes e que conhecem a importância do controle de redes de comunicações para o sucesso de seus respectivos empreendimentos.

Como explicar que a Globo da família Marinho, o grupo nacional que detêm o maior número de mídias, detenha 60% do total da dívida das principais empresas de comunicação do país?

Por ser o grupo hegemônico no setor, as Organizações Globo são também o grupo com maior volume de investimento em áreas – como a TV paga – cujo retorno ficou muito abaixo do projetado. Além disso, boa parte desses investimentos foram feitos no tempo da paridade entre o real e o dólar. A crise financeira no setor não é uma exclusividade brasileira e corresponde a reacomodação dos global players de comunicação em nível mundial após o falso boom provocado pela entrada de empresas de mídia no mercado gerado pela privatização das telecomunicações e pela expansão dos negócios na Internet.

Você acredita que o endividamento dos principais grupos que controlam os meios de comunicação no país compromete sua independência de opinião?

A independência desses grupos foi sempre muito relativa porque eles sempre tiveram uma relação estreita com o estado, que ainda hoje é o maior anunciante brasileiro, além de permitir um sem número de benefícios – diretos e indiretos – para o setor. Esses benefícios vão desde o ressarciamento fiscal até a isenção tributária para a compra de equipamentos e matéria-prima como papel de imprensa. Desta forma, ao contrário do que ocorre em outros países, entre nós a relação mídia com o Estado já vem historicamente marcada por uma relação de interdependência.

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