‘Pau de Arara’ e a tortura de cada dia
A primeira edição brasileira de Pau de Arara: A Violência Militar no Brasil, livro-denúncia sobre as torturas e perseguições políticas durante a ditadura civil-militar de 1964, teve lançamento nesta quinta-feira, 24, no auditório do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. Escrito ainda na década de 1970 pelos jornalistas Bernardo Kucinski e Ítalo Tronca, o livro levou ao conhecimento do mundo as arbitrariedades cometidas no Brasil, primeiro na França e posteriormente no México.
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No ato de lançamento, conduzido pelo jornalista Alípio Freire, participaram Bernardo Kucinski, o jornalista e escritor Enio Squeff – representando Ítalo Tronca, ausente por questões de saúde – e Ângela Mendes de Almeida, companheira do jornalista Luiz Eduardo Merlino, homenageado pelo papel relevante de tornar possível a publicação de Pau de Arara na França, em 1971. Ângela e Merlino estavam na Europa por conta de sua militância no POC (Partido Operário Comunista) e deveriam voltar para o Brasil. Ângela ficou na clandestinidade e Merlino voltou ao país, sendo preso e morto, em consequência das torturas que sofreu.
Kucinski, Freire, Ângela e Squeff (da esq. para dir.). Foto: Diana Freixo
Joaquim Soriano, diretor da Fundação Perseu Abramo, apresentou o projeto Cadernos Perseu, do Centro Sergio Buarque de Holanda, idealizado pelo historiador Dainis Karepovs, do qual Pau de Arara é o primeiro livro. Soriano destacou a importância de denunciar as torturas neste momento de democracia ainda em construção, quando torturadores como o coronel Brilhante Ustra contam sua versão da história na imprensa, sem contestação.
Para todos os presentes, as práticas repressivas da ditadura estão vivas e presentes principalmente no cotidiano de pessoas pobres, negras que vivem nas periferias do Brasil. Obras como Pau de Arara mostram às gerações mais novas que a violência de Estado não pode ser esquecida, nem pode deixar de ser contestada e punida.
Assassinos e criminosos
Enio Squeff afirmou que a tortura foi e continua sendo um instrumento político, que foi usado para a perpetuação da ditadura e hoje se manifesta em diversas instâncias de poder, como o judiciário. “No Brasil era uma tentativa de salvaguarda da ditadura, terrorismo para minar a resistência”. Dizendo-se revanchista em relação aos torturadores, Squeff foi categórico: “que sejam declarados assassinos, criminosos.”
Para Ângela, a responsabilização dos torturadores é uma questão de justiça, porque a impunidade que protege esses representantes do Estado não afronta apenas as famílias dos mortos e desaparecidos da ditadura, mas as pessoas que moram nas periferias, que são violentadas cotidianamente pelas polícias militares. “Agora essas periferias protestam e começam a fazer ouvir sua voz, os brasileiros tinham que ter vergonha do que a polícia faz. Achamos importante que as pessoas protestem da forma que podem, porque elas são torturadas, humilhadas, executadas sumariamente. Na segurança pública a ditadura continua.”
O processo de construção do livro Pau de Arara foi relembrado por Bernardo Kucinski. Nas edições francesa e mexicana, a obra foi publicada de forma anônima, para proteger todas as pessoas envolvidas com a empreitada da perseguição da ditadura brasileira. “Contou com a ajuda de muitas pessoas, familiares, pessoas que datilografavam os originais no meio da noite, com medo”, contou.
Origens da tortura
Kucinski afirma ainda que o livro não é apenas um panfleto de denúncia sobre tortura, porque apresenta uma explicação histórica da origem de militares que usaram seus métodos de implantar o terror contra a resistência. “Nós usamos [o historiador] Leôncio Basbaum, recuperamos a influência do movimento tenentista do início do século 20 entre os militares brasileiros. Uma vertente era fascinada pelo bolchevismo e outra pelo fascismo, e acaba prevalecendo a corrente fascista com a interferência de Getúlio Vargas. A tortura é aplicada como método de repressão da corrente fascista contra a comunista”.
Ele ressaltou ainda que a violência da ditadura piorou depois de 1968, com a criação da Oban (Operação Bandeirante) e dos DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), e posterior política de extermínio dos opositores entre 1974 e 1976.
Parte do especial 50 Anos do Golpe de 1964, que lançou ainda a edição Especial da Revista Perseu e o livro Combate nas Trevas, de Jacob Gorender, o livro Pau de Arara: A Violência Militar no Brasil está disponível para download (abaixo) e também na loja virtual da Editora Fundação Perseu Abramo. A edição brasileira apresenta além do texto original na íntegra, entrevistas com Bernardo Kucinski, Ítalo Tronca e um artigo de Ângela Mendes de Almeida sobre Merlino.
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– EFPA e Expressão Popular lançam Combate nas Trevas
– Revista Perseu: 1964-2014 – Cinquentenário do Golpe
Fotos: Diana Freixo