Taxa de câmbio, investimento e crescimento na indústria
Por Ernesto Pereira
Nas últimas semanas, a cotação do dólar retornou aos níveis de junho de 2013, no que configura a maior reversão até então no processo de correção do desalinhamento cambial iniciado em meados de 2011.
Esse movimento, impulsionado pelo aumento de 3,75 pp na Selic e pela continuidade da oferta de grandes volumes de swaps cambiais pelo Banco Central (BC) num contexto em que, diante dos sinais ainda tímidos de recuperação nas economias avançadas, cresceu o apetite do capital especulativo internacional por mercados emergentes, foi festejado por muitos em razão de seu impacto esperado de contenção da inflação. Tal impacto, todavia, é limitado. Com efeito, o próprio BC estimou, para uma depreciação anual de mais de 10%, um aumento de apenas 0,35 pp no IPCA de 2013. É de se esperar que o efeito contrário, reduzindo os preços com a atual apreciação, numa economia altamente oligopolizada como a brasileira, seja ainda menor.
Se o impacto sobre os preços é pequeno, o mesmo não se pode dizer em relação aos investimentos e à produção na indústria. Isso porque a taxa de câmbio é, individualmente, e de longe, o elemento que afeta de forma mais forte, rápida e abrangente a competitividade da produção no país. Quando, como nos últimos anos, não é sucedida por uma disparada inflacionária, a desvalorização cambial eleva imediatamente essa competitividade como nenhum incentivo monetário, creditício ou fiscal, desoneração ou qualquer melhora na infraestrutura pode fazer. Isto, contudo, parece às vezes não estar tão claro no debate público, como mostra a frequência com que certos argumentos contrários são evocados.
Por exemplo, defende-se que é a valorização cambial que estimularia o investimento, ao reduzir seu custo. Ora, na maioria dos casos, e mais ainda em indústrias intensivas em trabalho, não é a queda do custo de um item que responde por parcela limitada dos custos de produção que tornará rentável um investimento cujas perspectivas de retorno caíram em razão do aumento, em moeda estrangeira, do custo dos demais insumos em relação ao concorrente externo. Ao contrário, numa economia aberta, a valorização cambial, em especial quando mantida por longos períodos, torna em muitos casos o investimento produtivo, mesmo que mais barato, menos atrativo. E induz à transformação da unidade produtiva em mera importadora.
Aponta-se também o efeito negativo da desvalorização sobre a rentabilidade da indústria em razão do aumento do custo dos insumos importados a que ela conduz, argumento pouco convincente, dado que se a desvalorização pode de fato afetar a rentabilidade de um produtor individual que utiliza uma proporção maior desses insumos em relação a outro produtor nacional, ela certamente favorece a ambos diante do concorrente estrangeiro, cujos insumos são todos importados.
Alega-se ainda que a correção necessária na taxa de câmbio já teria ocorrido quando, em termos reais, ela ainda se encontra em torno de 15% valorizada em relação a 2006, último ano em que o Brasil apresentou equilíbrio na balança de bens manufaturados, e quase 35% em relação a 2004, quando se iniciou o último ciclo de forte crescimento no país. Quando a taxa real é calculada a partir dos custos industriais, a valorização se mostra ainda maior. É difícil pensar que qualquer setor industrial seria capaz de elevar sua produtividade o suficiente para compensar a perda de competitividade provocada por essa valorização, mais ainda em um mundo abarrotado de estoques e capacidade produtiva ociosa onde a concorrência é muito mais acirrada do que era até 2008. Não surpreende com isso a estagnação da produção industrial no país desde 2010 a despeito da expansão ainda vigorosa da demanda interna.
Não apenas a sobrevalorização real persiste, mas é acompanhada da enorme volatilidade das taxas. Assim, por exemplo, enquanto entre meados de fevereiro e abril a moeda se valorizou em mais de 8%, nos quatro meses anteriores ela havia se desvalorizado em percentual semelhante. De fato, o Real é a moeda que tem enfrentado as maiores variações entre aquelas dos principais países emergentes. A volatilidade passada se reflete nas expectativas como as levantadas a meados de abril pelo BC para a taxa de câmbio no fim de 2014, que variam entre valores tão distantes como 2,20 e 2,80 R$/US$. A cada valor, as condições em que se dá a concorrência são radicalmente distintas. A decisão de investimento deve assim ser tomada sob uma incerteza quanto à rentabilidade futura e a sua própria viabilidade extremamente elevada.
Nessa situação, sua anemia não deveria surpreender. Ao inibir o investimento na indústria e induzir a transferência de etapas produtivas ao exterior, uma taxa de câmbio instável e sistematicamente valorizada compromete não apenas a exportação de bens industriais, mas coloca em dúvida a própria sobrevivência de uma indústria capaz de reter uma participação relevante em setores importantes dentro do mercado doméstico, assim como de se inserir em cadeias produtivas globais, dificultando a manutenção de seu papel na economia, com seus efeitos sobre a expansão da produtividade e da renda e o equilíbrio das contas externas.
Evidentemente, longe da visão caricatural que muitos dos que relativizam este fator preferem enfatizar, a desvalorização da taxa de câmbio, especialmente quando sua evolução futura é, como tem sido, muito incerta, é incapaz, por si só, de reintroduzir rapidamente no país cadeias produtivas que foram inteira ou parcialmente transferidas ao exterior; pode, todavia, contribuir a estancar essa transferência e, se sustentada no tempo, tanto induzir aquela reintrodução como atrair novas cadeias. Tampouco a manutenção de uma taxa de câmbio real competitiva e sem grandes flutuações deve ser vista como condição suficiente para a retomada do investimento e para a robustez da atividade industrial; contudo, ela é absolutamente necessária, sem a qual o crescimento sustentado da produção da indústria nacional (à exceção de nichos) dificilmente será retomado. Com ela, os incentivos ao investimento, à produção e ao consumo introduzidos pelo governo nos últimos anos, assim como os esforços pela melhoria da infraestrutura logística, podem ter um impacto relevante sobre a indústria e impulsionar seu crescimento. Com o câmbio sistematicamente valorizado, eles apenas enxugam – mal – o gelo.
Ernesto Pereira é economista