50 anos após o golpe Rubens Paiva ‘retorna’ à Câmara
Para o deputado Paulo Teixeira, coautor do projeto do busto de Rubens Paiva, o ato no dia 1º de abril foi ‘uma homenagem à democracia’
“Nesta Casa, meu pai se comprometeu a manter, defender e cumprir a Constituição. Por seu engajamento ele pagou com a vida. Por isso este ato tem um caráter especial, é um dos mais honrosos já prestados em sua memória.” Assim a psicóloga Maria Beatriz Paiva Keller, uma das filhas do deputado Rubens Paiva, morto e desaparecido pelas mãos da ditadura civil-militar, em 1971, agradeceu a homenagem do PT, PCdoB e PDT feita a seu pai na Câmara dos Deputados, no dia 1º de abril, exatos 50 anos da instauração do regime militar.
Vera Paiva agradece a homenagem feita a seu pai
No corredor do Anexo II da Câmara, parlamentares das duas Casas, assim como jornalistas, ativistas dos direitos humanos, militantes e cidadãos se aglomeraram para o ato. O hall de acesso à Biblioteca da Câmara, agora Espaço Rubens Paiva, passou a contar com um busto do deputado, no qual se lê: “Deputado Rubens Paiva – (1929-1971) – Defensor da liberdade e da democracia”. Cinquenta anos depois do golpe, todos se perfilaram em frente à peça de bronze de um deputado cassado em 1964, quando do Ato Institucional nº 1. Há dois anos, Paiva e outros deputados cassados tiveram seus mandatos devolvidos simbolicamente pela Câmara.
“O Parlamento se curvou à ditadura. Agora se curva àqueles que a combateram”, comentou o deputado federal Renato Simões (PT/SP), ele próprio autor de um projeto de lei que altera o nome da Ponte Rio-Niterói, atual Presidente Costa e Silva, para Rubens Paiva. Já o senador Eduardo Suplicy (PT/SP) disse estar confiante sobre o avanço das investigações sobre a morte do deputado. “É doloroso para a família saber dos detalhes, mas é importante saber onde ele foi preso, onde foi morto e onde o colocaram.”
Sindicâncias
Suplicy também anunciou que o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, o havia informado de que, após as tratativas com o ministro da Defesa, Celso Amorim, as Forças Armadas irão iniciar comissões de sindicância para apurar torturas em instalações militares durante a ditadura. Para o deputado federal Paulo Teixeira (PT/SP), coautor com a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB/RS) do projeto de resolução que criou a homenagem a Rubens Paiva, ele foi morto justamente por sua combatividade pela democracia.
“As comissões de inquérito a que ele participou para investigar o financiamento estrangeiro do Ipes e do IBAD antes do golpe nunca foram engolidas pela ditadura”, disse e completou: “esta, portanto, é uma homenagem à democracia, que requer aperfeiçoamentos, é claro. Precisamos, por exemplo, acabar com a Lei de Anistia, desmilitarizar a polícia e por fim aos autos de resistência.”
Provocação e lição
A professora da USP, Vera Sílvia Paiva, outra filha de Rubens Paiva presente à cerimônia, fez um alerta, mostrando que muitas das arbitrariedades da ditadura ainda seguem como práticas diárias. “Meu pai foi o exemplo de algo que ainda acontece no Brasil. Meu pai foi o protótipo do Amarildo”, afirmou, referindo-se ao ajudante de pedreiro, morador da Rocinha, no Rio de Janeiro, morto e desaparecido pela polícia em 2013.
O deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ), que pela manhã havia discursado no plenário da Câmara defendendo a ditadura, numa sessão cancelada devido à polêmica, fez uma provocação durante a cerimônia. Passou em frente ao busto de Rubens Paiva, vaiando. Maria Beatriz afirmou: “se vivêssemos a ditadura que ele tanto defende, ele seria preso por fazer isso”. Vera disse considerar o comportamento do deputado um escândalo, mas deu uma lição: “Defendo o direito à opinião, mas não a impunidade.”
Resistência e Luta
Em continuidade à homenagem, as fundações Perseu Abramo, Maurício Grabois e Leonel Brizola-Alberto Pasqualini promoveram o Ato em Homenagem à Resistência e Luta pela Democracia, no Auditório Nereu Ramos, coordenado pela diretora da FPA, Luciana Mandelli. Estiveram presentes políticos de diversos partidos de esquerda, entidades estudantis e de movimentos sociais, assim como familiares da família de Rubens Paiva, do ex-presidente João Goulart e do líder estudantil Honestino Guimarães.
Ato suprapartidário, coordenado pela diretora da FPA, Luciana Mandelli
A palavra de ordem “Ditadura, nunca mais!” apareceu em praticamente todas as falas e os oradores enalteceram os desafios e pendências para que o Brasil amadureça a sua democracia. O ato foi uma das inúmeras atividades que marcaram a passagem da data do Golpe de 1964. Para o deputado José Guimarães (PT-CE), vice-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, a sociedade brasileira precisa conhecer o que ocorreu de fato durante os governos militares e não pode abrir mão da democracia.
“Nós temos esse imperativo ético e moral: contar a verdadeira história [sobre a ditadura] e mobilizar a sociedade para isso. E a democracia é o caminho a ser seguido, porque ela produz problemas, mas também é solucionadora destes problemas”, defendeu Guimarães. Outro orador do ato, o líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), destacou a trajetória da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula, que enfrentaram a ditadura de formas diferentes e têm contribuído fortemente para a construção da democracia brasileira, embora não sejam aceitos pela elite econômica.
Democracia plena
“Ela foi presa e torturada aos 18 anos e poderia não estar mais entre nós. Esta mulher com 18 anos já não aceitava a situação que vivia o Brasil. Aquela mulher se chama Dilma Rousseff e hoje é presidenta da República. É isso que muitos não engolem. Não aguentam um operário nordestino que ‘mal sabe falar’, ‘analfabeto’, se transformar no melhor presidente da história desse País. Imaginem aguentar uma mulher que foi torturada!”, ressaltou o líder petista.
O ministro do Trabalho, Manoel Dias, presidente da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, ligada ao PDT, avalia que o maior crime da ditadura não foram os sequestros, perseguições, torturas e assassinatos, mas “a alienação da juventude brasileira por duas ou três gerações” em relação ao período ditatorial. Já a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), apontou a urgente “democratização da mídia” como um dos desafios “para que o Brasil alcance o estágio de uma democracia plena”.
A noite contou também com o lançamento do livro Perfis Parlamentares – Rubens Paiva, de Jason Tércio.
Foto: Salu Parente/PT na Câmara
Com Rogério Tomaz Jr./PT na Câmara
– Dilma: O dia de hoje exige que lembremos e contemos o que aconteceu
– Confira programação dos eventos de 50 anos do golpe
– Câmara lança biografia de Rubens Paiva