Faz mesmo sentido aumentar a Selic para combater a inflação?
Por Ernesto Pereira
Nos dias que antecedem a mais uma reunião do Copom, a maior parte dos analistas de mercado prevê um novo aumento da meta para a taxa Selic que levaria a taxa básica a cerca de 5% em termos reais, mantendo-a como a mais elevada do mundo. Não só mais elevada, como muito mais do que a da grande maioria dos países, incluindo vários com taxas de inflação superiores à do Brasil, como Turquia (a segunda taxa real mais alta, longe, em torno de 2%), Rússia, Índia, Indonésia e África do Sul. Não só mais elevada hoje, como também entre as duas ou três mais altas do mundonos últimos vinte anos.
A despeito da manutenção de taxas de juro excepcionalmente elevadas, as taxas de inflação têm permanecido em níveis relativamente altos, causando certo estranhamento em parte dos analistas. Esse resultado não deveria, todavia, nos surpreender se considerarmos que os canais de transmissão pelos quais as variações nas taxas de juro se transmitem aos preços funcionam mal no Brasil, comprometendo a eficácia do instrumento. Esse mal funcionamento ocorre por uma série de razões.
Em primeiro lugar, a taxa de juros simplesmente não afeta a evolução dos preços administrados, que hoje respondem por quase 25% do IPCA. Em segundo, aumentos nos juros não impedem choques de oferta, especialmente importantes em países nos quais a alimentação ocupa um papel relevante nas cestas de consumo como é o caso do Brasil, onde somente a alimentação em domicílio responde por 16% do IPCA.
Em terceiro, aumentos na taxa de juros elevam imediatamente os custos financeiros das empresas, criando pressões sobre os preços, e contribuem à contenção dos investimentos, limitando a expansão da capacidade produtiva e contribuindo para a geração de pressões inflacionárias no futuro.
Finalmente, e de modo crucial, a taxa de juros afeta apenas marginalmente o consumo e, com isso, os preços. Isto porque entre aqueles que possuem recursos excedentes, na prática são raras as situações em que decisões de gasto são adiadas, substituindo o consumo presente pelo futuro em resposta a um aumento dos juros. Ademais, no Brasil, o aumento da Selic não afeta o preço de títulos pós-fixados a ela indexados que respondem por grande parcela da riqueza financeira, limitando o efeito riqueza negativo que reduziria o consumo; ao contrário, esse aumento eleva a renda dos credores provocando um (pequeno) efeito oposto. Por outro lado, entre aqueles que demandam crédito para consumir, diante dos spreads excepcionalmente elevados vigentes no país, aumentos na Selic, mesmo que integralmente repassados, provocam variações relativamente pequenas nas taxas finais (por exemplo, um aumento de 1 p.p. na Selic eleva a taxa média de juros à pessoa física de 43% para 44%, e a taxa do cheque especial de 155% para 156%). Além disso, em razão dos baixos salários médios, a restrição ao consumo através do endividamento em geral não está na taxa de juros, mas sim no valor da parcela a ser paga pelo crédito, que é quase insensível à Selic.
Ou seja, além de totalmente ineficazes para controlar os preços administrados e os choques de oferta e de provocar pressões de custos sobre as empresas pressionando assim os preços, aumentos da taxa básica de juros reduzem muito pouco o consumo (em si, objetivo altamente questionável numa economia em baixo crescimento), tanto dos emprestadores como dos tomadores de crédito e, com isso, pouco afetam, por esse canal, a inflação.
Alguns poderiam argumentar que as altas taxas teriam sido eficazes para conter a inflação entre 2003 e 2010; isto se deu, no entanto, não pela redução do consumo a que elas conduziram, mas principalmente pela valorização cambial resultante dos grandes fluxos financeiros de curto prazo por elas atraídos em um contexto global favorável. Mas mesmo esse efeito dos juros sobre a inflação através do câmbio élimitado, ao se dar apenas por meio do efeito sobre o preço dos bens tradeables, emuito incerto, ao variar fortemente com as mudanças na estrutura produtiva e nas conjunturas nacional (PIB crescendo/estagnado) e internacional (abundância/escassez de liquidez). Além disso, especialmente quando utilizado por longos períodos, possui como contrapartida consequências severas sobre a competitividade da produção industrial e sua contribuição para a atividade econômica.
Ineficaz, no Brasil, para reduzir a inflação pelos canais normalmente apontados, a elevação da taxa básica de juros somente possui efeitos antiinflacionários relevantes, embora limitados e incertos, quando afeta fortemente a competitividade da indústria. Somando esta constatação a seus efeitos perversos sobre a distribuição de renda e as finanças públicas, não parece razoável atribuir ao aumento da taxa básica de juros o papel central que tem ocupado na política de controle da inflação nos últimos 15 anos.
Ernesto Pereira é economista