O Brasil de 2014 é conhecido por ter um projeto de desenvolvimento que foi capaz de crescer e ao mesmo tempo distribuir renda

Por Janaína Oliveira

O Brasil de 2014 é conhecido por ter um projeto de desenvolvimento que foi capaz de crescer e ao mesmo tempo distribuir renda. No âmbito dos direitos da população LGBT, ou de setores como afrodescendentes, mulheres, etc, avanços importantes também foram registrados, nos marcos, portanto, de uma melhora na materialização da Declaração dos Direitos Humanos da ONU.

Claro que, em ambos os casos, há muito a se avançar, ainda há uma lacuna imensa em relação às pautas que o movimento LGBT tem apresentado ao país, ao governo e ao Congresso Nacional. Mas, em termos gerais, pode-se dizer que o presente do Brasil hoje é digno de aplausos e projeta um futuro promissor.

Em suma, uma convivência democrática civilizada, respeitadora das leis, tolerante, deveriam ser a tônica destes tempos, o período democrático mais longo já vivido pelo Brasil. O que está em curso melhora o consumo, melhora a renda, garante a sobrevivência das famílias, até aumenta lucros, a autoestima nacional, garante certos direitos a quem não possuía.

Mas, então, o que vem ocorrendo?

A cada dia, aumentam não só os casos de violência homofóbica, como a racista. Lideranças religiosas, políticas e figuras públicas do jornalismo estimulam “justiçamentos” e o preconceito, nas redes sociais surgem incômodos com bermudas em aeroportos. Tribunais se arrogam a decidir se um programa escolhido nas urnas pode ou não ser implementado, como no caso do IPTU de São Paulo ou, até mesmo, decidir a pauta de votações do Congresso Nacional. A farsa do julgamento da AP 470, com uma série de violações, discursos políticos de magistrados e coincidência entre sentenças e calendários eleitorais, mostram uma vontade indubitável de substituir a política por órgãos não-eletivos. A imprensa ataca as instituições democráticas, manipula estatísticas e fatos, ataca os direitos humanos e fuzila biografias sem qualquer limite. Movimentos sociais são criminalizados banalmente.  Se um alienígena visitasse o Brasil hoje, talvez concluísse que por aqui sentou praça um governo de direita a inspirar a sociedade.

O que se vê é uma polarização artificial da disputa política, apesar destes 12 anos de governos petistas.  Um discurso que parece que o Brasil foi tomado por uma “ameaça comunista” vem à cena em revistas, colunas, comentários de emissoras de rádio sem qualquer pudor.

O incômodo das elites tradicionais e da velha classe média com a mobilidade social e novos direitos gerariam conflitos, mas a oposição “corporativa” virulenta de tribunais, imprensa, parte das igrejas, sindicatos ruralistas, executivos do mercado financeiro, celebridades e até parlamentares não precisaria alcançar o tom que é vigente. Um dos pontos altos desse circo foi o coordenador da bancada ruralista no Congresso Nacional, Luiz Carlos Heinze (PP-RS), aparecer em um vídeo publicado na internet utilizando como argumento de ataque ao ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) ele aninhar “negros” em seu gabinete, depois de já ser alvo de pedido de investigação por quebra de decoro parlamentar por outro vídeo, no qual diz que no governo da presidenta Dilma Rousseff “estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo o que não presta”.

O que motiva isso não são os indicadores sociais e civis que o Brasil pode ostentar se comparado ao passado recente, isso é fato dado e a direita sabe disso. Está em jogo é que o governo e o PT não possam mobilizar e organizar toda esta força acumulada para avançar. Trata-se de interromper a possibilidade de avanço, a direita não quer correr este risco.

Isso já esteve presente na história do Brasil. O capitalismo local, em sua aliança com o imperialismo, “suportou” a CLT, o aumento do salário mínimo, o voto das mulheres, o monopólio sobre o petróleo, a intervenção estatal para regular a economia entre os anos 30 e 60, mas não poderia “admitir” as Reformas de Base propostas pelo presidente João Goulart, que asseguraria reforma urbana, agrária, pedagógica, eleitoral, bancária… Enfim, justiça social e soberania nacional plenas.

Um país capaz de distribuir com justeza suas riquezas, tendo controle de seus recursos naturais e gerando bem-estar social seria um caminho fértil para a expansão de direitos civis, como o foram os EUA e a Europa nas décadas de 60 e 70 e até mesmo atualmente, quando conservaram parte dos avanços daquele tempo, apesar da ofensiva neoliberal dos anos 90 e, nestes países, vigente até hoje.

Mas, no Brasil, um movimento apoiado pela extrema-direita americana, com suporte da igreja católica oficial, da cúpula conservadora das Forças Armadas e dos setores historicamente ligados à escravidão, abolida há apenas 70 anos antes, desfecharam um golpe contra a democracia, então no seu período mais duradouro desde a Proclamação da República.

Não surpreende que, hoje, uma reedição da infame Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade tenha sido convocada para o dia 22/03, para “comemorar” os 50 anos da “revolução” e pedir intervenção dos militares no governo do país, um novo golpe de estado.

A plataforma de “reivindicações” do movimento não deixa dúvida: não permitir passos à frente, seja de fato, seja como contrapeso às lutas dos setores democráticos do Brasil, dentre os quais o movimento LGBT.

A marcha “denuncia”: i) “A intolerância religiosa, à revelia da constituição federal”, atacando a diversidade religiosa de fato em construção no país, criminalizando especialmente as afro religiões; ii) “A promoção do aborto, à revelia da constituição federal”, atacando os avanços, ainda que limitados, na legislação, quando uma onda pelo encarceramento de mulheres que recorreram à interrupção da gravidez ocorreu recentemente no Brasil; iv) “A aprovação do Marco Regulatório da Mídia e Censura da Internet através da estatização, à revelia da constituição federal”, que visa apenas impedir a democratização da mídia e a crescente apropriação das concessões por grupos econômicos conservadores travestidos de religião; V) “A vinda de guerrilheiros cubanos para o Brasil, disfarçados de médicos, para ensinar às pessoas simples do nosso extenso interior e sertão os métodos revolucionários”, que visa desmoralizar um programa que levou médicos aos rincões do país e favorecer a reserva de mercado e o poder corporativo dos conselhos de medicina.

É a agenda da extrema-direita, pendurando no pescoço uma pseudo direita democrática. E, como não poderia faltar, traz como seu segundo ponto mais importante a denúncia de que o governo pretende “a instauração do casamento civil gay através de uma simples resolução, à revelia da constituição federal”, buscando desmoralizar uma luta de décadas por direitos civis e emparedar a presidenta Dilma.

A isso, nós opomos as Reformas de Base do Século XXI, que resgate a agenda interrompida pelo golpe de 64, e que agregue uma ampla Reforma de Base dos direitos civis no Brasil, que estenda à população LGBT e também aos negros, comunidades e povos tradicionais, mulheres, idosos, deficientes, crianças e adolescentes, absolutamente todos os direitos previstos para a cidadania brasileira.

Janaína Oliveira é coordenadora nacional do setorial LGBT do PT.
Publicado originalmente no site do PT nacional.

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