23/10/75 – Trechos do documento de 28 páginas

 

Ilmo. Sr. Dr. Caio Mário da Silva Pereira
DD. Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil/Rio de Janeiro

 

"Nós, presos políticos abaixo assinados, recolhidos no Presídio da Justiça Militar Federal, São Paulo…

 

…vimo-nos na obrigação como vítimas, sobreviventes e testemunhas de gravíssimas violações aos direitos humanos no Brasil, de encaminhar a V.As. um relato objetivo e pormenorizado de tudo o que tem sido infligido, nos últimos seis anos, bem como daquilo que presenciamos ou acompanhamos pessoalmente dentro da história recente do país…

 

…..Fomos arrastados à prisão no período compreendido entre setembro de 1969 e fevereiro de 1975…

 

… Sem exceção, todos passamos pelo órgãos repressivos e por sua câmaras de torturas. Submetidos às mais diversas formas de sevícias, ainda fomos testemunhas do assassinato de muitos presos políticos…..

 

…Como testemunhas acompanhamos de perto a farsa dos "atropelamentos", "suicídios", " tentativas de fuga" com que sistematicamente se tentou encobrir o extenso rol de opositores políticos ao regime, assassinados nas câmaras de tortura espalhadas por todo o território nacional. Não é força de expressão, portanto, dizer-se que somos "sobreviventes"….

 

Métodos e instrumentos de tortura.

 

Apesar dos riscos que corre todo aquele que denuncie qualquer das incontáveis arbitrariedades presentes na vida nacional de hoje, apesar da intensa e rigorosa censura imposta a todos os meios de comunicação no país, apesar da clandestinidade e impunidade garantida aos órgãos repressivos, raro é o brasileiro que não saiba algo sobre a prática indiscriminada da tortura contra os opositores ao regime vigente…

 

…As violências começam no momento mesmo da prisão (melhor é dizer seqüestro). Aparatosos grupos militares e policiais invadem residências, locais de trabalho ou de estudo, aterrorizando parentes, vizinhos, amigos ou transeuntes que casualmente assistam à prisão. Os tiroteios promovidos pelos policiais são justificados como forma de "se defenderem" ou de "impedir-se a fuga" daquele que está para ser preso. As agressões violentas não se detêm diante de familiares, sejam pessoas idosas, doentes ou crianças. Na viatura em que o preso é transportado, a violência se acentua, sendo comum que as torturas por espancamento ou por choques elétricos tenham início ali mesmo. Chegando ao órgão repressivo, na maioria das vezes já encapuzado ou com os olhos vendados, o preso se depara com um ambiente de pancadaria. Arrastado à sala de interrogatório", tem início a "busca de informações" que se prolonga por vários dias, semanas, meses….

 

… Descreveremos a seguir, os principais métodos e instrumentos de tortura empregados nos órgãos repressivos, Começaremos por aqueles que experimentamos em nossa própria carne:…..

 

…pau-de-arara…, choque elétrico…, cadeira do dragão…, palmatória… afogamento.. .telefone… corredor polonês… soro-da-verdade… tamponamento com éter… sufocamento… enforcamento…crucificação…latas…

 

Trecho em que falam de Frei Tito

 

…Foi preso em novembro de 1969 pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Em fevereiro de 1970, após meses de permanência no Recolhimento de Presos Tiradentes, foi conduzido às dependências do DOI/CODI (OBAN), onde, durante dias sofreu indescritíveis torturas físicas, acompanhadas de achincalhes à sua formação moral e religiosa…No terceiro dia de torturas, Frei Tito cortou os próprios pulsos. Descoberto ainda com vida, foi removido para o Hospital Militar do Cambuci, onde por aproximadamente 7 dias, recebeu tratamento médico. Ainda no hospital foi visitado pelo Juiz Nelson Machado Guimarães da 2ª Auditoria da 2a CJM que estava acompanhado de um representante do então Arcebispo de São Paulo e de superiores de sua Ordem Religiosa. Puderam constatar as seqüelas dos maus tratos sofridos por Frei Tito. Entre as denúncias que foram formuladas, existe uma do próprio Frei Tito, na qual relata seus sofrimentos e nomeia seus torturadores. Em janeiro d 1971, foi banido do país. Depois de tantas torturas, Frei Tito não conseguiu se libertar do descontrole psíquico a que por elas fora levado. No exílio, por mais três anos Frei Tito lutaria contra os crescentes tormentos de sua mente abalado ate encontrar a morte no dia 8 de agosto de 1974, em Lyon, França.

 

E o último parágrafo desse documento traz uma nota sobre o assassinato de Vlado:

 

….Em Tempo: Este documento já estava concluído quando tomamos conhecimento da notícia do "suicídio" do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido no dia 25 de outubro nas dependências do II Exército – CODI/DOI (sic) (OBAN). Segundo a nota oficial expedida pelo Comando do II Exército, e amplamente divulgada pela imprensa nos dias 27 e 28, Vladimir – que havia sido intimado a apresentar-se na sede da OBAN, tendo ali comparecido na manhã do mesmo dia 25 – "foi encontrado morto, enforcado, tendo para tanto se utilizado de uma tira de pano". Com o objetivo de corroborar essa versão, aquele organismo divulgou ainda laudo pericial de "causa mortis" assinado pelos médicos Arildo Viana e Harry Shibata. Esclareça-se que este último, verdadeiro Mengele do Brasil de hoje, é quem sistematicamente firma os atestados de óbito de presos políticos assassinados pela OBAN".