Evento promovido pelo Centro de Documentação e Memória Política Sérgio Buarque de Holanda trouxe as obras dos intelectuais Clóvis Moura e Kabengele Munanga aos alunos do campus Guarulhos

Primeiro debate do ciclo ‘Memória da luta antirracista’ é realizado na Unifesp
Crédito: Sérgio Silva – FPA

A primeira atividade do ciclo de palestras “Memória da luta antirracista”, promovido pelo Centro de Documentação e Memória Política Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo, foi realizada nesta terça-feira (3), no campus de Guarulhos da Unifesp. O evento promovido em parceria com o NNUG – Núcleo Negro Unifesp Guarulhos trouxe os temas do centenário de Clóvis Moura e dos 50 anos do congolês Kabengele Munanga no Brasil.

Participaram da mesa “Do centenário de Clóvis Moura aos 50 anos de Kabengele Munanga no Brasil: democracia e políticas antirracistas” o professor da Universidade Federal do Sergipe Petrônio José Domingues e o jornalista Oswaldo Faustino, com a mediação da professora Fabiana Schleumer.

Na abertura, o historiador recém-formado na Unifesp e pesquisador do CSBH, Bruno Maslin, destacou a pluralidade de identidades negras no país. Já a diretora da Fundação Perseu Abramo Elen Coutinho falou sobre a necessidade de recontar a história escrita pelas elites burguesas que produziram o apagamento de personagens negros relevantes.

Ambos salientaram a importância do resgate da memória, não só dos dois homenageados, mas de diversos intelectuais negros que construíram a luta antirracista brasileira, ponto também reforçado pela professora Fabiana Schleumer.

Primeiro debate do ciclo ‘Memória da luta antirracista’ é realizado na Unifesp
Crédito: Sérgio Silva – FPA

Clóvis Moura e Kabengele Munanga

O sociólogo e historiador Clóvis Moura (1925-2003) foi pioneiro na desconstrução do mito da democracia racial, conceito que aponta que o Brasil teria alcançado um patamar de igualdade entre brancos e negros. A ideia difundida a partir das teorias colocadas no livro “Casa Grande, Senzala”, de Gilberto Freyre, moldou, na segunda metade do século XX, a história ensinada nas escolas, como contou o professor Petrônio José Domingues.

“Clóvis Moura foi erudito, multifacetado e eclético”, diz Petrônio. O professor destacou a obra “Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições e guerrilhas”, de 1959, como um divisor de águas, e aponta que o intelectual acabou ficando em um “entrelugar na historiografia” por não ter feito uma carreira acadêmica tradicional, o que contribuiu para seus pensamentos acabarem escanteados. Clóvis Moura era jornalista profissional e militante político marxista heterodoxo.

De acordo com Petrônio, além de Moura ter denunciado o eurocentrismo na história, ele foi muito importante para inaugurar o pensamento pós-abolição no Brasil, uma área que era novidade em sua época e que foi se desenvolvendo bastante ao longo dos anos até hoje. 

Assim como Moura, quem também se debruçou em apontar outros caminhos de análise sobre o tema da mestiçagem foi o antropólogo africano, professor da Universidade de São Paulo, Kabengele Munanga, que vive há 50 anos no Brasil. Sua obra “Negritude: usos e sentidos”, de 1988, investiga como a negritude se manifesta na diáspora, na luta por direitos e na valorização da cultura negra. 

O professor de história Petrônio José Domingues, finalista do Prêmio Jabuti com “Protagonismo negro em São Paulo”, lembra uma famosa frase de Munanga que diz “o racismo brasileiro é um crime perfeito” por ser, segundo Petrônio, um ato “sem alarde, mascarado, sutil e velado”. 

“Clóvis Moura vai buscar o negro que age, o rebelde, o que conflita, o que não se conforma. Ele não quer um negro de alma branca”, defende Oswaldo Faustino.

Autor de livros infantis sobre a temática negra, o jornalista lembrou um ensinamento que considera muito importante para o tema do resgate histórico da população negra. “Eu trago, dentro de mim, minha ancestralidade e descendência, eu só sou um instante dessa história”, declara Faustino.

Com a ideia de enaltecer o reconhecimento e o pertencimento, ele afirma: “Tanto Clóvis quanto Kabengele são espelhos nos quais temos obrigação de nos refletir”. 

O ciclo de debates “Memória da luta antirracista” tem ainda outras três palestras agendadas com a realização em universidades em diferentes estados brasileiros. A próxima edição, que vai ocorrer na UFRGS, no Rio Grande do Sul, em parceria com a Escola Nacional de Formação do PT, tem como tema “A construção do feminismo negro: mulheres em luta – Pensamento e militância de Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento: intelectualidade, ativismo e luta pelo combate ao racismo”.