Evento debateu economia solidária como modelo de desenvolvimento para o Brasil
Necessidade de encontrar saídas coletivas considerando o trabalho por conta própria nas periferias foi apontado como grande desafio contemporâneo
O empreendedorismo e sua relação com a economia popular no mercado de trabalho contemporâneo foi o tema da roda de conversa Periferias, empreendedorismo, economia comunitária e solidária, realizada em 25 de março, pela Fundação Perseu Abramo, por meio do Reconexão Periferias. Estiveram na abertura do evento o presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto, e o coordenador do Reconexão Periferias, Paulo Ramos, como mestre de cerimônias.
Participaram da roda de conversa o ex-prefeito de Araraquara, Edinho Silva, a formadora do MST Jade Percassi, o sociólogo e coordenador-executivo da Rede Brasil Afroempreendedor (Reafro), João Carlos Nogueira, a coordenadora estadual do Programa Paul Singer, da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, Mariana Girotto, e a consultora do Reconexão Periferias Darlene Testa, que mediou o debate.
Okamotto afirmou que para refletir sobre a cultura empreendedora e sua relação com o mundo do trabalho e a economia solidária é fundamental pensar quem são os trabalhadores e qual é o nosso foco. “A cultura empreendedora é individualista, e esse é um problema. Porque, na prática, estamos estimulando as pessoas que não conseguem ter bons empregos a serem empreendedoras. Como partido de esquerda, em um estado capitalista que tem muitas falhas, devemos apontar saídas econômicas, mas precisamos avaliar melhor como fazer isso e pensar em saídas coletivas. Como produzir política e conhecimento levando em consideração a realidade daqueles que precisam trabalhar por conta própria é um grande desafio hoje”, disse.
O consultor do Reconexão Periferias, Artur Henrique Silva Santos, afirmou que o debate da economia solidária com sua amplitude deve ser replicado em todo o país. “Queremos que esse negócio se transforme na centralidade do modelo de desenvolvimento e espero que a gente consiga convencer cada vez mais pessoas dessa necessidade”.
Experiências
O ex-prefeito de Araraquara, Edinho Silva, mencionou diversas experiências de empreendedorismo social adotadas durante sua gestão. Entre elas a criação de uma cooperativa que hoje é responsável por 100% da coleta seletiva no município e uma outra, protagonizada por egressos do sistema prisional, que iniciou com três pessoas e hoje reúne centenas de egressos, com uma taxa de reincidência de apenas 4%.
Para ele, a economia solidária não é “bombeiro da conjuntura”, e sim uma concepção de política pública estruturante da organização da produção. Edinho argumentou também que é muito importante organizar os setores da economia criativa dos quais despontam novas profissões. “Artistas, artesãos, cantores, profissionais que organizam atividades culturais são trabalhadores. Precisamos ver a economia solidária como algo central, ou não vamos conseguir dialogar com a nova classe trabalhadora”, afirmou.
Desigualdades estruturais
Nogueira destacou que, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a participação de negros e mulheres nos pequenos negócios em 2010 chegava a 53%, o que de certa forma era surpreendente, pois havia uma ideia dominante no Brasil de que o empreendedorismo seria para homens brancos da classe média. “O empreendedor do qual estamos falando é da periferia. O que se constituía como a classe trabalhadora clássica, da indústria, passou por uma grande transformação com a desindustrialização e migrou para o setor de comércio e serviços, carregando desigualdades estruturais”, afirmou.
Segundo ele, existem 15,7 milhões de negros e negras que trabalham por conta própria e têm ganho menor do que os trabalhadores não negros. Somente em São Paulo, são 1,7 milhão de pretos e pardos nos pequenos negócios. “Nós não temos ainda uma linguagem adequada para conversar com esse público. O desafio dos partidos de esquerda e dos sindicatos é organizar e encantar essas pessoas”, disse.
Jade Percassi lembrou que, quando começou a atuar no MST, boa parte dos anseios e angústias atuais já estava surgindo no final da década de 1990. “À época da primeira edição do Fórum Social Mundial, falávamos da mudança de perfil das classes trabalhadoras em vários países, e uma das discussões mais acaloradas era justamente sobre a construção de um programa de desenvolvimento para o campo, com uma reforma agrária que levasse em conta uma projeção da cultura associativista e cooperativista”, pontuou.
Para ela, a reforma agrária hoje é a solução para os dois maiores problemas da humanidade: a fome e a destruição ambiental. “Estamos falando de mudança estrutural das relações de produção, sem exploração de seres humanos, e de uma outra forma de relação com a natureza, não predatória, que se chama agroecologia. Não há produção de alimentos saudáveis com relações tóxicas. Quando falamos em cooperação e agroecologia na reforma agrária popular, estamos falando de uma plataforma socialista, anti-racista, anti-patriarcal, anti-etarista, anti-capacitista e assim por diante”.
Um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da economia solidária, na visão de Mariana Girotto, passam pelas dificuldades de acesso ao crédito. “Hoje temos bancos solidários de desenvolvimento, bancos municipais, fundos solidários e cooperativas de crédito solidárias que dão acesso às populações periféricas, sem as listas de exigências que os bancos convencionais exigem”, explicou.
Assista à roda de conversa no canal da Fundação Perseu Abramo no Youtube:
E confira a playlist com as falas de cada convidado e convidada