Elementos como alteração da safra devido às mudanças climáticas, aumento da exportação e da demanda interna, além das políticas públicas existentes para o setor foram discutidos na atividade
Em debate, especialistas explicam composição dos preços dos alimentos 
crédito: Sergio Silva | FPA

Com o objetivo de fortalecer a produção de conhecimento, a Fundação Perseu Abramo realizou nesta terça-feira (13), o debate “Decifrando os preços dos alimentos” com transmissão online ao vivo e a participação dos debatedores e do público na sede da organização.

O foco da atividade foi trazer luz ao tema do acesso à comida pela população brasileira, a partir dos mecanismos do cálculo de preços, do funcionamento do mercado de commodities, o papel da agricultura familiar e das políticas públicas relacionadas ao assunto. 

Participaram como expositores: José Giacomo Baccarin, economista e agrônomo; Adriana Marcolino, diretora técnica do Dieese; e Altivo Almeida Cunha, doutor em economia e engenheiro agrônomo. 

A mediação do evento foi feita pelo vice-presidente da Fundação Perseu Abramo, Brenno Almeida e o presidente Paulo Okamotto abriu os trabalhos, recebendo o público e reafirmando a importância do debate. “Nós queremos que nossos filiados, militantes e simpatizantes fiquem por dentro do que está acontecendo, nesse sentido, para nós é muito importante a produção de conhecimento. Nós desejamos que as políticas públicas sejam, cada vez mais, melhores executadas e definidas”, diz Okamotto.

Inflação de alimentos

A comida está cara no mundo inteiro e não é de agora”, destaca José Giacomo Baccarin. De acordo com o economista e agrônomo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal, a flutuação do preço dos alimentos é algo conhecido. “Desde 2007, vivemos o que eu chamo de ‘inflação de alimentos’; já são dezoito anos em que o preço dos alimentos cresce em um patamar acima da inflação ao consumidor”, lembra Baccarin.

O professor aponta ainda que a situação é mais complicada no orçamento doméstico da população mais pobre, que chega a gastar 23% da renda com comida, e com uma variedade mais restrita de itens da cesta básica. Segundo ele, o povo está certo em cobrar uma resposta, mas é preciso ter cautela para entender a multiplicidade de fatores.

“O estresse do início desse ano foi excessivo, na minha opinião. O presidente Lula tem toda razão em se preocupar, claro, porém, no ano passado o preço da alimentação subiu, mas não acima do que já vinha acontecendo”, explica. 

Em debate, especialistas explicam composição dos preços dos alimentos 
crédito: Sergio Silva | FPA

Para Baccarin, a disputa política pode e deve ser feita a partir de dados positivos do governo no tema, algo que é pouco lembrado pela mídia. “No governo Bolsonaro, a inflação média dos alimentos era de 10% ao ano, sob Lula é de 4%, ou seja, menos da metade”, pontua. 

O economista trouxe dados referentes aos últimos dois anos para compreender a mudança no comportamento dos preços. Em 2023, houve um momento de exceção na curva ascendente da inflação dos alimentos, o que não ocorreu em 2024. A partir de setembro, as carnes bovina e suína tiveram um aumento de 23%, o que causou bastante impacto no índice geral, junto a outros produtos como o leite e o café. 

Na avaliação de José Giacomo Baccarin, o Brasil ter se tornado competitivo no mercado internacional é uma conquista importante, fruto do investimento em tecnologia no campo, e que isso não deve ser enxergado como um problema, mas: “a comida no Brasil precisa ser acessível para o brasileiro”, afirma; e completa: “nós temos respostas para isso”. 

Cesta Básica 

“Tivemos um processo de aumento de renda, além das políticas de transferência de renda, e isso, por consequência, aumenta a demanda por alimentos no país. Mas, em nenhum lugar do mundo, as pessoas com a possibilidade de comer mais e melhor podem ser vistas como um problema”, expressa Adriana Marcolino.

A diretora técnica do Dieese aponta que houve um alarde do mercado financeiro sobre o tema com um discurso de que são necessárias medidas como o aumento dos juros, retração da economia, aumento do desemprego e assim, a redução do consumo de alimentos. “Essa não pode ser a solução, querer colocar as pessoas de novo em um quadro de insegurança alimentar”, afirma.

Em debate, especialistas explicam composição dos preços dos alimentos 
crédito: Sergio Silva | FPA

Adriana Marcolino apresentou gráficos que apontaram, no período entre 1995 e 2025, o aumento dos preços de diferentes produtos, como arroz, feijão, café, óleo, entre outros. No ano de 2024, de acordo com o mapeamento anual do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o Dieese, a cesta básica sofreu um aumento em dez capitais das dezessete monitoradas. Em 2023, houve um recuo nos preços em quize cidades. O que corrobora com o panorama apresentado por Baccarin de diferenciação entre os dois primeiros anos do governo. 

A diretora do Dieese explica que além da inflação dos alimentos, outro ponto considerado crítico para os trabalhadores foi o período em que o salário mínimo ficou sem reajuste, o que ocasionou um achatamento no poder de compra, incluindo a aquisição de alimentos. 

Apesar disso, Marcolino destacou que, no período da terceira gestão de Lula, o Brasil conseguiu sair de um patamar vergonhoso com relação à fome. Em 2024, segundo a FAO, agência da ONU sobre o assunto, o Brasil conseguiu diminuir em 85% o índice de insegurança alimentar severa, após cenas lamentáveis de brasileiros formando filas para aquisição de ossos em açougues. 

Dos pontos levantados pelos especialistas, como o aumento da produção destinada à exportação, além do aumento da demanda interna, o que realmente é considerado preocupante, na avaliação da diretora técnica do Dieese, justamente por ter uma tendência de avançar e permanecer no cenário mundial, são as mudanças climáticas, que alteram drasticamente a forma de produção e a colheita.

Estoques e políticas públicas 

O engenheiro agrônomo e doutor em Economia, Altivo Almeida Cunha, abordou o caso emblemático do aumento do preço do café, que teve uma série de fatores, e destacou que a resolução não é tão simples, pois a safra é negociada antes, o que faz com que boa parte da produção já esteja vendida para o mercado internacional.

Consultor da FAO, Cunha destaca: “Nós temos uma complexidade das coisas estarem interligadas, dos mercados interconectados, e ainda o fato dos produtores terem muita vantagem ao exportar e como lidar? Isso não é simples de mudar de uma hora para a outra, precisamos de medidas de médio a longo prazo e mitigação”. 

O especialista defende que haja um controle de estoques de grãos com eficiência e dinamismo na compra e venda. “O milho, por exemplo, é central nessa discussão porque além de ser importante na alimentação humana, também é a base para alimentação da produção de carnes, como o frango”, explica. 

Em debate, especialistas explicam composição dos preços dos alimentos 
crédito: Sergio Silva | FPA

Para Cunha, as políticas públicas são muito importantes para o controle do preço dos alimentos; ele citou que diversas prefeituras do PT foram muito exitosas nesse assunto, premiadas internacionalmente. 

“Nós temos 75 mercados atacadistas no Brasil, que funcionam como centrais de abastecimento. São espaços em que os produtores podem ser estimulados. Temos o PAA, o Programa de Aquisição de Alimentos. Muitos produtores foram estimulados a produzir com a segurança de que o governo compraria, foi criminoso o desmonte desse programa”, comenta. 

Para o engenheiro agrônomo Altivo Almeida Cunha a retomada das políticas de incentivo ao produtor, além do combate aos “desertos alimentares”, dentre outras medidas do governo, podem ser parte da solução para o controle dos preços.