Nos dias 10 e 11 de maio, na sede da Fundação Perseu Abramo, em São Paulo, foi realizado o seminário que discutiu e aprofundou as análises sobre os significados e abrangência dos 50 anos da Revolução dos Cravos, ocorrida em Portugal nos anos 1970.

O movimento português que levou ao fim da ditadura em 25 de abril de 1974 foi impulsionado por militares. A Revolução de 25 de Abril, também conhecida como Revolução dos Cravos, Revolução de Abril ou apenas por 25 de Abril, foi importante evento da história de Portugal, que depôs o regime ditatorial vigente desde 1933 e iniciou um processo a caminho da democracia e com a entrada em vigor da nova Constituição de 25 de abril de 1976.

Com mesas formadas por estudiosos e conhecedores daquele momento histórico e também por representantes de grupos políticos portugueses, o seminário, organizado pelo Núcleo de Cooperação Internacional da Fundação Perseu Abramo, trouxe à tona temas como as ações, consequências e as condições objetivas e subjetivas que fizeram os militares e também o povo português derrubarem o fascismo de Salazar.

Na sexta-feira (10), com coordenação da diretora da FPA Ellen Coutinho, Valério Arcary, professor do Instituto Federal de São Paulo/IFSP, militante da Resistência/PSOL, Breno Altman, militante petista e diretor do portal Opera Mundi, e José Reinaldo de Carvalho, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB, presidente do Cebrapaz.

“Foi bonita a festa, pá”, o tema da sexta, que contou com a presença de diretores da Fundação Perseu Abramo e do presidente Paulo Okamotto, além da audiência presencial e virtual.

Valério Arcary abordou tema de grande interesse histórico, que é o fato de porquê a queda da ditadura se transformou em processo revolucionário? “Poderia não ter sido assim”, disse Valério, já que nem todos exemplos de outros países levaram para este caminho. “A ditadura salazarista era considerada obsoleta, uma anomalia. A tendência na Europa pós-guerra foi o caminho democrático. Não em Portugal, que era um império arcaico que mantinha poder desproporcional sobre as colônias e enfrentava guerra colonial em três frentes”, relatou.

Com a insurreição militar contra o império,surge uma situação política que gera movimentação popular. Talvez algumas dezenas de milhares nas ruas e uma explosão social. Que mostrava que uma revolução estava em marcha”.

Revolução cultural

Para José Reinaldo de Carvalho a revolução portuguesa marcou transformações. Carvalho também destacou a revolução cultural em Portugal a partir das movimentações políticas e militares, assim como as conquistas alcançadas, como a democratização, o fim das guerras coloniais, a independência das colônias e medidas de combate à pobreza, além da Assembleia Constituinte.

Em sua análise, José Reinaldo ainda comentou a participação dos comunistas e as influências no Brasil, uma vez que vivíamos ainda a nossa ditadura militar. “A Revolução dos Cravos influenciou e encorajou os brasileiros a lutarem contra a ditadura, foi um símbolo de resistência e liberdade”, disse.

Breno Altman, por sua vez, apresentou as conexões entre a esquerda brasileira e a portuguesa. Influências e semelhanças, conexões ou contradições. Para o jornalista, “a luta democrática não pode se separar da luta anticapitalista e anti-imperialista”.

Ele relembrou ainda que a derrota do fascismo se deu com aumento da força popular e aí então as ações de insurreição. Questões como processos de transformação sem ruptura, divisão do movimento operário e a fuga da burguesia local também fazem parte da participação de Breno, que defendeu que é possível colher lições “porque os processos históricos trazem lições políticas para a difícil situação da esquerda mundial e do Brasil”.

Diretamente de Portugal

O seminário contou com a participação de três representantes de organizações políticas de Portugal. Bruno Dias,membro do Comitê Central do Partido Comunista Português; Isabel Moreira, deputada do Partido Socialista; e Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda. A coordenação da mesa foi de Nabil Bonduki, conselheiro da Fundação Perseu Abramo, que também estava em Portugal no período da Revolução dos Cravos.

Para Bruno Dias, a experiência de seu país “tem muitos pontos em comum entre nossos povos”. O dirigente português explicou que os trabalhadores, a juventude e os estudantes não só aderiram naquele momento, mas foram protagonistas do processo de derrota do fascismo desde antes do dia 25. “Só se derruba uma ditadura com muita luta e tivemos dezenas delas, crises na academia, nas universidades e escolas secundárias, tivemos o 1º de Maio de 1962 com milhares e milhares de trabalhadores em greve, num contexto de regime de ditadura fascista”.

“Muitos jovens oficiais com consciência social, fruto da resistência de muitos anos em Portugal e a resistência do povo, da classe trabalhadora gerou um processo de revolução inacabada mas não se perdeu o desejo de Portugal do futuro, soberano e continua a portar esse projeto de um país democrático que é o projeto de abril”. O caráter anti-monopolista, anti-imperialista ficou evidenciado.

Bruno ainda falou sobre a União Europeia não ser toda Europa. “Temos a Alca na região, um fator fundamental de ofensiva brutal capitalista de dominação e condicionamento ou retirar aspectos fundamentais de abril. Há fatores concretos que tem a ver com as opções políticas que levam ao desafio de uma convergência, a necessidade de uma ruptura, um rumo que podemos defender em nosso país, como retomar as bandeiras de abril”.

Tentativas de destruir as vitórias de abril, seja revendo direitos e conquistas sociais, seja com tentativas de negar os valores e intenções do 25 de abril. Como comparação, no Brasil, a direita questiona o golpe militar, chamando de ‘revolução’ para tentar ilustrar o que de fato ocorreu: destruição da democracia e de direitos.

A tarefa que está mais atual do que nunca, o combate anti fascista e contra a extrema direita terá que ser feita com a ruptura, é o que defende Bruno: “marca o presente e o futuro e nossos próximos desafios. Mas é preciso apresentar alternativa”. Uma política alternativa contra a política de direita ao longo das décadas. O tema que nos une tem a ver com a constatação da necessidade de levantar a bandeira de que a vida pode ser diferente, que os povos podem escapar dessa vida que querem nos impor. O projeto alternativo são os valores de Abril.

Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, é a primeira geração, um legado de 25 de abril, ela mesma filha da reforma agrária, pois seus pais se conheceram num acampamento. Nossa área política classifica o 25 de abril como um grito que mostrava que o capitalismo e o autoritarismo andam juntos.

No processo todo, o resultado é a luta de classes. E esse é o debate sobre o papel do significado do 25 abril, que vem sendo questionado, com tentativas de apagamento. 

A deputada fez um apanhado do que ouviu nas mesas anteriores e reafirmou que naquele período houve exclusão de uma esquerda radical, que tem setores que começam ações armadas, e acabam por adensar as lutas contra o fascismo juntamente com as forças armadas e população.

25 de Novembro

O 25 de Novembro de 1975 em Portugal foi resultado de tensões políticas e ideológicas que surgiram após o 25 de Abril de 1974.

As conquistas do povo tinham a proteção das armas do Exército. Sem essa união houve o fim da via armada, fragilidades, mas a Constituição é socialista, com direitos do povo. A burguesia portuguesa impediu vários avanços, e para ela, Portugal não tinha um projeto de independência econômica, fazendo estar atrelado ao capital internacional.

Ainda assim, o processo revolucionário deixou marcas profundas na democracia parlamentar portuguesa e na Constituição. “Abril de novo com a força do povo, slogan dos anos 1980, mostra isso, mas nossa perspectiva é reabrir uma iniciativa popular que propunha a ruptura com o capitalismo”.

Para ela, “nossa democracia não foi feita para servir à democracia liberal. Foi feita para defender os direitos econômicos e sociais. Um governo de esquerda que queira discutir nacionalizações ou socialização de processos econômicos não teria na nossa constituição impedimentos. Na União Europeia sim”.

Isabel Moreira, deputada do Partido Socialista, acredita que com a revolução foram alcançados direitos e liberdades que incidem ainda hoje sobre o sistema atual. Também defendeu que direitos e liberdades individuais ainda são também temas a disputar e que é preciso reverter o discurso de que todos os políticos são iguais, todos corruptos.

“O 25 de abril foi maravilhoso e os objetivos da descolonização, democratização e desenvolvimento são muito importantes ainda hoje. Havia militares que queriam somente terminar com a ditadura e com as guerras coloniais. As demais questões queriam deixar para os políticos. Enquanto socialista, sou tributária de uma luta social grande e defendo uma democracia pluralista e justa. A constituição teve como base a obrigação de ter direitos sociais como consenso entre os partidos que assinaram a Carta”, completou Moreira.

Xenofobia, neoliberalismo, revisões históricas, lutas contras as guerras e avanço da extrema-direita também foram discutidos no seminário, mostrando que 25 de abril pode ser usado para reafirmar o que era proposto naquele momento.

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