Clássico de Friedrich Engels, publicado originalmente em 1895, o ensaio “Contribuições para a história do cristianismo primitivo”, foi lançado neste ano pela editora Expressão Popular e pela Fundação Perseu Abramo. A publicação, que pode ser acessada aqui, tem prefácio de Frei Beto e apresentação de Alberto Cantalice, diretor de comunicação da FPA. 

Neste livro, Friedrich Engels apresenta questões sobre o modo de organização das primeiras sociedades cristãs e elementos presentes no ideário comunista. Engels observa que, assim como a classe operária é oprimida pela burguesia, os cristãos primitivos eram oprimidos e perseguidos pelo Império Romano.

Religião dos pobres, servos e escravos, esses cristãos foram rotulados como inimigos da sociedade. Tratamento semelhante ao que se viu contra comunistas séculos depois. Ambos tratam de redenção, mas com uma diferença: o cristianismo promete a salvação na vida eterna após a morte e o comunismo convoca para a transformação da sociedade nessa vida, nesse mundo.

Engels fala de movimentos cristãos organizados que trouxeram princípios socialistas. Cita a influência das ideias cristãs sobre os operários franceses nos levantes de 1830.

Esses grupos organizados foram vistos como ameaças à ordem econômica e aos privilégios. Mesmo distantes do materialismo marxista e do conceito de luta de classes, o socialismo cristão dos anos 1800 cumpriu seu papel na popularização das reivindicações das classes trabalhadoras, na articulação das organizações sindicais e na luta por justiça social.

Na América Latina, nos anos 1960, o socialismo cristão influenciou o surgimento da Teologia da Libertação – uma síntese entre a teologia cristã e análises socioeconômicas com lastro na preocupação social com os pobres e com a libertação política dos povos oprimidos.

As últimas décadas, no Brasil e no mundo, nos revelam um encontro maior da religião com a política. Valores individuais e coletivos estão em disputa e a balança por vezes pende para um cenário trágico, no qual o neoliberalismo escancarado se associa a uma pauta atrasada nos costumes. Compete a nós fazer o bom debate e mostrar que o mundo só será melhor se estiver livre do ódio, do individualismo e da opressão. Engels nos provoca a pensar sobre as questões da luta por libertação com organização. E por isso, quase 130 anos depois, ele é pertinente.

A importância da dimensão humana de Cristo, por Alberto Cantalice 

A relevância de Jesus Cristo na história, seu papel agregador, humano e vigoroso contra as atrocidades da escravização, a luxúria e o preconceito, reveste-se de tamanha importância, que seu nascimento passou a ser concebido como a nova era.

Inspirador da religião cristã – religião que desde os seus primórdios abriga corações e mentes de bilhões de pessoas – seu legado passou por muitas e controvertidas disputas: desde a generosidade de “dar o pão a quem tem fome” e “água a quem tem sede” até atrocidades cometidas em nome da fé nas Cruzadas e na Inquisição. 

Várias denominações religiosas, principalmente após o “cisma” no século XVI – que deu origem ao protestantismo de Lutero, Calvino e outros -, disputam o seu legado. Na Igreja Católica, o papado de Roma, inspirado em Agostinho e Tomás de Aquino, conjugou o imanente e buscou a transcendência na interpretação do papel do Cristo. E até hoje balizam os ensinamentos dessa Igreja.

Nesse livro O cristianismo primitivo, o filósofo e pensador Friedrich Engels buscou mostrar a dimensão humana do Cristo que se rebelou contra as perversas condições de vida do período, que proclamou a fraternidade e buscou uma vida mais igualitária entre os seres humanos.

Ao passo que em sua caminhada agregava em torno de suas ideias mais e mais pessoas, fazia, entretanto, um corte entre os poderes de então, expressos no Império Romano. Quando questionado sobre a excessiva cobrança de impostos disse: “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Mesmo agindo para não criar embaraços com o Império, enfrentou as vicissitudes daqueles que ousam questionar o status quo dominante na religião de então.

Perseguido tenazmente pelos “vendilhões do templo”, foi feito prisioneiro, torturado e terminou por sofrer a maior das condenações de então: a morte por crucificação. 

Personagem fundamental na história, Jesus Cristo tem sua trajetória marcada por mitos, lendas e realidade. Devido às dificuldades do período histórico e pelo fato de não ter deixado escritos autorais em sua vida breve é, até os dias atuais, veículo de interpretações as mais dispares sobre o seu verdadeiro papel.

Há, inclusive, aqueles que “pregam” a palavra de Cristo, mas agem de forma totalmente diferente do pregador original. Vivendo no fausto e na riqueza, se aproveitando da boa-fé do povo cristão. Esses seriam a versão contemporânea dos fariseus, que segundo Mateus 23,27-32 mereceram a seguinte reprimenda:

“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de cadáveres e de toda a podridão! Assim também vós por fora pareceis justos diante dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e injustiça”.

Buscar a dimensão profundamente humanística e solidária de um personagem de tamanha envergadura histórica deve ser um compromisso de todos aqueles que fazem da luta contra as injustiças sociais e os preconceitos o sentido da vida. É esse tipo de desafio que nos faz ousar lançar uma obra que, em poucas páginas, tenta dar uma interpretação da presença de Jesus Cristo e sua preponderância milenar ao longo da nossa era. 

O Cristo dos pobres, dos desvalidos. O Cristo que sabia separar o joio do trigo e fez do fim das injustiças uma profissão de fé. 

Ao reeditar essa obra escrita no século XIX, mas que mostra cada vez mais sua atualidade, a Fundação Perseu Abramo (FPA) e a Expressão Popular foram buscar em Frei Betto, um cristão convicto, a veia interpretativa da obra de Engels, ampliando os horizontes da obra original.

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