Em outubro de 2002, o primeiro trabalhador da história era eleito presidente do Brasil
O primeiro trabalhador da história chega à Presidência da República com a maior votação do período democrático: 52,7 milhões de votos. Ao seu lado, o empresário José Alencar.
O metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva vence em 27 de outubro de 2002 o segundo turno das eleições presidenciais, tornando-se o primeiro trabalhador a chegar à Presidência da República. Sua vitória decorreu do amadurecimento do eleitorado brasileiro — que desde a eleição municipal de 2000 vinha externando o desejo de mudança política — e da complexa conjuntura que precedeu o pleito.
Era grande a insatisfação com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sua popularidade caíra fortemente após a reeleição, com a desvalorização do real nos primeiros dias do segundo mandato, em 1999, e despencara com a crise do apagão elétrico, em 2001. A economia brasileira também enfrentava uma situação de vulnerabilidade: a inflação voltara a subir, o desemprego era alto e o crescimento, baixo.
No dia da eleição em segundo turno, e dia de seu aniversário, Lula conquistou 52,7 milhões de votos, ou 61,27% dos votos válidos, contra 33,3 milhões de votos, ou 38,72%, dados a José Serra (PSDB). Foi a maior votação já obtida por um candidato na nova fase democrática do país — uma conquista histórica, que mudaria a fisionomia social do Brasil.
O PSDB lançou Serra, ex-ministro do Planejamento e da Saúde, com apoio do PMDB. A oposição concorreu com Lula (PT), Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB). O PFL lançou a candidatura da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, que chegou a liderar as pesquisas, mas foi obrigada a retirar-se da disputa após o chamado caso Lunus, nome da empresa da qual era sócia e que foi acusada de envolvimento em esquema de desvio de recursos públicos federais.
Lula decidiu alargar o leque das alianças eleitorais do PT e ter um vice com trânsito no empresariado. O escolhido foi o empresário José Alencar, com quem acabaria construindo uma sólida parceria política. Alencar trocou o PMDB pelo pequeno Partido Liberal (PL), que se coligou ao PT juntamente com o PCdoB e o PMN.
A campanha petista foi organizada em bases altamente profissionais e reuniu um grande elenco de técnicos e especialistas de dentro e de fora do partido. José Dirceu assumiu a coordenação da campanha e Antônio Palocci, a coordenação do programa de governo. O publicitário Duda Mendonça foi contratado para coordenar os programas de rádio e televisão.
Desde o início da campanha, Lula encarnou o sentimento de que o Brasil precisava romper com a estagnação econômica, a desigualdade e a exclusão social. Seus comícios atraíam multidões e sua candidatura recebeu a adesão de lideranças populares, empresariais, sindicais, de artistas, intelectuais e religiosos dos mais variados matizes.
Lula defendia a retomada do crescimento e a implantação de políticas audaciosas de combate ao desemprego, à exclusão e à desigualdade social. Manteve-se na dianteira na preferência dos eleitores, com uma média de 38% das intenções de voto, enquanto outros candidatos se revezavam no segundo lugar, com médias inferiores a 20%.
Diante do agravamento da crise econômica, que o governo e o mercado insistiam em atribuir ao chamado “risco Lula”, em junho o candidato petista lançou a Carta ao Povo Brasileiro, um documento histórico no qual prometeu honrar os contratos e os compromissos assumidos pelo país e manter os fundamentos básicos da economia, como câmbio livre, inflação controlada e superávit primário.
Na carta, reiterava, porém, seus compromissos com a mudança social: “Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação, mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda, construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de todos”.
A carta contestava a ideia de que a instabilidade derivava do temor à sua candidatura: “Trata-se de uma crise de confiança na situação econômica do país, cuja responsabilidade primeira é do atual governo. Por mais que o governo insista, o nervosismo dos mercados e a especulação dos últimos dias não nascem das eleições. Nascem, sim, das graves vulnerabilidades estruturais da economia apresentadas pelo governo, de modo totalitário, como o único caminho possível para o Brasil. Na verdade, há países estáveis e competitivos no mundo que adotaram outras alternativas”. Ainda em junho, o presidente Fernando Henrique firmou o terceiro acordo de seu governo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), recebendo um aporte de US$ 10 bilhões. Os candidatos a presidente foram chamados a endossar a decisão.
No primeiro turno, em 6 de outubro, Lula havia recebido 46,44% dos votos e José Serra, 23,1%. No segundo turno, enfrentou a “campanha do medo” promovida pelo PSDB. A atriz Regina Duarte apareceu no horário eleitoral dizendo ter medo do que aconteceria no Brasil se Lula ganhasse. Os candidatos Ciro Gomes e Garotinho declararam apoio a Lula e cresceram as adesões de figuras expressivas em todos os segmentos sociais.
Na festa da vitória, na avenida Paulista, em São Paulo, Lula disse à multidão uma frase que se tornou célebre: “A esperança venceu o medo”. Aconteceram comemorações em todo o Brasil pela chegada do primeiro trabalhador à Presidência da República. No dia seguinte, Lula anunciaria a primeira política pública de seu governo, o Fome Zero, embrião dos programas de transferência de renda que seriam agrupados posteriormente no Bolsa Família.