Enquanto a China mantém sua grande marcha rumo à liderança econômica do globo, mais encontros, livros, pesquisas e debates procuram desvendar esse quadro. Entre os dias 23 e 26 de outubro, uma série de palestras sediada na Universidade Federal do ABC (UFABC), organizada pela Rede Brasil-China e com apoio de organizações como a Fundação Perseu Abramo, buscou traçar pontos de contato e oportunidades entre o gigante asiático e o Brasil.

Nas duas últimas décadas, os dois países adotaram como prioridade o combate à fome de suas populações. Na China, onde a política é comandada por um partido único, essa opção se manteve, a despeito de questões conjunturais. No Brasil, depois do golpe de 2016, a ideia foi abandonada, quando não abertamente hostilizada, para ser então retomada a partir de 2023, com o retorno de Lula à Presidência.

Essas experiências foram objeto de debate da mesa “Os desafios para o combate à fome e à pobreza”, organizada pela Fundação Perseu Abramo, na tarde do dia 25. Nos dois casos, além de resultados concretos na redução da fome e da pobreza, sobram informações fantasiosas.

Uma delas é a de que a China seria um poluidor implacável e irredutível do meio ambiente. Segundo o professor Fabiano Escher, do programa de pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), além de estar bem atrás de Estados Unidos e Rússia, campeões em quesitos como emissão de gás carbônico, a China tem investido o bastante em modelos de transição energética, candidatando-se a líder neste processo.

“É o país que exerce a maior liderança em governança ambiental global em torno da agenda de descarbonização”, disse Escher. Ainda assim, atualmente, 27% das emissões de dióxido de carbono e 33% dos gases de efeito estufa cabem à China.

Segundo o pesquisador, a adaptação dos modelos produtivos, rumo a menores índices poluentes, tem andado junto com a superação da fome e da pobreza. Entre 2012 e 2022, em torno de 100 milhões de chineses e chinesas saíram da linha da fome, tendo o país zerado os índices. Ao mesmo tempo, a dieta chinesa vem se diversificando, com a queda do consumo de grãos e aumento da ingestão de carnes e vegetais, movimento que se observa desde a década de 1980.

Escher alerta, no entanto, que as importações chinesas, especialmente de grãos, têm produzido efeitos colaterais, como a primarização da produção e maior agressão ao meio ambiente, em outros países, entre eles o Brasil.

Durante o mesmo debate, a diretora Socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministra Tereza Campello, ao falar do processo de combate à fome e à pobreza no Brasil, destacou outro dado fantasioso reiteradamente repetido: o de que os ciclos dos governos Lula I e II e Dilma I teriam estimulado apenas o consumo de bens.

“Pergunte a uma mãe que nunca havia tido uma geladeira e conseguiu comprar uma”, propôs a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no período de 2011 a maio de 2016. “Não era só um bem, era uma oportunidade de organizar a alimentação de seus filhos”, disse. Outro exemplo dado por Tereza Campello é a chegada de água potável a localidades antes desatendidas: “Dizem que água é um bem de consumo. Mas para a pequena agricultura familiar, é também um meio de produção”.

Outro mito, segundo ela, é de que o Bolsa Família seria o maior responsável pela queda de 73% da pobreza no Brasil, entre 2003 e 2015. “Tem gente que olha pra mim e logo vê o cartãozinho do Bolsa Família. É sem dúvida um programa importante, mas teve um efeito residual, uns 14% de impacto na redução da pobreza. O maior impacto se deve ao aumento do emprego formal e aos aumentos do salário mínimo”.

O debate foi mediado por Valter Pomar, professor da UFABC e diretor da Perseu Abramo.

Para assistir à integra deste debate, clique aqui.

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