Em ato histórico, diante de 100 mil pessoas, Lula assina decretos para a retomada da reforma agrária e o esforço para a reconstrução nacional. “Só tem sentido estes ministros estarem no governo para atender o povo brasileiro que mais necessita, o povo que mais precisa do Estado”, discursou diante da multidão

Margaridas celebram a democracia

Isaías Dalle

Este governo nunca faltará com vocês. Eu quero que vocês saibam que vocês têm na Presidência da República um companheiro de vocês, que jamais se negará a conversar. Eu quero que vocês saibam que só tem sentido estes ministros estarem no governo para atender o povo brasileiro que mais necessita, o povo que mais precisa do Estado”.

As palavras de Lula foram dirigidas a um público de aproximadamente 100 mil pessoas, a imensa maioria mulheres agricultoras do campo, das florestas e das águas. O discurso da garantia de diálogo permanente de Lula foi o auge do ato encerramento da 7ª Marcha das Margaridas, na quinta-feira, 16.

Em frente ao Congresso Nacional, debaixo de um sol a pino, a Marcha das Margaridas foi a primeira grande concentração popular em Brasília depois dos perigosos e fracassados ataques à democracia ocorridos naquele mesmo espaço público, em 8 de janeiro. Passados sete meses, o que se viu ali foi a celebração da democracia em movimento.

Antes de fazer seu discurso, Lula assinou oito decretos, no palco instalado diante do Congresso, instituindo medidas e programas que pretendem responder às reivindicações levadas ao governo federal pela Marcha das Margaridas. A pauta foi preparada ao longo do ano em encontros e plenárias realizados pelos sindicatos e federações de trabalhadores e trabalhadoras rurais filiados à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Na quarta-feira, 15, o Senado já havia aprovado a inclusão de Margarida Alves no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, honraria preservada pelo Panteão da Liberdade e da Democracia, na capital federal. A agricultora Margarida, cujo nome batiza a marcha, foi dirigente sindical e lutava por direitos trabalhistas para os camponeses. Há 40 anos, foi assassinada na porta de sua casa a mando de latifundiários, no dia 12 de agosto de 1983.

Em resposta às reivindicações da Marcha das Margaridas, os decretos assinados por Lula retomam políticas que haviam sido abandonadas após o golpe de 2016 e introduz novos programas. Na prática, como observado pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT-SP), o cerne dos decretos representa a retomada da reforma agrária no Brasil e amplia apoios para a agricultura familiar.

Entre os decretos, um reabre a seleção de famílias para obter títulos de propriedades desapropriadas para fins de reforma agrária. O decreto estabelece que mulheres chefes de família terão prioridade no sistema de pontuação para acesso à terra. Já na primeira fase, conforme Paulo Teixeira, serão entregues 7.200 novas propriedades rurais familiares. Outras 40 mil famílias, segundo o ministro, obterão regularização dos títulos de propriedade. Com os títulos, as famílias se capacitam a obter crédito para plantio e colheita.

Complementa o esforço de titulação e acesso ao crédito a retomada do projeto para difundir a documentação entre as mulheres que trabalham em atividades de agroecologia. O programa, que vai ajudar mulheres do campo, das florestas e ribeirinhas a obter documentos pessoais, havia sido abandonado após o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff.

Outro decreto assinado pelo presidente Lula cria o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, com o objetivo de estimular a permanência de filhos e filhas de famílias agricultoras no campo, com a ajuda de instrumentos como educação universitária nos territórios e financiamento produtivo. Para dinamizar a agroecologia, o governo instituiu o programa Quintais Produtivos, com financiamento para ampliar a produtividade.

Para apoiar famílias de baixa renda que vivem em áreas sob proteção ambiental, Lula também assinou decreto que institui o Bolsa Verde. Este era outro programa desativado no período pós-Golpe de 2016.

Outro decreto cria uma política nacional para os trabalhadores rurais assalariados, ou seja, não titulares de terras, com direito a mesa de negociação permanente. Para combater a violência contra as mulheres do campo, dois outros decretos instituem uma comissão de enfrentamento à violência no campo e o pacto nacional de prevenção aos feminicídios.

A ministra das Mulheres, Aparecida Gonçalves, anunciou que o combate aos feminicídios inclui a chegada de 270 unidades móveis de apoio a mulheres em situação de violência. A frota, segundo a ministra, será composta de veículos produzidos para territórios de difícil acesso.

“O ministério vai marchar até vocês para garantir o atendimento”, disse. Ela também anunciou uma parceria com a Empresa de Correios e Telégrafos para captar junto a agricultoras, pescadoras e agroextrativistas demandas e propostas que serão enviadas diretamente ao ministério.

Em nome do Congresso Nacional, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) anunciou a criação de uma comissão de parlamentares encarregada de acompanhar e viabilizar o atendimento das reivindicações. Ela destacou a luta pela diminuição do uso de agrotóxicos, rumo à agroecologia, como uma das prioridades.

O ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo entregou às lideranças da Marcha das Margaridas um caderno de respostas, em que o governo federal elencou as medidas já tomadas e aqueles que estão em gestação para atender a pauta de reivindicações apresentadas.

No início do ato diante do Congresso Nacional, a secretária de Mulheres da Contag, Mazé Morais, fez uma fala emocionada em direção ao presidente Lula: “Tem um significado muito grande para nós a sua presença aqui, presidente. Estamos com muita esperança. Nossa pauta foi construída coletivamente, e essa é a lindeza dessa marcha. Estamos contigo e queremos ajudar”, disse. Ela lembrou que a edição anterior, de 2019, havia sido de resistência. “Mas esta é a da reconstrução do Brasil e do bem viver”, completou, destacando o lema da edição 2023.

As margaridas, vindas de todas as regiões do Brasil, chegaram a Brasília no dia 15, quando se concentraram no Centro de Convenções do Parque da Cidade. Ao redor, em tendas, as participantes realizaram encontros para debater temas da pauta nacional, como a violência, e também organizaram uma feira para apresentar e comercializar produtos da agricultura familiar. No encerramento do ato político do dia 16, Lula se despediu com um beijo simbólico em cada mulher ali presente e um pedido de que transmitissem um abraço nos maridos e familiares que estivessem esperando em casa. “Nós não queremos ódio, nós queremos amor, nós não queremos fome, nós queremos comer, nós não queremos apenas auxílio, nós queremos trabalhar, e é isso que nosso governo quer garantir”.