O novo governo Lula, a educação antirracista e a implementação da alteração da LDB pela Lei 10.639/03
O Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas Igualdade Racial da Fundação Perseu Abramo (NAPP de Igualdade Racial) vem a público celebrar os 20 anos da sanção da Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que inseriu os artigos 26A e 79 B na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e tornou obrigatório o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Posteriormente, através da Lei 11.645/2008, o mesmo artigo 26A passou a abranger também a história e cultura indígena como componente curricular obrigatório. Tais medidas resultaram diretamente da luta histórica do movimento negro no sentido de fazer valer a Constituição Federal de 1988 e de valorizar a importância da população afro-brasileira e dos povos indígenas.
O teor antirracista desta alteração da LDB foi ratificado pelo Art. 11 do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), bem como nas Diretrizes Curriculares para a Educação das relações Étnico-Raciais e da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Resolução CNE/CP 01/2004 e Parecer CNE/CP 03/2004).
Decorridas duas décadas da promulgação da alteração da LDB pela Lei 10.639/2003 é possível ressaltar seus impactos na formação da cidadania brasileira, tanto no âmbito escolar, quanto na produção de conhecimento em suas várias dimensões acadêmicas: projetos pedagógicos, seminários, trabalhos de conclusão de curso, pesquisas de iniciação científica, especialização, dissertações de mestrados, teses de doutorados, grupos de estudos, cursos de formação inicial e continuada de educadores/as dentre outros.
Um verdadeiro campo epistêmico em torno da Lei 10.639/2003 está configurado no Brasil. No entanto, a maioria dessas realizações deve-se ao empenho e dedicação quase solitária de ativistas, docentes, gestores e estudantes. Se legalmente os artigos 26 A e 79 B constituem-se uma realidade no sistema jurídico do país, ainda estamos muito distantes de sua implementação consistente de modo que façam parte do currículo e do cotidiano escolar e da estrutura do sistema educacional nas esferas municipal, estadual e federal.
Vivemos, a partir de 1º de janeiro de 2023, no Brasil, uma grande expectativa das educadoras e dos educadores antirracistas diante da posse do presidente Lula e da construção do seu novo governo. Espera-se que o retorno da democracia seja coroado com várias mudanças positivas para a sociedade e para a educação. A reconstrução do Ministério da Educação (MEC), a recriação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Adultos, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC), bem como a recriação do Ministério da Igualdade Racial (MIR) apontam um caminho promissor. A nossa expectativa é que haja uma inflexão no quadro de inércia educacional em torno da alteração da LDB pela Lei 10.639/03 e sua dimensão antirracista. Que ela seja concretizada de forma efetiva e sistêmica nas escolas e Instituições do Ensino Superior.
O quadro negativo diante da não concretização dessa importante ação afirmativa na educação, exige que o “Governo da União e Reconstrução” e a promessa do “Brasil do Futuro” nele contida realizem uma iniciativa ousada e necessária: a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico-Raciais e da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana juntamente com o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico-Raciais e da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Urge que Diretrizes e Plano, este último ainda muito desconhecido por uma parte da comunidade escolar, gestores e acadêmicos, sejam retomados urgentemente nos tempos de união e reconstrução do Brasil que iniciamos e que suas orientações também se façam presentes no novo PNE, a ser debatido e construído.
As Diretrizes Curriculares Nacionais e o seu respectivo Plano Nacional devem ser compreendidos como uma grande meta política e educacional. A implementação de ambos é uma potente forma de combate e superação do racismo estrutural, bem como o seu enraizamento nas instituições educacionais.
Ainda estamos na Década Internacional dos Afrodescendentes estabelecida pela ONU (2015-2024). Somada a ela, um governo e um ministério da educação pautados na democracia, na união e na reconstrução do nosso país – tão maltratado durante os 6 anos de impeachment forjado pelas forças reacionárias e de desgoverno da extrema direita – é imperativo transformar de forma corajosa, responsável, democrática e antirracista os 20 anos de irregularidade da implementação da alteração da LDB pela Lei 10.639/03, das Diretrizes Curriculares e do seu respectivo Plano Nacional em 4 anos de compromisso e ações efetivas de enraizamento profundo nas escolas, nos currículos, na formação inicial e continuada de professoras e professores, na gestão escolar e do sistema de ensino.
Essa é uma das urgências para a construção a educação democrática e antirracista na educação brasileira.