Uma nova política de segurança pública é possível? Especialistas debatem
O Projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo, promoveu o lançamento de seu mais recente livro, “Violência no Brasil – Desafios das Periferias”, na noite de 15 de dezembro, no Boteco da Dona Tati, localizado no bairro da Barra Funda, São Paulo. Após o debate de lançamento, houve uma roda de samba.
O bar escolhido para o encontro tem abrigado uma série de debates intitulada Boteco Brasileiro de Política de Drogas.
No Youtube, que transmitiu o lançamento ao vivo, é possível assistir novamente. No portal da Fundação Perseu Abramo, o livro pode ser obtido em formato PDF.
Felipe da Silva Freitas, organizador do livro, que reúne artigos de especialistas e militantes do tema violência brasileira, destacou que os autores e autoras pertencem a uma mesma geração que tem combinado luta contra a violência sobre as periferias com o acesso e ascensão no ambiente universitário.
“Geração que considera importante estar na universidade, ter título de doutor, mas que também sabe que é importante estar na quebrada, com os dois pés no chão”, destacou Freitas.
Ele destacou ainda que o objeto do livro é, em sua opinião, urgente. “Nada me parece tão grave no Brasil de hoje quanto o drama da violência, do controle dos grupos armados do Estado e de fora do Estado exercem sobre os territórios, matando pessoas e eliminando grupos de pessoas negras”, disse.
O livro é composto por três partes. Na primeira parte, há o diagnóstico dos homicídios no Brasil. Na segunda, estudam-se os mercados ilegais e as dinâmicas marginais, o mercado de armas e os grupos que o manejam. Na terceira parte, uma análise das políticas de segurança pública, sobre o que está acontecendo dentro e fora do Estado para enfrentar a violência.
Dandara Tonantzin Silva Castro, deputada federal recém-eleita para o primeiro mandato pelo PT de Minas Gerais e liderança do movimento negro, chamou a atenção para o jogo do poder que nega a existência do racismo enquanto faz uso do mesmo racismo para sufocar direitos e manter privilégios.
“A estratégia do Estado é negar o racismo, ao mesmo tempo em que opera o tempo todo com o racismo. Nega o racismo, ao mesmo tempo que trabalha com o racismo em todas as relações de poder. A bala da polícia é um modo. A ausência de oportunidades, outro”. Na opinião dela, o aliciamento da juventude negra para o tráfico é um exemplo desse racismo negado e acalentado ao mesmo tempo.
O ataque sem tréguas à Lei de Cotas, acentuado durante o governo que está se encerrando, é mais uma faceta desse escamoteamento, segundo Dandara. “Mas nós vamos ter uma cotista da graduação e pós-graduação debatendo a Lei de Cotas no Congresso no ano que vem”, prometeu Dandara, referindo-se a si mesma.
Pedro Paulo dos Santos Silva, pesquisador do tema violência e segurança pública, destacou que as polícias militares estaduais são ineficientes, por mais que se invista dinheiro nelas. E que essas corporações têm participado diretamente da morte das pessoas periféricas, em nome do combate ao crime. Ele lembrou que de 2016 até agora, por exemplo, 10 das 16 maiores chacinas no Rio foram cometidas por policiais, durante o exercício legal das suas atividades. Jacarezinho, onde Pedro Paulo nasceu, foi palco da maior chacina da história da polícia, em 2021. “O crime continua, por conta da polícia, seja por ineficácia ou participação direta”.
Para Tamires Sampaio, que foi secretária-adjunta de Segurança Pública de Diadema entre 2020 e 2022, é preciso construir um novo modelo. A naturalização das mortes chegou a tal ponto que, segundo a avaliação que fez, há pessoas nascidas e que moram nas periferias defendendo intervenção militar. “Quero acreditar que é possível construir uma política de segurança pública baseada na proteção da vida, e não na justificação de nossas mortes”, disse.
Os especialistas apontaram algumas mudanças necessárias, e provavelmente mais possíveis agora, com a chegada de Lula à Presidência da República.
Para Felipe, é preciso entender as especificidades das mortes em cada cidade e Estado, para melhor enfrentá-las. Isso exigirá produção de pesquisas. Já Pedro Paulo apontou a adoção de controle civil interno e externo das polícias. Um argumento forte a ser usado na defesa desse controle para obter apoio popular, disse Pedro, é o custo da atuação das polícias e o mau resultado produzido.
Já Tamires, que no dia seguinte ao debate seria convidada para compor a equipe do futuro Ministério da Justiça, relatou o exemplo de política de segurança adotada por Diadema. Investimentos em políticas como cultura, a valorização do policiamento preventivo e não-repressor e também cuidado com a vida e saúde dos próprios policiais têm produzido resultados positivos.
Dandara acredita que o Congresso pode avançar no tema com a adoção de novas medidas. Como definir a padronização dos dados de segurança pública estaduais e da forma de coleta desses dados. Pode ajudar a criar um banco nacional de dados sobre violência e ainda fomentar um novo Código de Processo Penal que mude, entre outras coisas, os procedimentos nas perícias policiais, por exemplo.