O movimento sindical, com papel real de representação dos trabalhadores e trabalhadoras nas relações com as empresas e governos, é elemento imprescindível para o pleno exercício da democracia. Quem afirma é Yolanda Díaz, vice-presidente e ministra do Trabalho e Economia Social da Espanha. Yolanda liderou o processo de negociação, que durou cinco meses e envolveu sindicatos de trabalhadores, representações patronais, governo e Comissão Europeia, e gerou a nova legislação trabalhista na Espanha, aprovada neste ano pelo parlamento daquele país.

A ministra esteve reunida com dirigentes e assessores das centrais brasileiras na última sexta-feira, na sede da Fundação Perseu Abramo, em São Paulo, para debater o processo de mudança ocorrido em seu país, que superou uma legislação que, desde 2012, retirava direitos trabalhistas e rebaixava salários.

A principal lição da Espanha, no entender da ministra, é ter proposto um amplo diálogo social que exigiu de todas as partes envolvidas a disposição de ampliar suas mensagens para o conjunto da sociedade, e não mais apenas para seu público fiel. “Um discurso dirigido apenas para nós, ideologizado, apesar de apaixonante, não nos levaria a lugar algum. Se as ruas não nos seguirem, estaremos mortos”, disse ela.

Por isso, ao propor o diálogo social, a coalizão de governo na Espanha pediu empenho para que a argumentação fosse clara e objetiva. “É preciso ganhar confiança dos trabalhadores, e você não chega nos seus apenas com discursos ideológicos”, pontuou.

De sua parte, o governo fez, nas palavras de Yolanda, um trabalho pedagógico, colocando em pauta antigas polêmicas e falsas crenças a partir de argumentações técnicas, com embasamento nos fatos. Ela citou como exemplo a questão da produtividade, sempre usada por empresários e analistas conservadores como obstáculo aos direitos trabalhistas e salários melhores. “Mostramos que não é salário o que causa isso. Podem ser problemas de energia, infraestrutura. Mas não salário. E lançamos à representação patronal espanhola o seguinte argumento: trabalhador precário, lutando por baixo salário, é sinal de que as empresas são precárias. Isso é muito ruim para a imagem”.

O esforço gerou resultados importantes, como a elevação do salário mínimo, o retorno das negociações coletivas e a outrora improvável proibição de demissões em tempos de crise. Outra mudança de peso foi o reconhecimento do vínculo empregatício para motoristas e motociclistas que trabalham para empresas de aplicativos.

“Partimos da defesa de que os trabalhadores de aplicativos não são autônomos, são assalariados, e portanto têm que ter todos os direitos”, disse ela. Yolanda explicou ainda que uma das medidas para que esses trabalhadores tivessem seus direitos reconhecidos foi a abertura da tecnologia de algoritmos usada pelas empresas. “A fórmula matemática foi compartilhada com os trabalhadores”, disse ela, o que permite aos representantes sindicais uma tomada de posição durante processos de reivindicação e negociação. Outra medida essencial, segundo ela, é a atribuição desse papel de representação aos sindicatos.

Presente ao encontro, o presidente da CUT, Sérgio Nobre, avalia que a experiência espanhola representa um farol para o movimento sindical brasileiro, em caso de, após derrota de Bolsonaro nas próximas eleições, ser convocado um processo de negociação em torno de mudanças na legislação trabalhista e na estrutura sindical. “Mas aqui eu prevejo muito mais dificuldades que lá. O movimento sindical está unido, mas creio que o empresariado nacional vai apresentar muita resistência”, disse.

Sindicatos, sim ou não?

Também na última sexta-feira, entregadores e motoristas que trabalham para aplicativos no Brasil fizeram paralisação em algumas cidades. O movimento teve resultados conflitantes. A iFood, maior empresa do setor em entrega de refeições e alimentos, já havia anunciado aos motoentregadores um reajuste de R$ 0,59 na taxa mínima por corrida de até cinco quilômetros. Esse reajuste, apesar de aquém das reivindicações, não deixa de representar uma melhoria e uma resposta da empresa à pressão do movimento. Mas, como pretendido pelos patrões, o anúncio prévio acabou por esvaziar a mobilização, segundo avaliam os próprios organizadores.

Diferentemente do que costuma ocorrer em greves de outras categorias e setores, a paralisação dos trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos não teve um comando unificado, tampouco uma data pactuada entre as diferentes organizações que a convocaram. A mobilização ocorreu ao longo de quatro dias, desde a terça, 29 de março. “Foi boa, mas ficou enfraquecida por conta do anúncio da iFood”, avalia Paulo Gallo, liderança dos Entregadores Antifascistas, em São Paulo, que havia priorizado a paralisação do dia 1º. Além desse coletivo liderado por Gallo, há sindicatos que pleiteiam a representação da categoria.

Os centavos adicionais oferecidos pela iFood, empresa quase hegemônica depois da saída da Uber Eats do mercado, são um “pacote fake” entregue pela empresa, denuncia Alessandro da Conceição, o Sorriso, liderança dos motoentregadores em Brasília. “Antes da pandemia, em 2019, nós recebíamos R$ 6 de taxa mínima. Com a pandemia, o número de pessoas que começaram a trabalhar por aplicativo aumentou muito e a Ifood aproveitou que tinha fila de gente querendo entrar, e foi reduzindo a taxa, que chegou em R$ 5,31. Então, agora eles só estão retornando ao valor antigo”, diz.

Sorriso lembra que os motoentregadores reivindicam taxa mínima de R$ 7 para distâncias de até cinco quilômetros e taxa de R$1,50 por cada quilômetro adicional. A pauta de reivindicações inclui também o fim da necessidade de agendar previamente o horário de trabalho, o fim de duas ou mais entregas numa mesma corrida, o emprego de humanos, e não mais robôs, para atender os entregadores, e o fim dos bloqueios sem justificativa dos entregadores pelas plataformas, entre outros pontos ainda não atendidos.

Durante a semana, houve protesto também de motoristas que trabalham para aplicativos no transporte de passageiros. As empresas do setor adotaram tática semelhante à da iFood e anunciaram reajustes antes das paralisações, alegando incentivo frente à alta do preço dos combustíveis.

A semana termina para os trabalhadores e trabalhadoras do segmento com uma questão em aberto: as mobilizações teriam tido maior adesão, e mais reivindicações seriam atendidas, caso a organização do movimento tivesse sido unificada ou, ainda, organizada pelo movimento sindical mais antigo? Para Gallo, a adesão dos motoentregadores ao movimento sindical, além de difícil, talvez não seja a melhor alternativa.

“É difícil por causa dessa desmoralização dos sindicatos, muitos entregadores compraram essa ideia de que um sindicato é, necessariamente, corrupto”, explica ele. “Isso foi uma imagem que a mídia foi construindo ao longo dos anos. Então, eu entendo que vai no caminho de uma cooperativa, com características do sindicalismo, que tanto capte a demanda como organize o trabalho”, conclui.

Para a ministra Yolanda, a experiência espanhola mostra que organização trabalhista em sindicatos é um pilar do sistema democrático e do processo de superação das desigualdades. Inclusive para trabalhadores de transporte por aplicativo.

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