Democracia e desigualdade pautaram encontro internacional nesta quarta
Na manhã de hoje, o Encontro Internacional Democracia e Liberdade: para um novo modelo solidário de desenvolvimento realizou dois painéis: “Desigualdade, pandemia e pós-pandemia” e “Transformações sociais, direitos e justiça social”. O evento, iniciado ontem, é uma iniciativa do Grupo de Puebla e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e será encerrado na tarde de hoje com a participação do ex-presidente Lula. Acompanhe neste link.
O primeiro painel de hoje foi mediado pela secretária de Mudança Climática da Argentina, Cecilia Nicolini, que abriu o evento falando sobre a situação excepcional vivida na pandemia. Ela afirmou que embora as desigualdades sempre tenham existido, foram muito agravadas neste período. “Nunca antes fomos capazes de produzir tanta riqueza, mas nunca fomos tão desiguais, com crises cada vez mais graves. E hoje um conflito bélico impacta a vida das pessoas do mundo todo do ponto de vista econômico e ambiental, com aumento nos preços dos alimentos e da energia. Por isso, acreditamos que a integração, o multilateralismo e solidariedade são fundamentais”, disse.
A senadora eleita Clara López, ex-prefeita de Bogotá, afirmou que temos hoje um grande paradoxo. “Parece que estamos vivendo a certeza do fim do Consenso de Washington, modelo não embasado em evidências científicas e que não produziu os resultados esperados por seus idealizadores. Ao contrário, aprofundou a desigualdade entre os países, não contribuiu para a governabilidade, gerou desconfiança nos sistemas de governo, restringiu a democracia na região e provocou a depredação da natureza, com uma mudança irreversível no clima”.
O presidente do Movimiento por la Regeneración Nacional (Morena), do México, Mario Delgado, disse que o coronavírus mostrou a crua realidade de que as mortes têm o rosto da pobreza e a pior comorbidade é a desigualdade, pois a região concentra 32% das mortes, embora concentre 18% da população. E, nos países mais pobres, só 52% das pessoas estão vacinadas. Ele pontuou que houve uma reconfiguração do Estado mexicano após um longo período do modelo que deixou um legado de desigualdade, pobreza e violência. “O presidente desmascarou a política de saque, e a estratégia de erradicar corrupção no país levou à recuperação e reconstrução do Estado, mostrando ao mundo que é possível ter uma alternativa ao modelo neoliberal”, afirmou.
A presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, disse que na realidade a pandemia descortinou a desigualdade, fruto de uma crise do capitalismo mundial com efeitos nefastos em todo o mundo, principalmente nos países mais pobres. “Podemos ver a desigualdade entre pessoas, países, regiões, e há uma hierarquia pautada nas questões de gênero e raça que nos mostra quem mais sofreu e sofre com a crise”, afirmou. Ela destacou que, no Brasil, vimos uma situação de absoluta tristeza por ter um governo que não conseguiu oferecer a proteção que a população precisava. “Vivemos a implantação de um modelo ultraneoliberal, com retirada de direitos e uma política deliberada de destruição, para privatizar e enfraquecer o Estado”.
Justiça social e democracia – Participaram do painel “Transformações sociais, direitos e justiça social” o coordenador do Grupo de Puebla (Brasil), Pablo Gentili, e presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, a vice-presidenta da Espanha, Yolanda Díaz, a senadora eleita María José Pizarro (Colômbia), com apresentação de Gentili, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
María José Pizarro iniciou afirmando que o momento hoje na Colômbia é realmente um presente para a América Latina. Depois que o país retornou à guerra e teve o maior número de lideranças sociais e ambientais assassinadas no mundo, além de ver o agravamento de desemprego e a ampliação das desigualdades, a juventude saiu às ruas com uma valentia impressionante. “O resultado dessas mobilizações é que pela primeira vez mulheres atingiram 30% da representação política no Congresso, renovamos composição das forças democráticas no país e estamos muito perto de ganhar uma presidência progressista em duzentos anos de história da República. Esperamos poder dar esse presente às forças progressistas do mundo em maio”, afirmou.
Para Yolanda Díaz, mais do que nunca é preciso defender a democracia, pois vivemos tempos de enorme turbulência e complexidade, nos quais enfrentamos problemas extremamente difíceis. Disse que uma visão mais complexa da democracia traz a importância de poder votar e eleger as pessoas que vão garantir a transformação social. “Porque a democracia está em crise, ocorrem violações flagrantes de direitos humanos e está em curso uma guerra com consequências terríveis para as pessoas. Assim,a defesa dos direitos humanos fundamentais, a defesa da vida e do planeta, é o que temos de garantir”, pontuou.
Mercadante relembrou as torturas e assassinatos ocorridos durante a ditadura militar no Brasil, histórias que acompanhou durante boa parte de sua vida. E disse que pela nona vez estará na coordenação de uma campanha presidencial. “Eu achava que meus filhos não veriam mais retrocessos e golpes. Sonho que meus netos não vejam uma ditadura. Este é o significado do que estamos fazendo aqui. Há uma extrema direita que não valoriza a democracia e não veio para construí-la. Temos um desafio gigantesco, não estamos apenas disputando uma eleição, é uma encruzilhada histórica, e temos de fazer muito mais do que já fizemos para consolidar a democracia”, afirmou.
Para ele, é fundamental internacionalizar a política para que haja uma nova governabilidade pela paz mundial e pela justiça social. “A China avança para ser a primeira economia no mundo, e há uma tentativa crescente de se criar uma nova guerra fria que não interessa ao planeta e à América Latina.” Sobre a evidente mudança geopolítica, disse que só uma nova governança global será capaz de evitar guerras. “A ONU não pode ter um Conselho de Segurança que não reflete a realidade e não responde ao desafio, pois não tem capacidade de atuar”, afirmou.
Entre os principais desafios, mencionou a necessidade de pensar o mundo com mais cooperação. “O período da pandemia escancarou essa realidade, pois 70% das vacinas foram para os ricos. A defesa da vida e do planeta é mais relevante e não deve ser apenas para aqueles que podem pagar”, disse. Ele também citou que é fundamental repensar o papel do sistema financeiro, pois nenhum país tem força sozinho para mitigar seu poder desestabilizador. E que é absolutamente necessário lutar por uma reforma tributária global.