18/11/2011 – Criação da Comissão Nacional da Verdade
Em 18 de novembro de 2011, dez anos atrás, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.528, criando “no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos, [período 1946-1988], a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.”[1]
Assim, já no primeiro ano do governo Dilma, foi instituída a Comissão Nacional da Verdade (CNV), mecanismo central da justiça de transição no Brasil. Conforme definição do Coletivo para a Justiça de Transição no Brasil[2] a justiça de transição pode ser
“Definida como um conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e extrajudiciais) e estratégias utilizadas para enfrentar integralmente o legado de sistemáticas violações aos direitos humanos, a Justiça de Transição busca atribuir responsabilidades (civis, criminais e administrativas), promover a efetivação do direito à memória e à verdade, reformar as instituições que, por participarem das violações, por ação ou omissão, estão eivadas de uma cultura antidemocrática e violenta, buscando assim fortalecê-las com valores democráticos. Nesse sentido, o grande objetivo da justiça de transição é, por meio de um acordo político nacional, produzir sólidas garantias de não repetição e/ou a própria interrupção de graves violações aos direitos humanos, possibilitando o avanço radical de reforma cultural, política e social calcada em valores democráticos.”[3]
A CNV trabalhou ao longo dos anos seguintes, de 2012 a 2014, em investigações que envolveram comissões da verdade estaduais e de organizações da sociedade civil, audiências públicas, reunião de depoimentos de vítimas, testemunhas e agentes da repressão estatal, identificação de locais relacionados às graves violações de direitos e outros procedimentos. O relatório final da CNV foi entregue em 10 de dezembro de 2014. O relatório final, em três volumes, pode ser acessado em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/
Por meio deste processo de investigação, foram destacadas 4 conclusões finais:
[1] Comprovação das graves violações de direitos humanos
[2] Comprovação do caráter generalizado e sistemático das graves violações de direitos humanos
[3] Caracterização da ocorrência de crimes contra a humanidade
[4] Persistência do quadro de graves violações de direitos humanos
Dessa forma, além de comprovadas as violações de direitos humanos pelo Estado brasileiro no período investigado, ressalta também entre as conclusões a continuidade de práticas autoritárias por parte do Estado. Sobre este aspecto, o Coletivo para Justiça de Transição no Brasil, ressalta:
“Nesse severo quadro de ausência de enfrentamento do legado autoritário que leva a repetição e/ou permanência de graves violações, temos o Brasil como o país das Américas que mais comete homicídios por motivação política. No caso mais recente, a parlamentar Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados no Rio de Janeiro. São dezenas de militantes, lideranças e defensores de direitos assassinados e sob ameaça. […] Dessa maneira, o país é um caso emblemático de um passado, e mais, de um presente de graves violações que precisam ser enfrentadas de forma estrutural pelo alto desenvolvimento das políticas justransicionais. É por isso que sua urgência se faz latente, exigindo do Estado e da sociedade compreensão de sua imprescindibilidade para o futuro do Estado Democrático de Direito e da democracia no Brasil. [4]
Além destes documentos mencionados, sugerimos, para aprofundamento a leitura dos seguintes artigos da revista Perseu: História, memória e política, do Centro Sérgio Buarque de Holanda.
CAMARGO, Alessandra Lopes de. Negacionismo e políticas de memória na justiça de transição brasileira. In: Perseu: História, memória e política, n. 15 (2018). Disponível em: https://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/267
O artigo procura debater a questão da produção da memória e do silêncio sobre o período da ditadura militar no Brasil. Afirma-se que existe um Paradigma Negacionista operacionalizado pela interpretação dada a Lei de Anistia de 1979 que promoveu uma vontade política de esquecimento limitando o potencial das leis justransicionais. No entanto, a partir dos anos 2000, formou-se uma vontade política de memória que se concretizou em diversas iniciativas no âmbito do Poder Executivo Federal, cujo resultado político foi a elaboração do “direito à memória” inscrito na criação da Lei que criou a Comissão Nacional da Verdade. Assim, no Brasil, houve a criação de políticas ligadas ao “Paradigma do Nunca Mais”, gerando um contexto de tensão entre dois paradigmas distintos.
KAREPOVS, Dainis. Biografias de esquerda: Memórias sobre a Ditadura. In: Perseu: História, memória e política, n. 08 (2012). Disponível em: https://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/119/86
Bibliografia que reúne referências de biografias e memórias de militantes e das organizações da esquerda brasileira que atuaram clandestina e/ou institucionalmente no enfrentamento contra a ditadura no período de 1964 a 1985. Nelas, as violações estão narradas nas suas mais diversas formas, sejam as mais brutais, como a morte ou a tortura, sejam aquelas que implicaram perdas de direitos civis e que levaram à perda, entre outras, da liberdade, de empregos, da liberdade de expressão, à ruptura dos laços familiares, ao exílio ou à clandestinidade.
SOARES, Samuel Alves. Da Constituinte à Comissão Nacional da Verdade: a questão militar como entrave perene ao Estado de Direito e à democracia no Brasil. In: Perseu: História, memória e política, n. 18 (2019). Disponível em: https://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/319
No período republicano houve um ascenso e uma afirmação da participação ativa dos militares na política brasileira. Participação que implicou, em várias ocasiões, em ingerências na esfera política, quer para arbitrar resultados eleitorais, ou intervir diretamente no processo político para romper a legalidade. Esta participação é aqui sintetizada como a questão militar. Os alcances e limites da inserção militar na vida política brasileira, em linhas gerais, constituem a peça central da questão militar e neste artigo é tratada desde o processo constituinte até à Comissão Nacional da Verdade. A tese aqui apresentada é que a presença militar tem sido um entrave ao estado de direito e à democracia no Brasil, basicamente devido a uma combinação nada virtuosa entre uma prevalente autonomia militar e uma acomodação/interesse de atores políticos para a preservação dessa autonomia. Em larga síntese, a vertente militar do sistema político brasileiro é funcional relativamente a esse, e praticamente imperativa de um ponto de vista da preservação de determinada ordem social e política. Um dos aspectos ressaltados é o impedimento/interesse para que ocorra uma extroversão da força, sendo a sua aplicação letal voltada para uma concepção de inimigo interno.
Além destes artigos, sugerimos também a consulta ao Caderno de Documentos do número 18 da revista Perseu, no qual estão disponíveis os documentos Política Nacional de Defesa (PND), Estratégia Nacional de Defesa (END), estabelecidos nos governos petistas e que buscaram modificar a política nacional de defesa brasileira, a 9ª Resolução do 5. Congresso do PT, que encampa as Conclusões e Recomendações da Comissão Nacional da Verdade, as quais compõem o capítulo XVIII do relatório final da CNV, também transcritas.
[1] Vf. LEI Nº 12.528, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12528.htm
[2] Formado em 2018, construiu a carta de compromisso eleitoral com a justiça de transição, enviada aos candidatos à presidência naquele ano. Composto por Composto por Alexandre de Albuquerque Mourão , psicólogo, artista plástico, mestre em Educação (UFC) e doutorando em psicologia (UNB); Bruno Scalco Franke , bacharel em direito e analista judiciário; Heládio José Campos Leme , economista, professor e ex-preso político; Maria Auxiliadora Arantes (Dodora Arantes) , psicóloga, psicanalista e ex-presa política; Marleide Rocha , advogada; Rita Sipahi , advogada, conselheira da Comissão de Anistia e ex-presa política; Rodrigo Lentz , advogado, mestre e doutorando em ciência política (UnB); Sebastião Neto , coordenador do IIEP, militante do Fórum dos Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação e ex-preso político; Viviane Fecher , mestra em Direitos Humanos e pesquisadora em justiça de transição (UnB). Para saber mais sobre as ações deste coletivo, visite a página https://www.facebook.com/coletivojusticadetransicaobrasil/ .
[3] COLETIVO PARA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL. Eleições 2018 e justiça de transição: Recomendações, pag. 14. Brasília, São Paulo, agosto de 2018.
[4] COLETIVO PARA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL. Eleições 2018 e justiça de transição: Recomendações, pags. 28 e 29. Brasília, São Paulo, agosto de 2018.