A “Guerra de Canudos” é o nome oficial de como este episódio é identificado nos mais diversos registros, seja nos órgãos que tratam da história do Brasil, como também nos múltiplos sites de buscas. Na atualidade, Canudos é um dos temas mais conhecidos e que desperta um dos maiores interesses de nossa história. Do mesmo modo, é imensurável o quantitativo de filmes, fotografias, livros, músicas, peças de teatro, poemas e trabalhos acadêmicos que têm como fonte de inspiração essa monumental saga sertaneja. Entretanto, como em todo o universo do conhecimento humano, os temas em estudo estão em constante e novas (re)visões que nos obrigam a criar novas interpretações, pois não esqueçamos que o estudo do passado sempre se faz com os olhares dos conhecimentos científicos e artísticos de hoje.

Assim, apesar dos 124 anos transcorridos do aparente final da “Guerra (contra o povo) de Canudos”, cujo massacre total (genocídio) foi durante muito tempo festejado pelo Exército Brasileiro e outras autoridades da república(?), que, por mais incrível que pareça, acreditavam, ou pelo menos diziam, estar assegurando um futuro melhor e mais democrático para todos os cidadãos do nosso país. Entretanto, a se considerar as condições de vida da população do sertão nordestino, estas continuam a demonstrar que o genocídio ainda persiste acontecendo nesta tão sofrida região, apesar de algumas curtas e raras intervenções do governo central para a sua alegada superação, como a criação do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca, o DNOCS e o Açude de Cocorobó, que fez submergir  as ruínas da velha Canudos e o segundo povoado, construído sobre os escombros da cidadela conselheirista (“Canudos Nova”) , como se assim fosse possível se “apagar esta mancha vergonhosa da história do Brasil”.

Para indicar a validade desta tese, que a princípio pode parecer exagerada, basta se recorrer aos indicadores sociais, principalmente os da fome em suas diversas categorias, além dos índices de mortalidade infantil e de adultos, tanto pela pobreza como pelos assassinatos por policiais e traficantes nas áreas urbanas. Além destes, acrescente-se fazendeiros e grileiros no caso do campo. Além do mais, já se tornou uma constante para denominar as vítimas dos sucessivos crimes de traficantes e policiais, principalmente destes últimos, o chamado “três pês” de “periférico, pobre e preto”, o que se pode estender para os moradores das zonas rurais.

Para reforçar ainda mais estas ideias, cada vez mais claramente delineada, voltemos um pouco ao passado. Vale observar as denominações das vítimas da “Guerra contra o povo de Bello Monte” – nome pelo qual seus moradores se autodenominavam-, prevalecendo o termo de “Canudos” como a linguagem daqueles que viam “de fora” este povoado, e, assim, encontraremos um intenso processo intencional de desqualificação representado pelo uso pejorativo das palavras: “fanáticos, jagunços e analfabetos”, entre tantos outros.  (Vide dissertação do autor abaixo indicada) Conta-se até que havia um interdito do próprio Antônio Conselheiro que punia “quem falasse a palavra “Canudos, com o castigo de que a língua cairia”, conforme está em depoimento de um descendente direto de conselheirista, no documentário “Paixão e guerra no sertão de Canudos”, do cineasta Antonio Olavo, sem acento mesmo como Conselheiro assinava e ele reivindica.

Deste modo, como as novas metodologias que a “história social, dentre outras, nos possibilita, devemos rever este episódio do “Massacre do Bello Monte” passando por cima dos heróis que “roubam a cena” na historiografia tradicional, ou positivista, como Antônio Conselheiro e Euclydes da Cunha, dentre outros, e avançar no sentido de reconstruir (ou devolver) as identidades desses “sujeitos históricos esquecidos”, tanto os que defenderam a cidadela, e também até mesmo os soldados que destruíram “Canudos”, reconstruindo suas falas e seus sentimentos, e com o exercício de “leitura das fotografias” (vide tese do autor abaixo indicada) lhes dar cor, etnia, gênero, idade, origem geográfica e rostos, além de verificar como os seus descendentes ainda continuam, ainda hoje, a sofrer genocídio, oficial ou informalmente.

Sérgio Guerra é professor da Universidade do Estado da Bahia, UNEB, mestre com a dissertação “Canudos versus Bello Monte: Universos em confronto” e doutor com a tese “Canudos versus Bello Monte: Imagens contando História”, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP.

Canudos: uma guerra que (ainda) não acabou