‘Se não se sensibilizar, a humanidade vai morrer pelo veneno’
O marco temporal e as ameaças como o garimpo e a Covid-19 para as populações indígenas foram os temas do Pauta Brasil desta quarta-feira (22), com a participação de Célia Xakriabá, Danicley de Aguiar e Márcio Meira. O programa foi mediado por Jessica Italoema, diretora da Fundação Perseu Abramo.
Célia Xakriabá, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas, falou em nome de setenta povos Xakriabá da região do Cerrado e citou a intensa e recente mobilização em Brasília, que culminou na Segunda Marcha da Mulheres Indígenas. “Falamos da importância de não colonizar nossos biomas. Trata-se de uma guerra humanitária iniciada em 1500. Desde então mudaram inúmeros projetos de lei, mas nunca mudou a intenção de nos exterminar. Não conseguiram na invasão do Brasil e na colonização. Na ditadura foram executados mais de 8 mil indígenas. Mas tentam impor um projeto de aculturação que arrancou parte da língua e da diversidade dos povos”, disse ela.
A líder Xakriabá analisou por que a bancada ruralista é tão contra os povos indígenas: o marco temporal é um marco do capital, que coloca em risco a diversidade do Brasil, pois não existe Brasil sem os povos indígenas. No dia em que dermos nosso último suspiro, acabará para toda a humanidade. Nossa luta não é só para reflorestar, pois isso demora muito tempo, 521 anos. Estamos tentando reflorestar o pensamento das pessoas. Não é somente sobre curar, mas principalmente sobre não adoecer”, afirmou.
Célia concluiu com um chamado: “se pessoas não se sensibilizarem vamos todos morrer pelo veneno, pelo garimpo. Demarcar é prestar o bem a toda a humanidade. Hoje a população indígena representa 5% da população mundial mas protege 83% da biodiversidade. É muita luta para pouco indígena”.
Danicley de Aguiar, que atua há mais de vinte anos com movimentos sociais, populações indígenas e ribeirinhas na Amazônia, disse que é importante entender o garimpo em relação ao PL 490 e à regressão dos direitos dos povos indígenas no Brasil, questão que muito além do debate ambiental. “Todo impacto produzido nas terras indígenas desce rio abaixo. O garimpo virou uma epidemia, dentro da pandemia de Covid-19. A situação dos kaiapós, dos mundurucus e dos ianomamis é desesperadora. Neste último território foram 30 km do leito do Rio Branco destruídos pelo garimpo, com um impacto brutal, metade da população é refém do garimpo”, pontuou.
Segundo ele, a explosão de garimpo se deu a partir de 2017. Disse que depois de 500 anos de genocídio, o PL 490 oferece liberdade ao garimpo, cuja principal mazela é a destruição das águas, o que inviabiliza a vida. “A retórica dos governos municipais e federal de que o garimpo deveria ser liberado nas terras indígenas provoca um avanço deliberado nas áreas. Como consequência, vemos prostituição dentro dos territórios, várias outras coisas que colocam em xeque toda a capacidade de reprodução desses povos. Se os indígenas comerem peixe, por exemplo, certamente vão se contaminar por mercúrio, mesmo aqueles que não vivem perto dos rios”.
“Vemos o Comando Vermelho e o PCC envolvidos com os garimpeiros, e os indígenas não conseguirão enfrentar essas ameaças sozinhos. Não é possível naturalizar essa questão como faz o estado brasileiro hoje”, concluiu.
O antropólogo do Museu Paraense Emílio Goeldi (Belém-PA) Márcio Meira afirmou que o PL 490 é de 2007, mas ficou paralisado em todo este período. Em junho deste ano, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e encaminhado para votação. Ele tenta mudar a lei que regulamenta os processos de demarcação, criando uma série de procedimentos para dificultar o que já é um processo lento e difícil.
Disse que projeto é um ataque no campo dos direitos indígenas estabelecidos na Constituição brasileira que já estão ameaçados pelas políticas desenvolvidas nos campos do Judiciário e do Legislativo. “Esse é o pesadelo que vivemos hoje com o atual presidente, que em seu primeiro dia de governo editou uma MP esquartejando o órgão indigenista brasileiro. As atribuições da Funai foram transferidas para o Ministério da Agricultura que é controlado pelo agronegócio e pela mineração”, observou.
Assista ao programa completo.