O Pauta Brasil do dia 17 de setembro discutiu os gargalos produtivos e logísticos provocados pelas medidas de enfrentamento da Covid-19. Para isso, recebeu André Roncaglia, economista, professor na Universidade Federal de São Paulo e pesquisador associado ao Cebrap; e Cristina Reis, professora adjunta da Universidade Federal do ABC e coordenadora do Núcleo de Estudos Estratégicos em Democracia, Desenvolvimento e Sustentabilidade.

O mediador Artur Araújo, consultor da Fundação Perseu Abramo, iniciou o programa apontando os entraves à economia gerados pela ausência de semicondutores no mercado mundial, um dos efeitos colaterais das medidas sanitárias de enfrentamento à pandemia do coronavírus. Além do mercado de microchips, os gargalos nas cadeias de produção e distribuição atingem diversos outros produtos e mercados, como é o caso do arroz nos últimos meses.

André Roncaglia iniciou sua participação lembrando que não estamos apenas em meio a uma pandemia, mas a uma sindemia, ou seja, a uma confluência de crises diversas (sanitária, econômica, política, institucional etc.) encadeadas, que produz muito mais efeitos devastadores que uma pandemia produziria sozinha. Segundo ele, essa sindemia atingiu em cheio as cadeias globais de valor e produziu um choque de preços e produção de alguns produtos que são a base para a produção de outros, diminuindo a sua oferta, como foi o caso da carestia e alta nos preços dos semicondutores, necessários na fabricação de qualquer produto eletrônico. “Não apenas o setor de consumo, mas várias áreas da indústria, principalmente dos setores de saúde e hospitalar em um contexto de pandemia, também foram fortemente afetados”, conta.

O economista lembra que a pressão sobre os preços não afeta apenas produtos importados, mas se ramifica, atingindo produtos nacionais que dependem desses bens importados. “Um efeito indireto resultante disso é a combinação do choque de custos com uma perspectiva de demanda que está em frangalhos. O resultado é uma desnacionalização adicional de vários setores da economia, como temos vista nas várias empresas que estão deixando o país”. Além desses fatores, Roncaglia apontou também a depressão cambial, o preço internacional das commodities, o Brasil manter uma política de juro real negativo e a crise hídrica e energética como fatores que impactam o investimento, a produtividade e agravam este cenário.

Cristina Reis iniciou sua participação lembrando que a China, principal fornecedor de insumos em todo o mundo, foi o primeiro país atingido pela pandemia e que as medidas restritivas adotadas impactaram fortemente a economia, gerando rupturas nas cadeias globais de valor, que são a forma de organização de todo o processo produtivo de todos os bens e serviços produzidos mundialmente. Isso teve um impacto muito forte nas empresas brasileiras, que sofreram um segundo impacto com as medidas restritivas adotadas localmente e com a falta de conhecimento em um primeiro momento sobre protocolos seguros de funcionamento.

Segundo ela, no último período, cadeias globais de valor têm passado por uma reestruturação, com uma tendência ao fortalecimento de polos regionais de produção e com diversos casos de reindustrialização. Esse movimento, associado ao processo de implantação da Indústria 4.0, deve trazer preocupação aos países em desenvolvimento, uma vez que o domínio das novas tecnologias necessárias à adequação a este novo cenário está muito concentrado nos países desenvolvidos.

Para a economista, a superação desses desafios depende da capacidade do país de construir um pacto que aponte metas sociais e ambientais e que direcione sua capacidade de investimento e geração de tecnologia para atingir essas metas. “A forma como a política atende aos diferentes interesses na nossa sociedade ainda está muito aquém de uma democracia inclusiva, justa e também sustentável, como a gente sonha”.

Assista ao programa completo:

 

 

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