Quem ouve falar do aquecimento global e da emissão de gases de efeito estufa como algo distante nem sempre consegue ligar estes temas aos incêndios na Amazônia e no Pantanal cada vez mais frequentes e ao aumento da conta de luz que estrangula o orçamento dos cidadãos brasileiros. E também à escassez de água nos reservatórios, que pode provocar um grande racionamento.

Para explicar esta conexão e falar de ações necessárias para conter a emergência climática vivida no Brasil, o Pauta Brasil promoveu o debate “A Crise Climática e o Relatório do IPCC”, nesta segunda-feira, 6 de setembro. Com a participação do presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental Carlos Alberto Hailer Bocuhy e da jornalista, diretora-executiva do Nossa América Verde, Sylvia Siqueira, o programa foi mediado deputado federal, secretário nacional da Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT, Nilto Tatto.

Carlos Bocuhy afirmou que o aquecimento global já foi visto como uma questão distante, e se imaginava que daria tempo de tomar medidas para equacionar a questão no planeta e manter o aumento da temperatura média no limite de 1,5 grau Celsius até 2100. A partir de 2014, os dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) começaram indicar necessidade de ações urgentes. E o atual relatório, publicado em agosto, diz que o Brasil já sofreu aumento de 1,09 grau. No Nordeste, hoje, alguns locais já atingiram 2 graus e se tornaram semiárido, a caminho de se tornarem desertos.

O Relatório diz que em vez de um episódio crítico de seca a cada 50 anos, teremos trinta episódios no mesmo período. No estado de São Paulo, o nível dos reservatórios está baixíssimo; as regiões de cerrado pegam fogo; o Pantanal sofre e vai sofrer muito mais; na Amazônia e nas áreas em processo de savanização, várias implicações já são visíveis.

“Já estamos com 0,36 graus previstos para uma década, o que era a perspectiva a ser evitada no acordo de Paris. Isso provoca 50% menos de capacidade hídrica, alterações drásticas para a agricultura que ameaçam a segurança alimentar, diz respeito à nossa própria sobrevivência e qualidade de vida. O aumento no preço da energia se deve ao fato de reservatórios terem se tornado superbaixos. Isso significa um custo muito maior para o cidadão e pode chegar ao racionamento de água”, alertou.

Segundo ele, para enfrentar essa emergência civilizatória que vai atingir cada vez mais e principalmente as pessoas mais vulneráveis, é necessário uma nova governança, com políticas públicas integradas e intersetoriais.

Sylvia Siqueira disse que o movimento Nossa América Verde nasceu por entender que a crise ambiental veio de um conjunto de fatores assentados no modelo de desenvolvimento do mundo. “Precisamos olhar a responsabilidade dos países no conjunto. A conta não é redonda, os gases que emitimos no Brasil não farão efeito apenas aqui, sabemos que não é assim. A recuperação verde virá de uma equação que estabiliza condições ambientais, econômicas e sociais e combina com a recuperação histórica. Pois sabemos que os efeitos não recaem sobre todos da mesma forma, já que as localidades e territórios têm desenvolvimentos distintos”, pontuou.

Ela reiterou que quando falamos sobre as mudanças climáticas isso parece algo distante, mas ela está no dia a dia. “É a conta de luz, a possibilidade ou não de abrir a torneira e sair água, de ter acesso a determinados alimentos. E também estão vinculadas ao modelos de desenvolvimento. Como o país se organiza para propiciar à população acesso a água, energia e alimento? Como as pessoas e a cidade lidam com seus resíduos? É uma escala de responsabilidade muito maior dos governos, mas também de cada um”, afirmou.

Sylvia disse que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas existe desde 1988, praticamente tem a idade da Constituição brasileira. “Temos esta plataforma de debate, mas ainda não deu o clique na mente para entender o lugar que o país ocupa, não só do ponto de vista geográfico mas também das decisões. O Brasil pode ter o papel estratégico de criar uma nova governança latino americana”, argumentou. Para ela, a política de permanência na terra com segurança e a regeneração de biomas degradados ao longo de décadas são pontos essenciais a serem tratados.

E destacou que é preciso organizar a presença de figuras políticas fortes na 26a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU (Cop 26), pois é um espaço no qual os países apresentam metas ambiciosas de gases de efeito estufa, como, por exemplo, aqueles emitidos por áreas de plantação de soja e criação de gado.

Assista ao debate completo.

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