O Pauta Brasil do dia 13 de agosto debateu o bolsonarismo e a sindemia de covid-19 no Brasil. Para isso, recebeu o jornalista Cesar Calejon, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente); o advogado Cláudio Souza Neto, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF); a economista Cristiane Kerches da Silva Leite, professora da Universidade de São Paulo (USP), e o cientista político João Feres Jr., professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Na mediação, Artur Araújo substituiu Jéssica Italoema, que teve problemas com a conexão à internet.

Cesar Calejon, iniciou o debate apontando a crise instalada atualmente no Brasil como multidimensional, é ao mesmo tempo sanitária, econômica, política, social. Para ele, essas dimensões se manifestam, inclusive, dentro do governo federal, na relação entre os níveis da federação, na relação entre os três poderes e na política externa do país. “A interseção entre o Bolsonarismo e a pandemia no Brasil criou uma sindemia. E o que é uma sindemia? É uma crise que transcende o caráter sanitário”.

Em seu último livro, Calejon faz uma análise dessa sindemia a partir de quatro vetores: o uso por Bolsonaro do simbolismo presidencial para atacar as políticas de enfrentamento à pandemia, a não cooperação entre entes federativos de diferentes níveis nesse enfrentamento, a gestão desastrosa do Ministério da Saúde e a incapacidade do Estado em diagnosticar e notificar os casos.

Cristiane Kerches da Silva Leite aprofundou a compreensão do conceito, explicando que a sindemia é “um processo que combina um conjunto de desigualdade estruturadas, inclusive institucionalmente promovidas pelo estado, e uma pandemia”. Segundo ela, o governo Bolsonaro é um “desgoverno”, na medida que descoordena e desarticula as políticas de combate à pandemia e à crise, como um todo.

Para a economista, o momento histórico atual, pós-golpe de 2016, é de grande retrocesso político-institucional e nos direitos sociais, interrompendo os avanços sociais que aconteciam no Brasil desde a Constituição de 1988, mas principalmente durante os governos Lula e Dilma. O governo Bolsonaro acelera esse retrocesso, sobretudo durante a pandemia, fazendo uso de estratégias deliberadas para não garantir uma estabilidade sanitária, que seria básica para o funcionamento de qualquer sistema político e econômico. “Ele (Bolsonaro) aprofunda o desfinanciamento das políticas e, ao mesmo tempo, afeta, do ponto de vista simbólico e de estrutura, todas as camadas das políticas sociais que já tinham sido fragilizadas pelo aprofundamento da agenda neoliberal”.

Cláudio Souza Neto destacou dois aspectos da reação de Bolsonaro e do bolsonarismo à pandemia: o anti-intelectualismo e a decisão política de privilegiar os negócios em detrimento da vida humana. O anti-intelectualismo seria a cortina de fumaça que encobre um projeto que apostou em uma suposta imunidade de rebanho e que poderia ter matado mais de dois milhões de brasileiros, segundo dados do Imperial College London.

Para o advogado, o Supremo Tribunal Federal (STF) acertou ao elaborar um jurisprudência de crise que garantisse a estados e municípios implementar políticas sanitárias locais apesar da falta de coordenação na política sanitária e da completa ausência do governo federal no combate aos efeitos das políticas de isolamento social, sobretudo na vida dos mais pobres. “O bolsonarismo despreza os pobres”.

João Feres Jr. focou sua análise no fenômeno político que sustenta Bolsonaro, mesmo em meio à sindemia que ele alimenta. Ao contrário do que dizem muitos analistas, para Feres, Bolsonaro não se aproxima do populismo, em seu sentido clássico, porque não é nacionalista e tem dificuldade em criar identidade, definindo claramente um “nós” e um “outro” a quem se contrapõe. Segundo ele, Bolsonaro também não teria uma filiação automática ao neoliberalismo fiscalista representado por Paulo Guedes. Não à toa, o discurso bolsonarista tem se voltado cada vez mais a uma parcela pequena do eleitorado, um nicho anti-intectual radicalizado.

Para o cientista político, “a esfinge Bolsonaro não é um tipo populista, mas um projeto fracassado genuinamente autoritário, que não consegue – nem com o maior incentivo possível que é a pandemia – fazer política. Até o populismo de Bolsonaro é fake news. Bolsonaro é um populista fake”.

Provocados por Artur Araújo, os debatedores concordaram que Bolsonaro aposta na anomia social e no caos gerado pela ausência de uma coordenação nacional no combate à pandemia como um combustível capaz de alimentar o decadente bolsonarismo enquanto projeto político.

Assista à íntegra do programa:

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